CONTEÚDO PATROCINADO

O que esperar da ANTT após TCU liberar novas rotas de ônibus interestaduais?

Agência pode voltar a emitir autorizações enquanto novo marco regulatório é aguardado. Paralelamente, o STF dá sinal positivo sobre constitucionalidade do regime

Foto: Unsplash

O Tribunal de Contas da União (TCU) admitiu a reabertura do mercado de transporte rodoviário interestadual de passageiros, após quase dois anos desde uma medida liminar que barrava novas autorizações. Agora, uma nova regulamentação para o setor é aguardada – o que pode colaborar para novas linhas de ônibus e ligação a municípios desatendidos. 

Na decisão, de fevereiro, o TCU recomendou o retorno da emissão de novas autorizações para o serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros (TRIP) pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Também indicou uma série de medidas a serem tomadas pela autarquia.

Para o relator, ministro Antonio Anastasia, a medida cautelar de março de 2021 já teria cumprido o seu objetivo ao propiciar um “freio de arrumação” na atuação do regulador, que era investigado por queixas de irregularidades.

Na prática, desde então, as empresas só conseguiam oferecer rotas interestaduais que já tinham autorização para operar, não sendo admitidas novas empresas. Segundo a ANTT, estão paralisados cerca de mil processos administrativos relacionados a novas autorizações, envolvendo 187 empresas e quase 150 mil novos mercados (isto é, pares de origem e destino em estados distintos). 

Inicialmente, a restrição publicada em março de 2021 era ainda mais abrangente. Também seriam atingidas as autorizações outorgadas desde 2019, ano da Deliberação 955 da ANTT, atacada pela denúncia movida por empresas do setor no TCU. Elas deixariam de valer, mas essa medida foi revista pelo tribunal.

Paralelamente, na última quarta-feira (15/3), o STF iniciou o julgamento das Arguições de Inconstitucionalidade 5.549 e 6.270, que discutem a aplicação do próprio sistema de autorizações para o TRIP. Apesar do voto do ministro relator, Luiz Fux, ainda não ter sido concluído, em sua detalhada análise do setor, há fortes indicativos do posicionamento pela constitucionalidade do regime, bem como da pertinência da Deliberação 955/2019.

A agência apontou que a suspensão das autorizações outorgadas entre 2019 e 2021 intensificava a concentração de mercado em um contexto de liberdade tarifária, com grave risco de aumento de tarifas para os usuários.

Também colocava em suspenso a ampliação do acesso ao transporte. Segundo a ANTT, 2,5 milhões de pessoas no Brasil haviam sido agregadas ao TRIP desde 2019, passando a contar com pelo menos uma ligação de transporte interestadual; ao mesmo tempo, 107 milhões de pessoas passaram a ter acesso a mais uma opção, o que fomentaria melhores condições tarifárias. 

“Ao contrário do que afirma a denúncia, os mercados outorgados estão em operação. Neste ponto, deve-se esclarecer que 88% dos mercados autorizados após a edição da Deliberação estão ativos”, afirmou a agência no processo. 

Além disso, ainda de acordo com a ANTT, há 15 mil mercados outorgados no Brasil, sendo quase 12 mil posteriores ao início da abertura do mercado, em 2014. Os números indicam como o atual modelo de autorizações foi significativo para ampliar a concorrência no setor. 

Voto do ministro relator no TCU

No julgamento do TCU, o ministro relator reconheceu ter havido um vício de forma na deliberação da ANTT em 2019. O motivo é que ela teria alterado regras na autorização de novas linhas, como o veto à transferência de mercados entre empresas, o que deveria ter acontecido por meio de uma resolução, com rito diferenciado.

Contudo, o ministro Anastasia fez a ressalva de que o problema era apenas formal, reconhecendo a competência da agência. Ainda, acrescentou que tal questão já foi reconhecida pela ANTT, e que já estaria encaminhada na proposta de novo marco regulatório já apresentada. Por isso, deu 45 dias para que a agência corrija o vício formal nas mudanças regulatórias. 

A deliberação também colocava como requisito para outorga de novos mercados que as empresas deveriam estar enquadradas no nível mais alto de exigência do Monitrip, sistema de monitoramento do TRIP.

