Transporte

Mercado cobra julgamento no TCU que trava criação de linhas de ônibus interestaduais

Especialistas reclamam de prejuízo ao consumidor e exigem fim da proibição de lançar novas rotas

ônibus
Crédito: Unsplash

Empresários e especialistas cobram que o Tribunal de Contas da União (TCU) termine neste mês o julgamento de um processo que paralisou a autorização de novas linhas de ônibus interestaduais em todo o país. 

A urgência é necessária porque essa paralisia impediu que novas empresas de ônibus lançassem rotas capazes de baratear o preço de viagens. Também barrou a criação de linhas de ônibus inéditas para conectar cidades sem oferta de serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros – TRIP. 

“O TCU, com essa decisão, prejudicou os consumidores desse serviço, atrasando o processo de abertura de mercado em mais de dois anos. Urge que a agenda de crescimento e modernização do setor de transporte rodoviário de passageiros seja retomada”, destaca Felipe Freire da Costa, técnico de regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a agência reguladora do transporte rodoviário no país. 

Esse processo no TCU paralisou novas linhas de ônibus interestaduais, por ordem expressa em uma medida cautelar do então ministro Raimundo Carreiro, à época relator do processo. Em março de 2021, ele determinou que fossem suspensas imediatamente autorizações e novos mercados outorgados pela ANTT a partir de 2019, o que prejudicou pelo menos 2,5 milhões de pessoas em 128 cidades. A decisão também cancelou a autorização de funcionamento de 16 mil mercados (linhas de ônibus) outorgados. 

Posteriormente, o plenário do TCU devolveu eficácia às autorizações concedidas até março de 2021. Mas desde então foram impedidas quaisquer novas linhas de ônibus em todo o Brasil. Ou seja, desde março de 2021, empresas só conseguem oferecer ônibus interestaduais para rotas que já tinham autorização para operar. Segundo a ANTT, há mais de mil pedidos de autorização aguardando análise na agência. 

O processo no TCU foi liberado para julgamento porque expirou o prazo do pedido de vista coletivo para os ministros da corte. O julgamento pode ser concluído em 25 de janeiro. 

“Espera-se que o exame de mérito do TC 033.359/2020-2 resulte na revogação da medida cautelar – que impede a autorização de novas linhas ônibus interestaduais –, tal como proposto pelo ministro-relator e por duas vezes pela unidade técnica da Corte Federal de Contas, e na ausência de recomendações ou determinações que atrasem ainda mais a reabertura do mercado”, acrescenta Freire da Costa, da ANTT.

Para o especialista em regulação, é evidente que essa suspensão provocou prejuízo aos usuários de rodoviárias. Consumidores tiveram de pagar mais caro por passagens ou simplesmente ficaram desatendidos. 

“O prejuízo decorrente da medida cautelar do TCU é evidente. Os principais afetados foram os usuários dos serviços de transporte rodoviário de passageiros, muitos dos quais tiveram que arcar com serviços mais caros, com a supressão de ligações existentes e a ausência de novas linhas, principalmente em localidades não atendidas pelo sistema atual”, diz o especialista. 

Empresários e advogados aguardam o fim dessa suspensão e a reabertura do mercado de novas linhas de ônibus interestaduais. 

“É importante decidir o tema no mérito, pois estamos há mais de 2 anos com uma decisão cautelar que paralisa um mercado bilionário. Esse tema está sendo conduzido há tanto tempo por uma decisão provisória, o que gera uma enorme insegurança jurídica. E o mercado precisa de segurança para viabilizar investimentos”, diz Eduardo Stênio Silva Sousa, sócio da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. “É preciso, de algum modo, mas com responsabilidade, destravar esse mercado e os investimentos”, acrescenta. 

Sousa também considera evidente o prejuízo aos consumidores. 

“Prejudica o consumidor, prejudica diversos municípios e prejudica o Brasil. Enquanto discutimos conexão 5G, cidades inteligentes e automação, temos quase 500 municípios sem acesso a transporte rodoviário regular”, destaca o sócio do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques. 

Fernando de Melo Gomes, sócio do Cescon Barrieu na área de infraestrutura e Project Finance, diz que chamou a atenção do mercado toda essa demora para encerrar a disputa no TCU. “A decisão cautelar do TCU em si naturalmente enseja discussão, mas o grande ponto que vem causando maior dano ao setor como um todo é a demora para encerrar a disputa”, diz Gomes. 

Além de violar as normas do setor e os princípios constitucionais, o  advogado Francisco Laux, doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP), avalia que a suspensão prejudica especialmente a livre concorrência, pois favorece uma reserva ilegal de mercado para antigos detentores de linhas interestaduais autorizadas. 

“Creio que o julgamento deva acontecer o quanto antes para que se evite um panorama de reserva de mercado constitucionalmente indesejável. Além disso, me parece que a suspensão pode ir de encontro ao que prevê a lei de liberdade econômica, que estimula a expansão da atividade comercial inclusive mediante o auxílio de plataformas tecnológicas”, explica Laux. 

O processo no TCU foi aberto em função de denúncias feitas por empresas contra a ANTT. Para os denunciantes, a diretoria da ANTT impôs regras indevidas à concessão por regime de autorização de novas linhas interestaduais de ônibus.  

Esse regime de autorização foi instituído pela Lei 12.996/2014, que facilitou a criação e a operação de linhas interestaduais de ônibus. Antes disso, a criação de novas linhas deveria ter sido feita por licitações, no regime de permissão. Só que, na prática, essas licitações nunca foram feitas desde que a ANTT foi criada em 2001. Empresas vinham operando linhas interestaduais graças a autorizações especiais temporárias ou graças a poucas concorrências promovidas para linhas isoladas. 

“Os resultados positivos da abertura do setor à concorrência, mediante autorização, que vinha propiciando a criação de novas linhas e maior diferenciação dos serviços, em contraponto com a estagnação da rede de transportes nas décadas em que o setor funcionou supostamente sob a ótica de um regime de permissão com prévia licitação – licitações que nunca ocorreram – vêm auxiliando na defesa da constitucionalidade da Lei 12.996/2014”, avalia Freire da Costa, da ANTT. 

Juristas destacam que esse novo regime de autorização promove a competitividade e não impede a fiscalização de ônibus ou a garantia de segurança dos passageiros. 

“O regime de autorização aumenta a competitividade em um ambiente que, a rigor, não necessitaria de tanta intervenção do poder público. Eventuais irregularidades, especialmente em termos de segurança, seguirão podendo ser objeto de fiscalização pela ANTT”, acrescenta Laux. 

TRIP

A criação de novas linhas pelo regime de autorização foi uma importante mudança do sistema de Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros (TRIP) no Brasil, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Só que a ANTT prepara, desde 2020, a edição de um marco regulatório, na forma de resolução, para consolidar e organizar todas as regras de TRIP.  

Nos últimos três anos, a criação desse novo marco regulatório foi debatida em audiências públicas e passou por contribuições da sociedade, do setor e dos técnicos da ANTT. Também passou a ser analisada juridicamente pela Advocacia-Geral da União (AGU).  

A minuta do novo marco regulatório busca não só compilar regras do transporte coletivo interestadual por terra, mas também solucionar inconsistências e contradições do sistema, para aumentar a segurança dos passageiros e garantir maior qualidade aos usuários. 

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