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Por segurança, cláusula arbitral no estatuto de empresas deve esclarecer aplicação

Investidores minoritários da Americanas tentam escapar de arbitragem. Para evitar dúvidas, rol exemplificativo é recomendado

Foto: Unsplash

Há dois anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que um pedido de indenização movido por minoritários da Petrobras deveria correr na Justiça apesar de a companhia ter optado pelo procedimento arbitral em seu estatuto social. Agora, a Americanas, outra empresa com ações em bolsa, também precisa disputar na Justiça para que uma controvérsia com minoritários seja resolvida na arbitragem, como prevê o estatuto da companhia. 

Em janeiro deste ano, o Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) entrou com uma ação civil pública na Justiça do Rio de Janeiro com pedido de indenização por danos morais e materiais a todos os acionistas minoritários que tiveram perdas com a queda no preço das ações da varejista. 

O pedido chegou logo depois que vieram à tona as inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões no balanço da empresa. A Americanas contesta o pedido do Ibraci, alegando que disputas com minoritários devem ser solucionadas na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) da B3, conforme prevê a cláusula compromissória de empresas do Novo Mercado. Porém, o Ibraci diz que isso não se aplicaria aos investidores pessoa física, que provavelmente não saberiam dos termos. 

Especialistas apontam que a aplicação da arbitragem pode ser ainda mais reforçada sob alguns cuidados. Para Telma Rocha Lisowski, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, uma forma de mitigar inseguranças relativas à arbitragem seria redigir a cláusula compromissória da forma mais clara possível, principalmente no trecho em que são elencadas as matérias que poderão ser objeto de processo arbitral.

““Um ponto de atenção diz respeito às matérias que poderão ser objeto de arbitragem e aquelas que não estão inseridas na convenção de arbitragem, o que chamamos de arbitrabilidade objetiva”, afirma a advogada. 

A arbitragem é um mecanismo extrajudicial de solução de conflitos empresariais. Por ser menos burocrático, o processo arbitral é mais ágil que no Poder Judiciário. Na arbitragem, as partes em disputa concordam em submeter a controvérsia a um árbitro ou tribunal privado, que ao final do processo vai decidir quem tem razão.

É importante que o acionista, ao comprar uma ação da Americanas ou de qualquer outra companhia listada no Novo Mercado, tenha ciência de que automaticamente está aderindo a essa cláusula compromissória. Com isso, ele deverá resolver qualquer controvérsia que envolve a relação societária por meio da arbitragem”, afirma o advogado Murillo Preve Cardoso de Oliveira, especialista em arbitragem e Direito Administrativo do Schiefler Advocacia.

Apesar de a questão ainda não estar bem pacificada na jurisprudência nacional, os investidores minoritários se vejam obrigados a litigar por meio da arbitragem, confirma explica Cardoso de Oliveira. “E é importante destacar que, mesmo em uma ação coletiva, já que os acionistas estão vinculados à cláusula compromissória por força do artigo 136-A da Lei das S.A.s”, ressalta o advogado. 

O artigo dispõe que a inclusão de uma convenção de arbitragem no estatuto social obriga a adesão de todos os acionistas ao procedimento. Para aqueles que votaram contra a deliberação em assembleia, a lei assegura o direito de se retirarem da companhia, mediante reembolso do valor de suas ações.

A advogada Telma Rocha Lisowski esclarece que o fato de a Americanas possuir a cláusula compromissória não garante que a arbitragem necessariamente será a única forma de investidores processarem a companhia.

“Além de verificar se as partes estão efetivamente vinculadas à cláusula compromissória, é preciso saber se a matéria que se pretende discutir é arbitrável, dentro dos limites da lei e do próprio estatuto”, afirma. 

Nessa linha, a redação da cláusula compromissória de arbitragem não pode gerar dúvidas sobre quais seriam as matérias que são consideradas formas de exercício de direitos indisponíveis.

Assim, conforme explica Lisowski, uma forma de mitigar questionamentos à arbitrabilidade objetiva seria incluir na cláusula compromissória uma redação mais clara sobre as matérias que poderão ser objeto de arbitragem, acrescentando um rol exemplificativo desses temas. Dessa forma, as tentativas de rebater a aplicação de uma arbitragem no Judiciário seriam dificultadas. 

Precedente de minoritários da Petrobras

O caso da Petrobras no STJ, que não tem efeito vinculante para situações semelhantes, se tornou um precedente capaz de orientar outras decisões. “Isso já vem ocorrendo no âmbito do próprio STJ em julgamento de outros conflitos de competência similares”, afirma o advogado Eduardo Franklin Rocha, do escritório JASA Advocacia. Isso é preocupante, já que a decisão é criticada por especialistas. 

Na ocasião, acionistas minoritários processaram a companhia e a União, na qualidade de acionista controladora, na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Os minoritários, representados pela Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (Fundação Mudes), pedem o ressarcimento pelos prejuízos causados pela desvalorização de suas ações em razão de notícias de corrupção investigadas pela Operação Lava-Jato.

Os minoritários acionaram a Petrobras na CAM porque o artigo 58 do estatuto social da petroleira prevê que deverão ser resolvidas por meio de arbitragem as controvérsias que envolvam a companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais que tenham relação com a aplicação da Lei das S.A.s, do estatuto social da empresa, entre outras normas. 

No parágrafo único do artigo 58 do estatuto social da Petrobras, consta que as deliberações da União, por meio de voto em assembleia geral, que visem à orientação de seus negócios são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput do artigo. 

Com base nisso, a Advocacia Geral da União (AGU) recorreu à Justiça pedindo a anulação do processo arbitral, alegando que a União não aderiu à arbitragem e, por isso, não estaria vinculada ao mecanismo. A Justiça Federal em São Paulo concordou com a AGU. Para dirimir o conflito de competência, a B3 recorreu ao STJ. 

Em setembro de 2021, a ministra Nancy Andrighi decidiu que cabe à Justiça Federal, e não à CAM, julgar o conflito. Segundo a ministra do STJ, a União não tinha autorização legal específica para vincular-se à cláusula compromissória na condição de acionista controladora da Petrobras.

A magistrada também concluiu que a disputa envolvendo a Fundação Mudes trata de matéria que não estaria abrangida na cláusula compromissória existente no estatuto social da Petrobras.