As empresas autoras da ação alegavam haver discriminação no tratamento, pois aquelas já estabelecidas interessadas em novas rotas deveriam aderir ao sistema, enquanto as entrantes estariam dispensadas.

No entanto, a área técnica do TCU constatou não haver diferenças de tratamento. Segundo o relatório da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária e de Aviação Civil, encaminhado aos ministros, a ANTT demonstrou que adota interpretação das normas no sentido de que, de fato, não se diferenciam empresas já atuantes das novas entrantes em relação ao Monitrip. 

A decisão do TCU recomendou que a ANTT revise as regras da ferramenta, que poderá ser exigida para dar transparência a todas as rotas. 

“Não desconheço que o regime de autorização, sob o qual vige o setor de TRIP, busca conferir também maior liberdade de ação ao agente privado, entretanto não se pode olvidar do interesse público subjacente, particularmente quanto à regularidade e à qualidade do serviço prestado”, afirmou o relator sobre a adesão ao sistema.  

Na proposta de novo marco regulatório, essa recomendação já é contemplada. A área técnica da ANTT elaborou plano que permite o uso do Monitrip para avaliação de indicadores de qualidade, que deverão ser cumpridos pelas empresas para manutenção de suas autorizações.

Em outro ponto, o TCU não acolheu a reclamação das empresas sobre falta de isonomia na análise de novos pedidos, que precisam ser analisados em ordem cronológica – ainda que solicitações mais antigas possam demorar mais a serem finalizadas, por estarem incompletas, por exemplo. A recomendação é que outros fatores possam ser considerados ao dar prioridade às análises.

O ministro Anastasia entendeu que a adoção apenas da ordem cronológica de apresentação do pedido como fator de prioridade de análise pode não ser o critério mais adequado a todos os casos, pois “pode estimular o comportamento inadequado de uma determinada empresa interessada que venha a apresentar pedido sabidamente incompleto, apenas para ‘guardar o lugar’ na fila”. 

Outro ponto abordado pelo ministro relator é o acolhimento pela ANTT do disposto no artigo 47-B da Lei 10.233/2001, conforme modificação feita pela lei 14.298/2022, que estabelece a possibilidade de realizar processo seletivo público para outorga da autorização em caso de inviabilidade técnica, operacional e econômica. Esse assunto consta na proposta de resolução da ANTT. 

Os processos de diálogo com a sociedade para elaboração da proposta do novo marco a Tomada de Subsídios 1/2022 e a Audiência Pública 06/2022ocorreram após a sanção da nova lei, por isso esses pontos já são abordados. 

Além disso, em termos de conteúdo, estabelece, de forma clara, o procedimento a ser seguido em um  processo seletivo público, no caso de inviabilidade operacional. Para as inviabilidades econômica e técnica, não seria viável o processo de seleção uma vez que o cumprimento dos critérios dependem apenas da empresa transportadora.

Regime de autorização

Inicialmente, esse julgamento estava marcado para acontecer em outubro passado, mas o ministro Vital do Rêgo pediu vista sobre o processo. No voto dele, acompanhou as recomendações de Anastasia, mas fez ressalvas.

Ele defendeu que as autorizações sejam retomadas após a conclusão do novo marco regulatório, sob pena de ser criado um novo cenário de insegurança jurídica e imprecisões no mercado do TRIP. Também ressaltou ser “de grande importância” que, na análise de novas autorizações, sejam observadas essas alterações quanto a inviabilidades feitas  na legislação que disciplina a gestão do transporte rodoviário. 

É consenso haver muita dificuldade à ANTT disciplinar o que seria inviabilidade econômica. “O erro está na ideia de limitar a autorização. As empresas precisam ser autorizadas no momento em que conseguem preencher os requisitos. Se houver problemas, como desvantagens aos usuários, a agência tem ferramentas para lidar com isso”, avalia o advogado Alexandre Schiller, especialista em regulação de transportes, sócio do Dickstein Advogados.

No entanto, com a Tomada de Subsídios a agência buscou identificar de que forma trataria o estabelecido em lei e apresentou proposta que indica um caminho por meio de análise das capacidades econômica e técnica da operadora de transporte, e a capacidade operacional vinculada à infraestrutura, como terminais. 

