Arbitragem

Redução de marcha em ‘PL antiarbitragem’ tranquiliza comunidade arbitral

Presidente da Câmara garante que projeto não entra em votação nesta legislatura

Arthur Lira eleições 2022 lua
Dep. Arthur Lira PP-AL / Crédito: Elaine Menke / Câmara do Deputados

Há meses, os atores que trabalham com arbitragem no Brasil perdem o sono com a tramitação de um projeto de Lei no Congresso Nacional que seria, como uma especialista resumiu, uma “sentença de morte” ao instituto no país. As preocupações, no entanto, se arrefeceram nos últimos dias. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), se pronunciou a respeito, garantindo que nesta legislatura o chamado PL Antiarbitragem não caminha mais na Casa. E, na próxima, se for o caso, será analisado sem a pressa atual. 

O Projeto de Lei 3293/2021 pegou advogados que trabalham com o tema e câmaras de arbitragem de surpresa. Não havia, da parte deles, qualquer demanda de alteração legislativa no sentido que está posto no texto. O PL propõe disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias.

As alterações pretendidas na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, acabariam por minar a autonomia da vontade das partes, ponto fundamental do instituto. É justamente esse o foco de boa parte das críticas contra o projeto. Autonomia da vontade é um princípio jurídico típico do Direito Civil. Consiste na ideia de que as pessoas podem gerar normas e obrigações umas para as outras por meio de contratos, que são celebrados com base em suas vontades individuais.

O PL é de autoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI). A parlamentar, porém, não foi reeleita e ficou entre os suplentes da próxima formação do Congresso, o que também pode reduzir o empenho sobre o tema.

Em seminário organizado pelo site Poder360, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, advogados, árbitros, operadores do direito, parlamentares e pesquisadores discutiram “Como aperfeiçoar a arbitragem no Brasil”. O objetivo foi debater o papel da arbitragem para solucionar litígios, aprimorar a segurança jurídica e atrair investimentos para o país.

Quanto às mudanças legislativas sobre o tema, Arthur Lira, que participou da abertura do evento, descartou qualquer votação em 2022 do projeto de lei. Ele afirmou que nenhuma decisão será tomada sem ampla discussão. “O assunto não terá o açodamento da Câmara dos Deputados nesta Legislatura em hipótese alguma. Na próxima, tenho certeza que faremos um debate claro, amplo, democrático e específico sobre esse tema”. Por fim, pontuou que “se for para aprimorar, que seja para melhor”.

As propostas do texto em tramitação também foram refutadas por participantes do primeiro painel: o corregedor nacional de Justiça, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, e o advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP) Heleno Torres. No segundo painel não foi diferente: o deputado federal, integrante da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara e senador eleito Efraim Filho (União-PB), o advogado e ex-presidente do STJ Cesar Asfor Rocha, o advogado e árbitro Celso Caldas Martins Xavier e a advogada e presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (Camarb), Flávia Bittar, reforçaram os perigos postos.

O modelo de resolução de conflitos via arbitragem é mais rápido que um processo legal em tribunal. Existem cerca de 50 câmaras em funcionamento no país, conforme dados do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima). Como o sigilo é garantido nas disputas, a arbitragem evita a publicidade de batalhas milionárias, seja entre empresas de capital fechado ou aberto. Ainda assim, companhias com ações na bolsa precisam divulgar em seus balanços decisões que possam afetar acionistas, conforme regulação da Comissão de Valores Imobiliários (CVM).

A arbitragem é tida como consolidada no país, ao seguir em linha com recomendações da Uncitral —a câmara de Direito Comercial Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU). A proposta, além de não ter surgido de demanda dos atores, entrou em tramitação em regime de urgência e, portanto, despertou ainda mais preocupações e questionamentos de diversas entidades ligadas ao tema.

Origem da demanda

A discussão corre no âmbito da CCJC e teve um pedido de urgência para levar o processo de aprovação diretamente ao plenário da Câmara. A urgência foi apresentada no início de julho pelo deputado André Fufuca (PP-MA), com apoio de seis parlamentares. Dessa forma, o PL poderia ser aprovado sem debate público.

A sugestão para acelerar o trâmite gerou uma série de notas e pareceres técnicos críticos de entidades jurídicas nos últimos meses. Durante o encontro em Brasília, todavia, Arthur Lira foi enfático: “para esta Legislatura, sem chance (de votação)”.

De acordo com ele, “quando um parlamentar apresenta um projeto, está recebendo uma demanda de uma parte da sociedade que ele representa”. Desde a apresentação do PL, em setembro de 2021, entretanto, não há clareza sobre a origem da demanda.

