Melina Rocha

Ângelo de Angelis

O Imposto sobre o Valor Adicionado (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/iva">IVA</a>) já foi implementado em mais de 170 países e representa o modelo de tributação sobre o consumo mais importante do mundo. A popularidade entre os países e a proliferação do IVA pelo mundo ocorreram principalmente em virtude das características do modelo: neutralidade econômica e alta capacidade de arrecadação.
O IVA é um imposto plurifásico e de base ampla, recolhido em todas as operações com bens e prestações de serviços e em cada etapa da cadeia produtiva. Esta característica implica que o tributo incida em cada operação e seja coletado dos adquirentes de produtos e serviços e recolhido aos cofres públicos em cada etapa da cadeia econômica. Por conta disso, um dos desafios do modelo é assegurar que todas e cada operação seja declarada e tributada.
O segundo desafio se refere a outra característica do IVA: a não cumulatividade. Tendo em vista que no IVA o ônus econômico – quem paga efetivamente o tributo – deve recair no consumidor final, os sujeitos passivos no meio da cadeia devem ter o direito de se creditar do imposto pago na aquisição de bens e serviços utilizados na sua atividade econômica. Quase a totalidade dos modelos de IVA no mundo adota um sistema baseado no imposto destacado na nota fiscal (invoice-credit method), o que significa que o creditamento do IVA depende de um controle do tributo pago, seja por meio de notas fiscais ou através de outros mecanismos tecnológicos.
Em virtude das características fundamentais do IVA – plurifasia, base ampla e não cumulatividade –, a operacionalização do modelo depende de mecanismos baseados em tecnologia tais como nota fiscal eletrônica, real-time reporting e blockchain. Tais mecanismos, conforme se verá nos dois artigos desta série, se mostraram de grande importância na operacionalização do IVA no mundo.
A utilização destas tecnologias permite um maior controle das operações, tanto para fins de tributação em cada etapa, quanto para a verificação do direito ao crédito do imposto. Um dos maiores desafios de tributos não cumulativos, no Brasil e no mundo, tem sido impedir a fraude no creditamento do imposto, que normalmente ocorre através de notas fiscais falsas ou operações inexistentes. Mais especificamente, no Brasil, as diferentes alíquotas aplicáveis, aliadas com a possibilidade de os Estados concederem benefícios fiscais, igualmente incentivou a utilização de transações fictícias e ilegítimas, somente criadas para se beneficiar de uma tributação mais favorável.
Neste primeiro texto, veremos como o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a implementar a Nota Fiscal Eletrônica (“NF-e”) em 2005 e todo o histórico e desafios desta implementação.
<h3>O Brasil como um dos países pioneiros na Nota Fiscal Eletrônica</h3>
A adoção da NF-e pode ser compreendida como parte do desenvolvimento de um longo processo de informatização das obrigações acessórias que teve início em 1970 com a criação do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais pelo Convênio s/n de 15/12/1970,  passando pelo Convênio AE 16/71<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e Convênio/Sinief 06/89<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, que criou novas regras sobre a emissão de documentos fiscais e a escrituração de livros fiscais por contribuinte usuário de sistema eletrônico de processamento de dados. Em 1995, a matéria seria novamente regulamentada pelo Convênio ICMS nº 57/1995, que instituiu o Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços, o Sintegra<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.  O Sintegra criou um repositório nacional de arquivos digitais contendo dados cadastrais e registros detalhados de notas fiscais de entradas e saídas e da escrituração fiscal dos contribuintes do ICMS por estabelecimento.
O movimento pela implementação da Nota Fiscal Eletrônica surgiu no Brasil em decorrência da Emenda Constitucional 42/2003 que ao introduzir o inciso XXII ao artigo 37 da Constituição Federal, estabeleceu que “as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ... atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.”
Em função deste dispositivo foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Administradores Tributários (Enat) entre os dias 15 e 17 de julho de 2004 reunindo secretários de Fazenda de Estados e da Receita Federal<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Deste encontro, surgiram dois protocolos de cooperação fiscal tratando do cadastro sincronizado de contribuintes entre a Receita Federa e as administrações tributárias estaduais e de iniciativas de cooperação práticas para “definir as adequações que se façam necessárias para incluir no PASSE SINTEGRA as informações e funcionalidades da Nota Fiscal Eletrônica, abrangendo as operações interestaduais e de comércio exterior;” (grifos nossos)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
A partir de então foi constituído grupo técnico contendo servidores das secretarias de fazenda estaduais e da Receita Federal para estudar o tema Nota Fiscal Eletrônica, inclusive com visita ao Chile para conhecer a experiência daquele país. Em 30 de setembro de 2005, foi editado o Ajuste Sinief nº 7/2005 instituindo a Nota Fiscal Eletrônica e o Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica.
