Melina Rocha

Ângelo de Angelis

No <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/politicas-tributarias/da-nota-fiscal-eletronica-ao-blockchain-parte-1-10062022">primeiro artigo</a> desta série1, mostramos o histórico da Nota Fiscal Eletrônica no Brasil. Neste artigo, mostraremos como o modelo de NFE foi implementado na América Latina e na Europa. No caso europeu, em virtude de peculiaridades internas, também se tem adotado a implementação de modelos de real-time reporting. No terceiro e último artigo, abordaremos como tecnologias baseadas em blockchain têm sido trazidas ao debate como uma evolução dos modelos de NFE e real-time reporting.
<h3>Da Nota Fiscal Eletrônica aos modelos de Real-time Reporting europeus </h3>
Concomitantemente com o Brasil, outros países da América Latina como Chile e México, também iniciaram a implementação de sistemas de NF-e em 2004 e 2005 respectivamente, seguidos de vários outros países do continente. A adoção da NFE na América Latina foi motivada principalmente pelo combate à fraude e para fins de administração tributária, “como instrumento de controle documental sobre o processo de faturamento, de modo a evitar tanto a omissão de vendas quanto a inclusão de falsas compras”2.
Várias pesquisas acadêmicas sobre países da América Latina demonstraram que a NF-e promove um aumento das vendas declaradas e da cobrança de IVA. Um estudo do Fundo Monetário Internacional mostrou um aumento de 5% na arrecadação de IVA de pequenas empresas após a introdução da fatura eletrônica obrigatória no Peru e que a adoção da fatura eletrônica teve um “impacto maior em setores que tradicionalmente sofrem com baixa conformidade, como varejo, serviços empresariais e construção” 3. Nesses setores, os pagamentos de valor agregado e IVA declarados aumentaram mais de 10% após a adoção da fatura eletrônica. 
Três estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento também mostraram que a implementação da fatura eletrônica levou a um aumento gradual nas vendas declaradas na cobrança do IVA. O estudo sobre o Equador mostrou que as empresas que adotaram a fatura eletrônica tiveram um aumento de IVA de 17% no segundo ano e 24% no terceiro ano após a implementação da fatura eletrônica ocorrida em 2013 4. Outro estudo, sobre o Uruguai, mostra um aumento de 3,7% no IVA pago nos seis meses após a implementação da fatura eletrônica, período em que o IVA pago pelas grandes empresas aumentou em 4,6% 5. Por fim, um estudo sobre a Argentina mostrou um aumento de 10% do IVA pago seis anos após a implementação da NF-e.
A experiência latino-americana demonstra que, do ponto de vista da administração tributária, a NF-e pode ser usada para controlar fraudes e aprimorar e automatizar o processo de auditoria e cobrança, o que leva a um potencial aumento da receita tributária.
Diferentemente da América Latina, a implementação da NF-e na Europa parece ter sido prioritariamente baseada nos benefícios do sistema para as empresas, principalmente simplificação e diminuição do custo de conformidade. Por exemplo, a maioria das razões para uma rápida implementação da NF-e descritas no 2009 Final Report of the European Commission Expert Groupon e-invoicing baseou-se nos benefícios para o sector privado (tais como competitividade, produtividade, diminuição de custos, melhora do fluxo de caixa, etc.). 
Em 2014, a Diretiva 2014/55/55 Faturação eletrônica nos contratos públicos passou a exigir que os Estados-Membros adotassem a faturação eletrônica no modelo europeu para todas as entidades e públicas até abril de 2019. Embora na maioria dos países europeus a fatura eletrônica obrigatória se aplique apenas aos fornecimentos ao setor público, na Itália, as faturas eletrônicas são obrigatórias para operações com o governo e entidades públicas (B2G) desde junho de 2014 e para fornecimentos para empresas (B2B) e consumidores (B2C) desde janeiro de 2019. Junto com o requisito obrigatório de faturamento eletrônico, a Itália também introduziu um sistema de real-time reporting (Sistema di Interscambio (SDI)) que exige a apresentação de faturas em um formato padronizado (xml).
