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Impugnação de árbitros somou menos de 1% dos processos em 2022, diz pesquisa

O baixo número revela segurança sobre imparcialidade na arbitragem, avalia Selma Lemes. CBAr recomenda cuidados no dever de revelação

Foto: Unsplash

Nos dois últimos anos, os pedidos de impugnação de árbitros corresponderam a menos que 5% dos casos que estavam em andamento nas oito principais câmaras de arbitragem no Brasil. Se forem consideradas apenas as procedentes, as impugnações de árbitros representam menos de 1% do total de processos em trâmite. Os dados estão na nova edição da pesquisa “Arbitragem em números”, de autoria da advogada e professora Selma Ferreira Lemes.

“A pesquisa revela que o sistema arbitral é confiável e autorregulado. Se algo precisa de correção, o próprio mecanismo se encarrega, porque tem ferramentas de asseverar que o processo se desenvolva da forma mais rígida possível”, explica ela, que é membro da Corte Internacional de Arbitragem da ICC. 

De acordo com o levantamento, em 2022 foram 52 pedidos de impugnação de árbitros em 1.116 arbitragens em tramitação (4,6% do total). E somente 11 foram consideradas procedentes (0,9%). Em 2001, houve 35 impugnações em 1.047 arbitragens em andamento (3,4% do total), sendo que apenas sete foram acolhidas (0,6% do total). 

Na prática, o estudo indica que, historicamente, o volume de impugnações é baixo, ao mesmo tempo em que se discute endurecer o dever de revelação dos árbitros. Questionamentos sobre a imparcialidade de árbitros, com base em falhas nessa obrigação, têm ganhado mais volume no Judiciário, que lida com ações anulatórias de sentenças arbitrais motivadas por essas brechas. 

“É muito comum quando uma parte perde, tentar anular a sentença arbitral alegando falha no dever de revelação do árbitro. Tem que se afastar o ‘achismo’ e alegações frívolas”, afirma Lemes. Causas aceitas para impugnação de árbitros são conflito de interesses e dependência econômica com uma das partes ou advogados, por exemplo. “A ótica da análise para impugnar uma decisão não é a falha de revelação em si, mas o motivo não revelado”, completa a especialista.

O chamado dever de revelação, previsto no artigo 14 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), diz que “estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil”. 

Já o parágrafo primeiro do mesmo artigo diz que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”. 

O dever de imparcialidade

As disputas em torno do dever de revelação dos árbitros têm dois capítulos mais recentes, que colocam em xeque a forma como a arbitragem acontece hoje no Brasil – e, por outro lado, tem motivado o desenvolvimento de recomendações de boas práticas para enfrentar a situação.  

Primeiro com a tramitação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 3.293/ 2021, que altera a Lei de Arbitragem. Pelo texto, os árbitros seriam obrigados a revelar qualquer fato que signifique “dúvida mínima” sobre sua imparcialidade, em vez de “dúvida justificada”, como estipula a lei atual. A proposta recebeu críticas da comunidade arbitral e temor de insegurança jurídica, então perdeu tração. 

E, neste ano, com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (APDF), ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo partido União Brasil, movida em março deste ano. O partido pede ao STF a definição do alcance do dever de revelação, alegando que as instâncias inferiores têm “dado soluções diversas para problemas idênticos”, gerando “incongruência hermenêutica e confusão jurisprudencial”. 

Em parecer na ADPF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) avaliou que uma eventual falha no dever de revelação por um árbitro, por si só, não necessariamente compromete a imparcialidade dele para analisar o caso. 

“A arbitragem foi uma revolução silenciosa na prestação jurisdicional. O Judiciário não dá conta de todas as demandas da sociedade, e há casos que aguardam anos por um desfecho. Na arbitragem, as partes pagam para obterem uma resolução de conflito mais rápida. Para o empresário, é melhor resolver logo a controvérsia, mesmo que a decisão lhe seja desfavorável, do que ficar na incerteza”, diz Selma Lemes.

Nesse sentido, para conferir maior previsibilidade para os agentes da arbitragem sobre o funcionamento do dever de revelação, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) divulgou, neste mês, um conjunto de recomendações sobre o tema. O objetivo principal é reforçar a segurança do processo arbitral. 

“As diretrizes são um conjunto de breves recomendações que buscam uniformizar entendimentos e orientar as condutas dos árbitros, partes, advogados, câmaras e juízes a respeito do dever de revelação, com base na nossa lei e nas práticas e conceitos compartilhados pela doutrina e pela comunidade internacional”, esclarece André Abbud, presidente do CBAr.

São no total 11 recomendações sem caráter obrigatório,  elaboradas de acordo com a legislação brasileira e com as normas internacionais sobre o tema. Uma das diretrizes diz que o dever de revelação “permanece durante todo o curso do processo arbitral até o esgotamento da jurisdição do árbitro”. 

Outra indicação é que uma eventual omissão no dever de revelação não resulta, necessariamente, na falta de independência ou imparcialidade do árbitro. “Eventual alegação de falta de independência ou imparcialidade decorrente deverá ser aferida à luz da natureza e da relevância do fato não revelado, conforme a visão de um terceiro que, com razoabilidade, analisaria a questão e as circunstâncias do caso concreto”, diz o texto, em linha com o posicionamento da PGR ao STF. 

Também consta da lista o “dever de curiosidade das partes”, isto é, que antes da aceitação do árbitro, “as partes têm o ônus de se informar a respeito de fatos públicos e de fácil acesso, podendo realizar pesquisas por conta própria para se assegurar do correto exercício do dever de revelação pelo árbitro”. 

Se houver alguma questão relativa à independência ou à imparcialidade do árbitro, ela deve ser exposta na oportunidade mais imediata.