Alessandra Okuma

No dia 27 de agosto, o Senado Federal aprovou o projeto de lei PLP 170/2020, que altera o sujeito ativo do imposto sobre serviços de quaisquer natureza – ISS. A alteração modifica a competência tributária dos Municípios e afeta diretamente operadoras de planos de saúde, administradoras de cartão de crédito, bancos, “fintechs”, administradores de carteiras de valores mobiliários, fundos e clubes de investimentos, administradores de consórcios, empresas de arrendamento mercantil.
A proposta do PLP 170/2020 de modificar o sujeito ativo do ISS já estava prevista na Lei Complementar 157/2016, cujos efeitos foram suspensos pelo Ministro Alexandre de Moraes ADI 5835 MC/DF. 
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A omissão do conceito de “tomador dos serviços”, que fundamentou a decisão do STF acima mencionada, foi suprida. Outro ponto positivo é a previsão de uniformização dos deveres instrumentais com a criação de um Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (CGOA).
No entanto, a cobrança do ISS no Município do beneficiário dos serviços vem na contramão do desejo dos contribuintes pela simplificação fiscal. As empresas atingidas terão altos custos de compliance, pois deverão adequar seus sistemas as regras tributárias de 5500 Municípios, com diferentes alíquotas. Além disso, os contribuintes serão obrigados a organizar 5500 fluxos de pagamento, aprovação, contabilização, preenchimento de declarações, livros e obrigações acessórias.
Aparentemente o projeto também está em dissonância com as diretrizes do Ministério da Economia, que no inicio do ano propôs a PEC do Pacto Federativo (PEC 118/2019), que extinguiria Municípios com menos de 5 mil habitantes e com arrecadação menor que arrecadação própria menor que 10% da receita total. Nessas circunstâncias, segundo informações do presidente da Confederação Nacional dos Municípios <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/20/presidente-da-cnm-critica-pec-do-pacto-federativo-e-defende-manutencao-de-pequenos-municipios">Glademir Aroldi</a>, seriam extintos cerca de 1.252 municípios com população abaixo de 5 mil habitantes.
A proliferação de Municípios deu-se principalmente entre 1989 a 2006, quando foram criados 1364 Municípios, sendo 705 (mais da metade) deles com menos de 5.000 habitantes<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, por ausência de regulamentação de norma constitucional.
Pela Constituição Federal, a criação e extinção de Municípios deve observar o art. 18, parágrafo 4, que prevê: (i) a divulgação de estudo de viabilidade municipal; (ii) a realização de plebiscito e (iii) a regulamentação em lei complementar federal.
Contudo, até hoje, ainda não foi editada a referida lei complementar. O Estado do Mato Grosso ingressou com ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI 3682/MT) a qual foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal. Foi estabelecido o prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional adotasse as providencias legislativas para edição da referida lei complementar federal<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, entretanto, o projeto PLP 137/2015 ainda está em trâmite na Câmara dos Deputados.
Enquanto isso, a Emenda Constitucional 57/2008 incluiu o art. 96 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT convalidou todos os Municípios criados até 2006.
De acordo com o “Perfil e Evolução das Finanças Municipais – 1998-2006”, em geral, as receitas de arrecadação própria (ISS e IPTU) representam cerca de 34% do total das receitas dos Municípios. Todavia, esse percentual cai para 13,7% naqueles com menos de 50 mil habitantes. Isso demonstra que esses Municípios menores têm maior dependência dos repasses estaduais (ICMS, IPVA) e Federais (SUS, FUNDEF, salário educação e etc.), que representam em média 86,3% de suas <a href="http://www.nupesp.org/arquivos/STN_Financas_Perfil_evolucao_1998_2003.pdf">receitas totais</a>.
Essa dependência não decorre de limites à competência tributária, mas principalmente da ausência de tecnologia e pessoal habilitado à fiscalizar. Para Municípios com menos de 50 mil habitantes seria mais eficiente obter mais recursos por meio de repasses dos demais entes políticos, do que pelo exercício de suas próprias competências tributárias.
Outro ponto que se deve considerar é que quanto mais Municípios, maior a quantidade de gastos públicos. O Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Publico Brasileiro – SICONFI, da <a href="https://www.cnm.org.br/index.php/comunicacao/noticias/dados-de-2018-revelam-dificuldade-de-mais-de-1-700-municipios-com-limite-de-despesa-de-pessoal">Secretaria do Tesouro Nacional – STN</a> consolidou dados de 3.222 Municípios em 2018 e concluiu que 1.016 ultrapassaram o limite de despesas de pessoal de 60% previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Dos 2.206 que respeitaram o limite legal, 727 estavam próximos ao teto, no chamado de “Limite Prudencial”, quando a despesa de pessoal fica entre o percentual de 51,3% e 54% da receita.
Portanto, mais de 54% dos Municípios gasta mais da metade de suas receitas com despesas de pessoal. Desnecessário dizer que essas despesas publicas poderiam ser drasticamente reduzidas com a fusão de Municípios proposta na PEC do Ministro Paulo Guedes, o que seria adequado neste momento de austeridade.
O pacto federativo e a autonomia municipal têm sido muito discutidos recentemente, em razão das propostas de reforma tributária. A federação é conceito jurídico positivo, ou seja, está previsto no texto da Constituição Federal. Embora seja unânime que o principio federativo é cláusula pétrea e não pode ser alterado sequer por emenda constitucional (art. 60, par. 4, da Constituição Federal), discute-se se é necessário que os Municípios tenham competência tributária e qual a amplitude desta.
Alguns defendem que ao princípio federativo é essencial a competência tributária dos Municípios. Outros sustentam que autonomia financeira (sem competência tributária) seria suficiente.
Na ADI 1.842, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a essência da autonomia municipal compreende “(i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo.” (ADI 1.842, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 06.03.2013, DJ 16.09.2013).
Para o Supremo não há necessidade de competência tributária, mas, ao contrário, tanto Estados quanto Municípios devem se submeter a leis complementares nacionais. Nesse sentido são as decisões da ADI 2377-MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ 07.11.2003 e na ADI 1.546, rel. Nelson Jobim, DJ 06.04.2001. A autonomia financeira dos Municípios pode ser obtida por normas que lhes garantam receitas suficientes para cumprir suas atribuições constitucionais. O pacto federativo continua respeitado, a medida que seria mantida a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos entes descentralizados.
Por conseguinte, como muitos Municípios não tem condições de exercer plenamente sua competência para tributar o consumo, a cobrança do ISS pelo local do beneficiário dos serviços torna-se prejudicial à necessidade de simplificação, à uniformidade de tratamento entre os entes da federação. O aumento de receitas municipais pode ser feito de forma plenamente eficiente por norma financeira que altere o percentual de transferências, de modo a preservar os interesses locais e reduzir as desigualdades regionais.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BRANDT, Cristina Thedim. A criação de municípios após a Constituição de 1988 Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 47 n. 187 jul./set. 2010.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam Municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses Municípios. (ADI 3.682, rel. min. Gilmar Mendes, j. 9-5-2007, P, DJ de 6-9-2007).

Cédulas de dinheiro. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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JOTA

Novo projeto de lei aprovado pelo Senado altera o sujeito ativo do imposto

O ISS no município do tomador de serviços

Novo projeto de lei aprovado pelo Senado altera o sujeito ativo do imposto. Mudeança no ISS afeta operadoras de planos de saúde, bancos e fintechs.