Arbitragem

Sistema de precedentes deve ser analisado e aplicado por árbitros, diz Rodrigo Fux

Embora precedentes não sejam vinculantes, arbitragens também devem observar sistema que promove segurança jurídica

Fux Arbitragem
Advogado Rodrigo Fux, sócio do Fux Advogados e doutor em Processo Civil pela UERJ. / Crédito: Divulgação

As mudanças no Código de Processo Civil (CPC), em 2015, entre outras alterações na legislação brasileira, contribuíram para o aumento do diálogo da arbitragem com o sistema de precedentes do ordenamento jurídico nacional, tema que tem sido motivo de debates entre os profissionais do Direito no âmbito acadêmico. “O sistema de precedentes deve ser analisado e aplicado pelos árbitros. O CPC aplica possibilidades de distinção de aplicação de precedente no caso concreto, mas a razão de ser sistêmica de coesão, isonomia e segurança jurídica é para o sistema como um todo”, considera o advogado Rodrigo Fux, sócio do escritório Fux Advogados e doutor e mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). 

Em dezembro, Fux defendeu uma tese de doutorado sobre o diálogo entre o CPC e as arbitragens nacionais à luz da Análise Econômica do Direito

Para ele, embora a lei de arbitragem não obrigue o uso de precedentes, autoridades do ambiente arbitral costumam consultar a jurisprudência quando vão elaborar a sentença. Na avaliação do especialista, quando os tribunais arbitrais não respeitam os precedentes vinculantes, há uma violação à ordem pública.

Na visão de Fux, é necessário acabar com “pseudos amarras” existentes entre os dois institutos e olhar o sistema de forma mais altruísta para que, no final da disputa, o único ganhador seja o jurisdicionado que tenha razão.

Acompanhe, a seguir, os principais pontos da entrevista.

Quais são os reflexos das mudanças do CPC de 2015 nos procedimentos arbitrais?

Entendo que o Novo Código  de Processo Civil (NCPC) gera reflexos positivos de efetividade tanto perante a jurisdição estatal, como perante a jurisdição arbitral. A verdade é que o NCPC é um diploma que carrega no seu DNA valores constitucionais, os reclamos da academia jurídica processual e a visão contemporânea do legislador acerca da jurisdição como um todo. Por essa razão, eu defendo sua aplicação à arbitragem.

Se formos analisar um passado relativamente recente, todas as reformas que foram empreendidas no nosso ordenamento (por exemplo, a EC 45/2004, as 64 reformas do código de processo civil de 1973, o próprio NCPC, a Lei de Mediação, a Reforma da Lei de Arbitragem, a lei de liberdade econômica, lei de introdução às normas do direito brasileiro – LINDB), têm um conteúdo finalístico e utilitarista em prol da efetividade da jurisdição. E nessa ordem de ideias, nada mais relevante do que a introdução do sistema de precedentes no nosso ordenamento e seu fundamental diálogo com a arbitragem. Na minha visão, o sistema de precedentes deve ser analisado e aplicado por todo e qualquer julgador. 

Qual a importância da adoção do sistema de precedentes no Brasil?

O sistema de precedentes agora está positivado no CPC, embora tenha começado na Emenda Constitucional 45. O ordenamento jurídico de um modo geral vem se aproximando do sistema da família da common law (do inglês ‘direito comum’). Somos uma família genuinamente romano germânica, o sistema vem evoluindo e se aproximando do direito dos Estados Unidos e da Inglaterra, onde há uma união de precedente e uma racionalização da Justiça. As partes precisam conhecer o direito, ele precisa ser coeso, gerar estabilidade, que reveste da isonomia. O novo CPC foi erigido no nosso ordenamento trazendo muitos  institutos de códigos e ordenamentos estrangeiros. Mas, na nossa realidade, o sistema de precedentes é uma das maiores inovações porque ele impacta não só no número desenfreado de ações que temos em curso como também é um indutor de comportamentos para as partes, advogados, Justiça e para o próprio cidadão.

Já é possível dimensionar esse impacto?

Os dados do Relatório do CNJ em números já indicam que os processos estão se encerrando mais rápido por todas as reformas que estão sendo feitas. Mas o novo código ainda é muito recente para se ter uma alteração substancial. Na minha tese de doutorado, eu abordo a questão de indução de comportamento, sob a ótica da Análise Econômica do Direito, que é uma escola de pensamento que prega a utilização de mecanismos de incentivo e desincentivo de condutas em prol da eficiência do sistema. E sustento que os precedentes são indutores de comportamento porque todos ficam na mesma página e sabem como agir. Sabem se ajuízam ou não uma ação, se fazem acordo ou não, cumprem o contrato ou não, porque já  há um panorama jurisprudencial estável e coeso.  

 
A lei brasileira dispõe, de alguma forma, que os árbitros também devem obedecer aos precedentes vinculantes?

