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Arbitragens em contratos públicos estão em alta e impactam grandes projetos

Para reduzir inseguranças, se recomenda que cláusula arbitral em contratos da administração pública especifiquem o que pode ser submetido à arbitragem

Foto: Bruno Cantanhede/ Unsplash

A arbitragem já é uma realidade em contratos com a administração pública. Um levantamento recente da Advocacia-Geral da União revelou que a resolução de conflitos por arbitragem já rendeu R$ 222,5 bilhões para a União, entre ganhos e prejuízos evitados. À medida em que o número de processos cresce, é preciso reforçar a segurança jurídica em contratos envolvendo o poder público. Especialistas sugerem, entre outros pontos, que a cláusula compromissória defina claramente as matérias que podem ser submetidas ao tribunal arbitral.

Dos 36 processos de arbitragem abertos desde 2006, 18 já foram julgados e a AGU só perdeu um. “É importante incluir alguns cuidados na cláusula compromissória de contratos com a administração pública para evitar divergências sobre as matérias arbitráveis”, afirma Mozar Carvalho, fundador da Carvalho de Machado Advocacia.

Algumas recomendações são: definir claramente as matérias que podem ser submetidas à arbitragem; estabelecer o número de árbitros e o procedimento de sua escolha; determinar o local da arbitragem e a lei aplicável; garantir a possibilidade de recurso contra a decisão arbitral, se previsto em lei; e especificar as regras de confidencialidade e sigilo do processo arbitral.

Vale lembrar que a arbitragem é um mecanismo extrajudicial de solução de conflitos empresariais que, por ser menos burocrático, permite mais agilidade do que o processo se corresse no Poder Judiciário. Na arbitragem, as partes em disputa concordam em submeter a controvérsia a um árbitro ou tribunal privado, que ao final do processo vai decidir quem tem razão.

Se a arbitragem na administração pública é cada vez mais comum, há alguns anos a situação era o oposto. A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307) é de 1996. Foi somente em 2001 que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade da lei. Após a decisão do STF, a iniciativa privada começou a adotar a arbitragem rapidamente. No setor público, no entanto, o mecanismo demorou a engrenar devido a dúvidas sobre a legalidade da arbitragem no direito público.

A situação mudou a partir de 2015, com a aprovação da Lei 13.129, que modificou a legislação de 1996 para permitir expressamente o uso da arbitragem em contratos com o poder público. “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, diz trecho da lei.

“Para prevenir maiores problemas, sugere-se que a cláusula compromissória em contratos com a administração pública, além de cheia, seja ao mesmo tempo genérica, englobando a já clássica e sempre funcional expressão ‘todos os litígios decorrentes ou relacionados com o contrato’; mas também concreta, abordando hipóteses específicas, embora não excludentes, de situações que as partes enxergam como potencialmente arbitráveis”, afirma Brahim Bittar, sócio do Fonseca Brasil Advogados.

No caso mais recente de arbitragem envolvendo o poder público, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) venceu uma disputa contra a Transnorte Energia S.A., que pedia um reequilíbrio econômico-financeiro do contrato para construção do Linhão de Tucuruí, que vai finalmente conectar o Roraima ao Sistema Interligado Nacional. A decisão do tribunal arbitral evitou um aumento de R$ 13 bilhões no valor a ser pago à empresa ao longo do contrato, o que resultaria num encarecimento da conta de luz dos brasileiros. 

Enfrentando controvérsias

O aumento da participação da arbitragem em contratos com o poder público não é livre de controvérsias. Para evitar questionamentos sobre se determinadas matérias são arbitráveis, alguns especialistas sugerem que o poder público detalhe no contrato os conceitos de atos de império e de atos de gestão.

Os atos de império são aqueles impostos coercitivamente pela administração pública ao particular, como os atos praticados no uso do poder de polícia.  Já os atos de gestão são praticados sem que a administração utilize sua supremacia sobre os particulares, como contratos de locação de imóveis por órgãos públicos.

“Essa distinção é relevante porque tem relação direta com a arbitrabilidade objetiva, isto é, com as matérias ou litígios que podem ou não ser submetidos à jurisdição arbitral. O ato de império, relacionado que está ao exercício de um poder estatal em sentido estrito, de cunho político; é indisponível e, portanto, está fora do alcance da arbitragem. O ato de gestão, por sua vez, tem um caráter instrumental e se relaciona mais com a forma mediante a qual a administração pública busca realizar os seus interesses, sendo, nessa medida, disponível e, por isso, arbitrável”, explica o advogado Brahim Bittar.

A nova lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021) diz que podem ser submetidas à arbitragem as “controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações”.

“Outras matérias podem ser arbitráveis em contratos com a administração pública, como a interpretação e aplicação do contrato; a responsabilidade civil por danos causados pela administração; a resolução de conflitos entre as partes; a aplicação de penalidades contratuais; e a restituição de valores pagos indevidamente”, diz o advogado Mozar Carvalho.

A presença de uma cláusula de arbitragem não prevê que o contrato não poderá, de forma alguma, ser discutido no Judiciário. O  mesmo contrato de concessão pode ensejar, ao mesmo tempo, um procedimento arbitral e uma ação civil pública (nos casos de controvérsias envolvendo direitos indisponíveis).

“Até porque o Ministério Público não está vinculado à cláusula compromissória firmada pelas partes. No entanto, eventual proposição de ação civil pública sobre o contrato administrativo em questão não proíbe as partes signatárias de ingressarem com a arbitragem para discussão dos direitos patrimoniais disponíveis envolvidos”, esclarece Maúra Guerra Polidoro, membro da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

Esse é um dos pontos que gera controvérsias e dúvidas sobre a arbitragem em contratos públicos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que, nestes casos, a decisão a ser tomada na ação civil pública tem caráter prévio e prejudicial a uma decisão que venha a ser tomada no juízo arbitral acerca de eventual rescisão do contrato e reversão dos bens. 

Na ação por improbidade administrativa, o Ministério Público de São Paulo pediu à Justiça a anulação do contrato firmado entre o município de Paulínia (SP) e a empresa Estúdios Paulínia para operação, manutenção e conservação do Museu do Cinema. A decisão do STJ, monocrática, foi tomada pelo ministro Mauro Campbell, em maio de 2021, no REsp 1855013-SP. 

Advogados especialistas em arbitragem alegam que a decisão gera insegurança jurídica. “No cenário criado por essa posição, sempre que houvesse cláusula arbitral em um contrato público bastaria o simples ajuizamento de uma ação de improbidade para afastar a eficácia do dispositivo de arbitragem. Então se impediria que o meio arbitral pudesse ser utilizado para a solução de conflitos envolvendo a administração, o que é absurdo”, afirma Maúra Guerra Polidoro, membro da banca que representa a empresa Estúdios Paulínia nesta ação.

“Além disso, ainda que o contrato de concessão venha a ser declarado nulo no julgamento da ação civil pública proposta, essa nulidade não implica a necessária invalidade da cláusula arbitral”, completa a advogada..

Outra crítica é que a decisão estabeleceria prioridade à ação civil pública, o que acabaria por negligenciar a arbitragem. “O precedente causa insegurança e reclama ajustes. Ora, pouco importa se judicial ou arbitral: o processo individual tem elementos distintos da ação coletiva, não havendo primazia ou preponderância”, avalia o advogado Bittar.

Na visão dele, estabelecer uma “ordem de preferência” acabaria prejudicando a matriz de riscos e custos que as partes previram ao desenhar o contrato, o que também comprometeria a visão do Estado como agente econômico que pode querer prevenir e solucionar conflitos por meio da arbitragem.