A implementação deste projeto se deu por etapas: um primeiro projeto piloto, em setembro de 2005, com dezenove empresas voluntárias; seguido de uma segunda fase com a participação de mais 50 empresas paulistas a partir do final de 2006. Por último, deu-se início a terceira fase de massificação obrigatória de uso da Nota Fiscal Eletrônica começando-se em abril de 2008 pelo setor de combustíveis e fumo com base no Protocolo ICMS º 10/2007.  A partir de 1º de dezembro de 2008, diversos Protocolos <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">ICMS</a> instituíram a obrigatoriedade de implementação por etapas, obedecendo a um cronograma pela Classificação Nacional de Atividade Econômica (Cnae). O Protocolo ICMS 42/2009 previu conclusão da obrigatoriedade da Nota Fiscal Eletrônica para quase todas as empresas em todo o Brasil até dezembro de 2010<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Durante este período, a Receita Federal do Brasil já vinha estudando a implementação do Sistema Público de Escrituração Digital, o SPED, que incorporou o projeto Nota Fiscal Eletrônica como um de seus módulos. Pode-se considerar que sua instituição se deu a partir do Convênio ICMS 143/2006 que criou a Escrituração Fiscal Digital (EFD) substituindo os antigos livros em papel pelos respectivos livros digitais. Um dos módulos do SPED é a Nota Fiscal Eletrônica, e a EFD – Escrituração Fiscal Digital ICMS e IPI – deve ser integrada à Nota Fiscal Eletrônica, pois é por ela alimentada.
A Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) foi concebida para substituir dois modelos específicos de notas fiscais em papel, os modelos 1 ou 1-A utilizados para os contribuintes do ICMS e do IPI. Dentro da NF-e não estão incluídas as notas fiscais de serviços nas operações B2B ou B2C nem as notas fiscais de venda consumidor (B2C). Para as transações com serviços ao consumidor, encontra-se em desenvolvimento o projeto Nota Fiscal de Serviços Eletrônica- NFS-e, uma pareceria entre a Receita Federal do Brasil e a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) documento que é “gerado e armazenado eletronicamente em Ambiente Nacional pela RFB, pela prefeitura ou por outra entidade conveniada, para documentar as operações de prestação de serviços.”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> Deste modo, nem todos os municípios são aderentes a este projeto que parece ser focado nas capitais.
Nas vendas a consumidor final, a Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica – NFC-e, substitui a antiga nota fiscal de venda a consumidor, modelo 2, que era um modelo simples e emitida em duas vias pelas lojas varejistas de pequeno porte e o cupom fiscal emitido pelo equipamento ECF, hoje em desuso. Segundo o sítio do SPED, a “NFC-e – é um documento de existência apenas digital, emitido e armazenado eletronicamente, com o intuito de documentar as operações comerciais de venda presencial ou venda para entrega em domicílio a consumidor final (pessoa física ou jurídica) em operação interna e sem geração de crédito de ICMS ao adquirente” <a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
A NF-e tem existência apenas digital e “sua validade jurídica é garantida pela assinatura digital do emitente e autorização de uso pela administração tributária da unidade federal do contribuinte, antes da ocorrência do fato gerador<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>”. Ao promover a saída da mercadoria do seu estabelecimento, o contribuinte ainda é obrigado a gerar o Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica, o DANFE, para acompanhar a mercadoria em seu trajeto. O DANFE não é a nota fiscal, mas contém seus dados e principalmente o código de acesso. O desafio que ora se coloca para o projeto NF-e é a sua integração aos sistemas de meios de pagamento de forma a garantir o efetivo pagamento do crédito ao longo da cadeia. Conforme se verá no próximo artigo desta série, a tecnologia de Blockchain pode contribuir para o desenvolvimento ou superação deste modelo.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/1971/CV016_71">https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/1971/CV016_71</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/ajustes/sinief/cvsinief_006_89">https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/ajustes/sinief/cvsinief_006_89</a>.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="http://www.sintegra.gov.br/">http://www.sintegra.gov.br/</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> OLLER, Newton, Manual prático da NF-e e da NFC-e entendendo a Nota Fiscal Eletrônica e a Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica – 1. ed, - São Paulo : IOB Folhamatic EBS – SAGE, 2014. p.21.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Protocolo disponível em http://www.enat.receita.economia.gov.br/pt-br/area_nacional/areas_interesse/foruns/historico/i-enat/i-enat-2004-protocolos/protocolo-02-2004-cooperacao-praticas-i-enat
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Uma descrição completa deste processo encontra-se em OLLER, Newton, op. cit. p. 19-65.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> <a href="http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/488">http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/488</a>
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> <a href="http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/1519">http://sped.rfb.gov.br/pagina/show/1519</a>
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> <a href="https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/ajustes/2005/AJ007_05">https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/ajustes/2005/AJ007_05</a>.

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JOTA

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