Não há positivação na lei de arbitragem de obrigação de respeito aos precedentes – o que não significa que os árbitros não devem seguir. O artigo 927 do Código de Processo Civil de 2015, esse diploma moderno, insculpido com valores constitucionais e precedido de amplo debate da sociedade civil e da comunidade acadêmica, dispõe imperativamente que juízes e tribunais observarão os precedentes lá enumerados. E, para mim, essa determinação contempla os tribunais arbitrais.

Aqui entre nós, conversando com autoridades do ambiente arbitral, todas me confirmaram que fazem pesquisa de precedentes quando elaboram as suas sentenças com vistas a checar sua conformidade com o posicionamento jurisprudencial. Mas algumas autoridades acadêmicas continuam com a resistência de aplicação do CPC às arbitragens.

Acho que vivemos numa era que clama por diálogo. Diálogo entre as partes, diálogo entre as instituições e até mesmo entre os diplomas, para que o acesso à Justiça seja oferecido ao cidadão em sua plenitude. Se no passado, o problema era com a abertura das portas do Poder Judiciário, a questão a ser enfrentada hoje é a da efetividade. O processo não pode ser visto como uma via crucis. O Brasil veio aprimorando seu sistema jurisdicional, inclusive com essa notória deferência à arbitragem. Quanto mais fomentarmos o diálogo, e não o duelo entre as instituições e entre as partes, e quanto mais permitirmos o diálogo entre os diplomas, mais efetivo e mais respeitável será nosso sistema jurisdicional.

É possível dizer que há um diálogo entre o CPC e a arbitragem?

Algumas vozes da arbitragem defendem que o CPC não se aplica à arbitragem, eu discordo dessa tese. O diálogo e o ponderado intercâmbio entre as normas só podem conduzir a um sistema jurisdicional eficiente. Muitas vezes, as partes aplicam a dicção do CPC ou algum instrumento sem colocar o artigo referido no CPC só para dizer que o Código não se aplica. Em vez de criarmos um cânion entre o sistema jurisdicional estatal e o sistema arbitral, é muito mais producente, para os resultados que o legislador almeja, aplicar alguns dispositivo do CPC nas arbitragens quando possível.

Pensando na preservação da autonomia da arbitragem, sobretudo tendo em vista a impossibilidade de revisão judicial do mérito da decisão arbitral, como o senhor avalia o árbitro se negando a aplicar um precedente vinculante? 

Como sempre sustentei, eu particularmente não vejo possibilidade de negativa de um precedente obrigatório sem o respectivo remédio para corrigi-lo. Não acho que o tribunal arbitral tenha esse poder de ignorar os precedentes vinculantes. Entendo eu que, uma vez escolhido o direito brasileiro justamente em nome da autonomia da vontade, não há como fugir dos precedentes vinculantes. A inobservância dos tribunais arbitrais aos precedentes vinculantes representa violação da própria cláusula compromissória (ou compromisso arbitral) em que houve a escolha do direito brasileiro para solução do conflito.

Já aconteceu de algum árbitro negar a aplicação do precedente vinculante? 

Não se tem notícias de qualquer caso de desrespeito por algum tribunal a um precedente vinculante. Fato é que, por ora, essa é uma discussão acadêmica acalorada e recente – dada a novidade trazida pelo NCPC. Mas se há debate acadêmico, não é impossível de acontecer algum dia. E, se isso acontecer, certamente os Tribunais Superiores serão chamados para dar a palavra final sobre essa controvérsia.


E quais seriam os mecanismos de controle diante de uma eventual desconformidade da sentença arbitral com os precedentes vinculantes?

Há basicamente três mecanismos para o controle de sentenças arbitrais que apresentem vícios. O primeiro, denominado Pedido de Esclarecimentos, para sanar alguma omissão, contradição, obscuridade ou erro material da sentença arbitral. O segundo seria a Ação Declaratória de Nulidade ou Ação Anulatória, como é mais conhecida. E, por fim, existe ainda a Impugnação ao Cumprimento de Sentença Arbitral.

Em qualquer dessas hipóteses, e sempre lembrando que estou falando de uma Arbitragem de Direito – e não por equidade – havendo “negativa de aplicação” do precedente vinculante do artigo 927 do Código de Processo Civil de 2015, ocorrerá violação à cláusula compromissória e à ordem pública.

Para ser bem fiel à realidade acadêmica, há inúmeros profissionais que sustentam que não caberia o CPC às arbitragens domésticas e, portanto, não deveria existir a violação dos árbitros aos precedentes.

Eu discordo, sempre com muito respeito. Discordo porque eu não vejo problema algum em aplicar o CPC. Muito pelo contrário. Acho que ele só tem a contribuir com a efetividade do procedimento arbitral. Afinal, foi um código que contou com as cabeças mais privilegiadas do nosso país na sua elaboração.

E discordo, também, porque, muito embora estejam positivados no artigo 927, os precedentes vinculantes derivam dos ditames da Constituição Federal (como, por exemplo, isonomia e a segurança jurídica). Inclusive essa é a razão para eu sustentar que, além de violação à cláusula compromissória (ou compromisso arbitral), há também violação à ordem pública.

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