Arbitragem

TJSP nega sigilo de processos sobre arbitragem e agrava a insegurança jurídica

Código de Processo Civil prevê imposição do segredo de Justiça em causas que versem sobre arbitragem

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Crédito: Unsplash

Um dos grandes atrativos apontados para o instituto da arbitragem é a possibilidade de o procedimento arbitral ser confidencial. O sigilo, para muitos usuários, é de suma importância por vários fatores, seja para não tornar o litígio público ao mercado –e com isso evitar uma possível exposição negativa das partes envolvidas–, seja para evitar a divulgação de dados estratégicos e confidenciais de determinada negociação, dentre outros fatores.

Ciente desta necessidade, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe como uma inovação um dispositivo, expresso pelo artigo 189, inciso IV, que determina a imposição do segredo de Justiça em causas que versem sobre arbitragem quando a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. “Isto é, naquelas ações correlatas à arbitragem, o processo não terá (ou não deveria) ter seus atos processuais públicos, com exceção, lógico aos casos envolvendo a Administração Pública visto que a Lei de Arbitragem nº 9.307/96, em seu artigo 2º, § 3º, é clara ao determinar que nestes casos, será respeitado o princípio da publicidade”, comenta a advogada Carolina Smirnovas, do escritório Manesco Advogados.

É importante destacar que a regra da confidencialidade muitas vezes está prevista nos próprios regulamentos das câmaras arbitrais selecionadas pelas partes para resolução de disputas. De toda forma, as partes também costumam estipular na própria convenção de arbitragem o dever de sigilo às informações divulgadas no procedimento.

Apesar da previsão legal e de cláusulas contratuais garantindo o sigilo, a negativa do Judiciário para esse instrumento tem causado preocupação e aumentado a insegurança jurídica.

“Alguns juízes das varas empresariais e dos conflitos relacionados à arbitragem e a 1ª Câmara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) vêm entendendo que essa regra é inconstitucional, pois colidiria com o arts. 5º, LX, e 93, IX, da Constituição Federal, que estabelecem a regra geral da publicidade dos processos judiciais”, afirmam as advogadas Ana Clara Viola Ladeira e Laura Bastos de Lima, ambas do escritório Stocche Forbes Advogados. “Eles argumentam que tal regra apenas pode ser afastada em situações excepcionais, para salvaguardar a intimidade ou o interesse social. Como a cláusula de confidencialidade da arbitragem está calcada em interesses privados, concluem que a regra geral da publicidade deve prevalecer.”

Um exemplo deste tipo de decisão é o de uma tutela cautelar pré-arbitral que pedia o arresto de 12,251 milhões de ações das requeridas e o segredo de Justiça do processo (Agravo de Instrumento nº 2193571-67.2021.8.26.0000). A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial revogou o arresto das 12.251.000 ações que havia sido determinado na primeira instância, mas determinou que qualquer valor decorrente da alienação dessas ações seja depositado em juízo. Por outro lado, tanto o juiz quanto os desembargadores indeferiram o pedido de tramitação em segredo de Justiça. “O árbitro tem o poder de decidir quem tem direito no caso de processo arbitral, mas ele não pode determinar, por exemplo, o arresto de bens. Para que isso ocorra, é necessário recorrer ao Judiciário e, neste momento, é habitual se pedir também o segredo de Justiça, que tem sido negado pelo TJSP”, afirma o advogado Gabriel de Britto Silva, do escritório RBLR Advogados e participante da Comissão de Arbitragem da OAB-RJ.

Outro exemplo foi um agravo de instrumento numa ação anulatória de sentença arbitral (de número 2263639-76.2020.8.26.0000) julgado pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Apesar de versar sobre arbitragem, o trâmite em segredo de Justiça foi indeferido. Isto porque, para o desembargador Cesar Ciapolini, que foi seguido pelos pares, o artigo do CPC que prevê o sigilo em casos relacionados a arbitragem seria inconstitucional. “Ora, o art. 189, IV, do CPC prestigia interesses puramente privados, destacando, por um lado, o interesse do tribunal arbitral, que por razões próprias estabeleceu genericamente o sigilo dos seus procedimentos e, por outro, o interesse das partes envolvidas no litígio, que preferem manter a controvérsia em segredo”, escreveu o desembargador para fundamentar sua decisão.

Ana Clara Viola Ladeira e Laura Bastos de Lima, ambas do escritório Stocche Forbes Advogados consideram que estas decisões judiciais não observam a vontade das partes e podem criar um incentivo negativo para a escolha do instituto. “Isso pode ter reflexos negativos na criação de um ambiente negocial propício para o país, uma vez que não há segurança de que determinadas disputas não serão expostas a terceiros pelo Poder Judiciário, quando as partes expressamente almejaram e acordaram manter o conflito sob sigilo”, dizem.

Para Sminorvas, esses entendimentos apenas agravam a falta de segurança jurídica por parte dos players da arbitragem, que não podem mais contar com a confidencialidade dos procedimentos arbitrais. “A comunidade arbitral vê com maus olhos esse direcionamento da jurisprudência paulista. Afinal, se os envolvidos durante o procedimento arbitral acordaram que o caso seria confidencial, não pode o Judiciário quebrar esse sigilo, sob pena de colocar em xeque um princípio tão precioso na arbitragem, que é o da autonomia das partes”, afirma.

“Está se provocando um cenário de insegurança jurídica que é prejudicial e lesivo ao instituto da arbitragem e à sociedade. Tal entendimento do TJSP, está inclusive a fomentar que partes oportunistas procurem o Poder Judiciário para ajuizarem ações de conhecimento pré-arbitrais com o único fim de violar o sigilo e confidencialidade que nortearão o posterior procedimento arbitral”, concorda Silva.

Procurado, o TJSP informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que não pode emitir nota sobre questão jurisdicional. “Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos processos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos cabíveis, previstos na legislação vigente.”