Carolina Botelho

Noite de Réveillon. Depois de quase dois anos atravessando uma pandemia, o planeta inteiro celebra a renovação e a esperança no ano que chega. No Brasil faz-se o mesmo. Come-se a comida compartilhada, festeja-se com famílias e amigos o período que chega. Com um gosto diferente, os festejos vêm mais pesados, resultado da separação forçada, da falta de convívio pelo medo da infecção de um vírus perigoso e traiçoeiro. A TV ligada na sala mostra as notícias do dia, e perto da ceia, a programação pausa para o <a href="https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/pronunciamentos/pronunciamentos-do-presidente-da-republica/pronunciamento-de-ano-novo-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-em-cadeia-nacional-de-radio-e-televisao">pronunciamento</a> do líder que aparece para dizer com um sorriso forçado: Feliz Ano-Novo!
A mensagem é dirigida a uma população que tenta se levantar após a morte de mais de 620 mil pessoas vítimas do vírus. O mesmo líder que deseja feliz ano foi o que retardou a compra das vacinas para adultos e crianças, que desdenhou da morte de cidadãos, que tentou se eximir da responsabilidade de transferir recursos públicos a brasileiros mais vulneráveis e sem qualquer fonte de renda para sobreviver no auge da primeira onda, que caçoou de quem arfava na única (e em alguns casos, última) tentativa de sobreviver, quando os pulmões já haviam sido atacados pela infecção. Feliz Ano-Novo?
A eleição de 2022, diferentemente de outras, vem com um desafio novo, que é o de ter que incluir no monitoramento a percepção do brasileiro sobre o comportamento do líder na pandemia do coronavírus. Qualquer especulação sobre a votação deste ano deverá considerar essa questão. Neste espaço oferecido pelo JOTA, minha dedicação será a de tentar interpretar a percepção do eleitor brasileiro sobre o cenário eleitoral que já se iniciou. Para isso, utilizarei como um recurso fundamental os dados agregados das pesquisas de opinião de diferentes institutos que o canal dispõe, o <a href="https://www.jota.info/eleicoes/lula-probabilidade-vencer-1o-turno-agregador-do-jota-11012022">Agregador Eleitoral do JOTA</a>.
Estudos eleitorais dão conta de que as motivações do eleitor são muitas e captá-las, como ocorre em todo fenômeno multicausal, é tarefa complexa. Mas, em geral, tem-se que, quando os indicadores econômicos vão bem, governos têm mais chances de ser reeleitos, e o contrário também é correto. No caso do governo Bolsonaro, a especificidade de um período pandêmico pesou sobre sua administração de forma não prevista e negativa. Que vocês não se enganem, a eleição será sobre as consequências da pandemia, o comportamento do presidente diante da crise e os impactos disso na economia e na vida do brasileiro.
Os dados de janeiro de 2022 refletem um padrão já demonstrado nos últimos meses de 2021. O líder das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem mantido larga vantagem entre os candidatos desde que a Justiça permitiu que voltasse a disputar as eleições. É como se retornasse ao campo de disputa no mesmo patamar que estava em 2018, quando foi proibido de concorrer. Os resultados, tanto na pesquisa estimulada quanto na espontânea, são muito bons para o ex-presidente. No caso da primeira, a intenção de votos nele varia entre 43% e 44% e tem crescido consistentemente ao mesmo tempo em que a reprovação do governo piora. Um cenário bastante alvissareiro para o candidato, ainda que precoce.
Já a avaliação de Jair Bolsonaro (PL) vai mal e especialmente mal para um incumbente atrás da reeleição. Enquanto sua avaliação positiva se mantém em torno de 23%, a reprovação chega a quase 55%, muito abaixo das observadas pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula e Dilma Rousseff (PT) nesse mesmo período, quando concorriam à reeleição. Todos eles já apareciam no último ano de seus primeiros mandatos como líderes das pesquisas. Mesmo assim, há um ponto importante que cabe destacar: o presidente foi capaz de consolidar um eleitorado nada desprezível e bastante fiel que não o abandonou. Sua aprovação gira em torno dos 20 a 22% nos últimos meses, isto é, 1/5 do eleitorado e uma taxa incrivelmente grande para quem governa um país com tanta crise. Além de se manter para a disputa, Bolsonaro ainda detém recursos oferecidos pela máquina do Estado, da qual é líder e por essas razões merece atenção.
Sua taxa de reprovação, contudo, é alta, crescente e representa mais que o dobro do percentual de aprovação. E há razões para isso que merecem ser discutidas. As principais questões do descontentamento do brasileiro dizem respeito à economia deteriorada, à insuficiente resposta do governo e à preocupação com o vírus. O tema da corrupção, exaustivamente esgotado em 2018, não é mais tão importante neste Brasil de 2022. Além dessas questões, arrisco uma outra mais específica, sobre a qual se tem ouvido pouco.
O grupo das mulheres tem sido, desde 2018, uma força motriz contra o bolsonarismo por diversas razões. Ocorre que a desaprovação do governo entre elas tem sido consistentemente maior a cada monitoramento realizado. Cada vez maior. Não à toa. Para além de todas as questões que já conhecemos de Bolsonaro contra o grupo, foram as mulheres que perderam mais emprego, mais renda e estão cuidando de filhos cujas escolas fecharam por causa da pandemia sem que o presidente fornecesse recursos para que as crianças pudessem garantir o mínimo através do acesso online. Tradicionalmente, as mulheres também tendem a dar mais valor à saúde, em meio a uma “cultura” que associa masculinidade a destemor, máscara abaixo do nariz e – por que não dizer? – mortes mais precoces por todas as causas.
De certa forma, Bolsonaro escolheu para si este cenário tempestuoso. Líderes de países cujo enfrentamento da pandemia se deu de forma bem-sucedida têm colhido bons frutos e capitalizam com a aprovação de seus mandatos. Na contramão dessas lideranças, Bolsonaro fez o oposto, estimulou o sectarismo entre a sociedade, alimentou ódio entre seus liderados, manteve velhas estruturas clientelistas e patrimonialistas no poder (contra a sua própria propaganda eleitoral de 2018) e se recusou a estender a mão ou qualquer palavra de consolo à população que prometeu proteger. Fez o contrário do que se espera de um líder de governo e de um ser humano que busca o bem do próximo. O resultado disso é que o custo de o reeleger parece ter ficado mais alto para a maioria da população, que tem mostrado, felizmente, que mesmo diante de tanta tragédia, tem escolhido mais compaixão do que desumanidade.

Jair Bolsonaro

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JOTA

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