“Eu participei da última renovação na lei, de 1996, quando eu era presidente da CCJ. E claramente aquelas mudanças foram consensuadas depois de longo prazo de discussão. Como o meio jurídico estava muito ansioso e apreensivo com essa tramitação, nós viemos aqui exatamente dizer que o processo legislativo é longo, demorado e complexo, ainda mais com o projeto que tem tantas necessidades e tem essa envergadura”, reforçou o presidente da Câmara.

Segundo Lira, projetos que lidam com interesses significativos e têm a capacidade de alterar institutos consolidados não podem ser tratados de forma descuidada. Integrante de outro Poder da República, Luis Felipe Salomão tem entendimento semelhante.

“O caso da arbitragem no Brasil é um caso de sucesso. A declaração da constitucionalidade pelo Supremo e da construção jurisprudencial do STJ sobre a arbitragem realmente deu muita força para o instituto, que carrega hoje um patamar muito elevado dentro do cenário mundial, atraindo investimentos para o Brasil. Sendo um pilar importante de solução de conflitos especializados, notadamente aqueles de infraestrutura”, disse.

Assim, para ele, ainda que haja espaço para aprimoramentos e avanços, a serem feitos por meio de reflexão do próprio setor, “não há necessidade de nova legislação ou de uma mudança da legislação que hoje tem um reconhecimento mundial”.

César Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, defendeu, durante o evento, a autorregulação da arbitragem. Ao longo do seminário, Asfor Rocha defendeu ainda que o Judiciário tenha atuação limitada na arbitragem. “Eu proponho que as correções feitas na arbitragem sejam feitas na própria ambiência arbitral”, disse.

Ele também se posicionou contra o andamento do chamado PL Antiarbitragem. “Eu não acompanhei a feitura desta lei e só passei a ter a notícia dela com a repercussão em artigos frequentes e contundentes contra o projeto que estava em andamento”, comentou, a respeito da fala do presidente da Câmara sobre o caminho usual da proposição de projetos de lei depois de demandas da sociedade civil.

Flávia Bittar, advogada e presidente da Camarb, afirmou que ela própria não tem conhecimento do nascimento do PL. “Infelizmente, eu não sei, eu adoraria saber. Realmente é algo que a gente tem buscado saber. De fato, é uma incógnita. O mercado não tem essa notícia.”

Ainda que defenda que eventuais aperfeiçoamentos sejam naturais e necessários, o próprio setor, depois de empreender estudos e ouvir os pares, tem capacidade de promovê-los. “E em se tratando das arbitragens nas companhias abertas, a Câmara da Bovespa já tem feito muitas resoluções que têm sido divulgadas, trazendo novidades no setor que eu acho que atendem muito aos anseios desse tipo de demanda”, diz.

É dela a frase de que o PL é uma “sentença de morte” à arbitragem. Na visão da especialista, o retrocesso é evidente porque, caso aprovado, o projeto retiraria a arbitragem brasileira das melhores práticas internacionais. “Hoje, a arbitragem brasileira é muito prestigiada, porque a nossa lei é muito técnica, atende todos os pontos que devem ser abrangidos por uma legislação e deixa à autorregulamentação para tratar de outros aspectos que devem ser objeto de regulamentação específica das próprias instituições para preservar a autonomia da vontade das pastas, que é o pilar do procedimento arbitral”, resume.

Diante de todas as manifestações dadas, por diferentes atores, o deputado federal Efraim Filho comemorou o seminário por tranquilizar a comunidade jurídica a respeito do tema. “Foi uma oportunidade muito interessante de esclarecer toda a tramitação de um projeto legislativo durante o decorrer do tempo. Então se acalmou, se tranquilizou. É preciso um processo de amadurecimento, de convencimento”, disse.

Efraim também pontuou que o Parlamento tem vocação para reunir diferentes entes interessados em um mesmo tema e, portanto, colocar à mesa perspectivas diversas para fomentar uma discussão e buscar uma solução. A previsão de uma audiência pública para debater a matéria é, segundo ele, o resgate do trilho correto para tratar o tema. A audiência foi solicitada pelo deputado Enrico Misasi (MDB-SP).

“Em algumas situações, suprimir texto de lei é melhor do que aditar, trazer novas legislações. Os problemas que foram reportados aqui durante o seminário são típicos de quem conhece, domina o dia a dia e pode, através da autorregulamentação das próprias entidades, resolver. Discordo de fazer a lei, que significa a tutela do Estado, para dizer àquelas partes o que é melhor para o direito delas. Uma palavra que se assemelha muito à arbitragem é a liberdade. A legislação não é a melhor solução. Isso saiu muito bem encaminhado dessa discussão”, ressaltou o parlamentar.