O ministro Vital do Rêgo indicou como boa prática a inclusão da comprovação dessas exigências de capacidade pelo operador que busca autorização no TRIP, além da determinação de capital social mínimo de R$ 2 milhões.

“Permitir que qualquer empresa ingresse nesse sistema, sem a devida habilitação para tal, apenas como estratégia de ganhar mercado, sob o pretexto de ampliação da concorrência, pode resultar em prejuízos para o consumidor”, afirmou. 

Esse entendimento recebe críticas por partir do pressuposto de que seria possível determinar, de antemão, quando uma empresa cumprirá bem o serviço. “Há um risco de se demandar essa comprovação prévia. A possibilidade de o serviço não ser cumprido existe, mas esse problema não é resolvido com um laudo técnico. A ANTT tem a capacidade de fiscalização posterior”, diz o advogado Schiller. 

O procedimento de autorização de novos mercados é dividido em duas etapas: análise e expedição do termo de autorização e emissão da licença de operação. É por meio do segundo documento que a empresa se torna apta a operar os mercados da linha pleiteada.

Atualmente, as autorizações da ANTT seguem 35 exigências técnicas, operacionais, financeiras, fiscais, trabalhistas e jurídicas. O novo marco traria ainda outros 45 requisitos. 

De acordo com o exame técnico do TCU, a ANTT efetua regularmente as verificações exigidas, concedendo a licença operacional apenas às empresas que atenm aos requisitos. Como resultado, apenas 11% dos processos concluídos resultam em autorizações. 

Desde 2014, o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros funciona sob o regime de autorização. Antes disso, a criação de novas linhas deveria ser feita por meio de licitações, no regime de permissão. Porém, esses processos nunca haviam sido feitos desde que a ANTT foi criada, em 2001. Empresas vinham operando linhas interestaduais graças a autorizações especiais temporárias. 

O sistema, contaminado por irregularidades e instabilidades, sofria com a falta de concorrência, capaz de melhorar as condições aos consumidores. Portanto, a mudança no regime visava sanar o problema. Além da proibição a novas autorizações pelo TCU, outros obstáculos se colocaram diante desse objetivo. 

Nessa linha, a Resolução da ANTT 4.770/2015, que regulamenta o setor atualmente, possui dispositivos que o TCU considerou favorecer reserva de mercado devido à classificação de empresas conforme a quantidade de passageiros transportados, o que seria ilegal e minaria a livre concorrência. 

O texto estabelece que as transportadoras seriam classificadas de acordo com o volume produzido de passageiros transportados por quilômetro ao ano. A partir desse cálculo, uma empresa só poderia operar mercados correspondentes ou inferiores à sua classificação.  

Novo marco regulatório 

No processo no TCU, a ANTT disse reconhecer a inadequação dos dispositivos destacados da Resolução 4.770/2015 e informou que procederá às medidas necessárias para sua correção quando houver a adequação do marco regulatório do setor, que não trará esse tipo de restrição. 

Desde 2020, a agência discute um novo marco para o TRIP. A proposta já passou por audiências públicas para colher sugestões do mercado e, atualmente, está em etapa de apreciação pela procuradoria do órgão.. 

“A proposta de marco já contempla todos os pontos da lei mais recente, além dos pontos endereçados pelo acórdão do TCU. A ANTT parece ter aproveitado esse intervalo da suspensão para fazer ajustes, por isso a minuta atual está muito atualizada e não deve exigir grandes ajustes”, comenta Igor Luna, sócio do escritório Almeida Advogados, em Brasília. 

A minuta do novo marco regulatório busca não só compilar regras do transporte rodoviário coletivo interestadual, mas também solucionar inconsistências e contradições do sistema, para aumentar a segurança dos passageiros e garantir maior qualidade aos usuários. 

A carência de competitividade é um problema no setor, como refletem informações da ANTT. Em setembro de 2020, dez empresas operavam 53% do transporte rodoviário de passageiros em âmbito nacional; em 66% dos mercados, há apenas uma empresa atuando e em outros 26%, a concorrência é entre duas.

O acórdão do TCU tem a identificação 559/2021-Plenário. 

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