A Diretiva de IVA da União Europeia não permite a implementação da fatura eletrônica obrigatória a todas as transações sem a derrogação de artigos que exigem que os fornecedores forneçam faturas em papel, a menos que os destinatários concordem em receber faturas eletrônicas. Como tal, a Itália teve que obter autorização da Comissão Europeia para derrogar os artigos 218 6 e 232 7 da Diretiva de IVA da UE para poder impor a faturação eletrônica obrigatória para transações B2B e B2C. Mais recentemente, a <a href="https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A52021PC0735">França</a> também apresentou uma autorização para derrogar a Diretiva do IVA, que foi concedida em 21 de janeiro de 2022 pela Comissão Europeia. A França implementará um faturamento eletrônico obrigatório para grandes empresas a partir de 2024 e para empresas de médio e pequeno porte a partir de 2025 e 2026, respectivamente.
Devido às restrições impostas pela Diretiva de IVA da UE, os países europeus têm optado pela implementação de mecanismos de real-time reporting ao invés de um sistema obrigatório de fatura eletrônica B2B e B2C. Além disso, como o faturamento eletrônico exige mudanças significativas nos sistemas de tecnologia tanto para as administrações fiscais quanto para as empresas, a tendência em muitos países tem sido a adoção gradual do faturamento eletrônico.
A Espanha foi o primeiro país a implementar o real-time reporting sem um sistema obrigatório de fatura eletrônica para transações B2B e B2C em julho de 2017. Em 2019, o Reino Unido implementou seu próprio regime de real-time reporting - o Making Tax Digital for VAT - que exigia que todas as empresas inscritas no IVA com receitas tributáveis ​​acima de determinado limite transmitissem eletronicamente os dados necessários para declarar o IVA do Reino Unido diretamente de seus sistemas internos para a administração tributária. A partir de 2022, o sistema será obrigatório para todas as empresas, independentemente do valor da receita tributável. 
Outros países europeus como Portugal, Áustria, França, Lituânia, Luxemburgo, Polónia e Noruega adotaram o Standard Audit File for Tax ('SAF-T'), um sistema desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) que visava facilitar as auditorias fiscais, permitindo a transferência de dados de entidades privadas a administrações fiscais em formato eletrônico (também XML). 
Tendo em vista que os Estados-Membros implementaram diferentes sistemas de nota fiscal eletrônica e real-time reporting, a Comissão Europeia lançou em 2020 a iniciativa VAT in the Digital Age que inclui uma revisão e uma consulta pública sobre a possibilidade e as opções disponíveis para harmonizar os modelos na União Europeia. Em 08 de dezembro de 2022, a <a href="https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_22_7514">Comissão Europeia anunciou</a> a introdução de um modelo de real-time reporting baseado em nota fiscal eletrônica para empresas que realizam operação entre os Estados membros, como forma de combater a fraude no IVA, especialmente a fraude carrossel. De acordo com a Comissão Europeia, a medida ajudará a reduzir as fraudes de IVA em até 11 bilhões de euros por ano e reduzirá os custos administrativos e de conformidade para as empresas em mais de 4,1 bilhões de euros por ano durante os próximos dez anos. O modelo proposto também garantirá a convergência dos diferentes sistemas adotados pelos países da União Europeia.
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1 A versão completa deste artigo será publicada na obra “Criptoativos, blockchain e tokenização: aspectos filosóficos, tecnológicos, jurídicos e econômicos”organizada por Daniel Gomes, Eduardo Paiva e Paulo Conrado.
2 Barreix, Alberto; Zambrano, Raul. Electronic Invoicing in Latin America. IDB: 2018. 
3 International Monetary Fund, Digitalization to Improve Tax Compliance: Evidence from VAT E-invoicing in Peru, Working Paper 19/231 (Washington, DC: IMF, November 2019). 
4 International Monetary Fund, Digitalization to Improve Tax Compliance: Evidence from VAT E-invoicing in Peru, Working Paper 19/231 (Washington, DC: IMF, November 2019).
5 Bérgolo, Marcelo, Rodrigo Ceni, and María Sauval. 2018. Factura electrónica y cumplimiento tributario: Evidencia a partir de un enfoque cuasi-experimental. Inter-American Development Bank Discussion Paper No. 561.
6 Artigo 218. Para efeitos da presente directiva, os Estados-Membros aceitam como factura qualquer documento ou mensagem em papel ou em formato electrónico que satisfaça as condições determinadas no presente capítulo.
7 Artigo 232. As faturas emitidas nos termos da Secção 2 podem ser transmitidas em suporte papel ou, sob reserva de aceitação pelo destinatário, transmitidas ou disponibilizadas por via electrónica.
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JOTA

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