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Arbitragem: como juristas veem a contestação do dever de revelação no STF

Especialistas advertem para riscos de Supremo adotar critérios diferentes dos internacionais, mas há defenda modulação por mais segurança

Conveção 158 OIT
STF / Crédito: Carlos Moura/SCO/STF

Dúvidas e divergências se acumulam depois que o partido União Brasil protocolou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Corte Constitucional module critérios  – supostamente mais uniformes  para o dever de revelação dos árbitros. O objetivo, diz o partido, é solucionar divergências na jurisprudência brasileira sobre quais seriam as limitações aos árbitros.

O chamado dever de revelação, imposto pelo artigo 14 da Lei de Arbitragem, é foco frequente de contestações no Judiciário por litigantes que buscam obter sentenças de anulação de arbitragens.

Pelos termos da lei brasileira, esse dever de revelação significa que qualquer pessoa, antes de atuar como árbitra em um caso, deve divulgar suas atuações arbitrais anteriores. Isso deve acontecer quando a atividade passada representar uma “dúvida justificável” sobre sua imparcialidade e sobre sua independência para decidir sobre a controvérsia. Esse é um instituto frequente também em leis internacionais e regimentos de cortes arbitrais no exterior.

Só que o partido aponta na ação que magistrados estão adotando posicionamentos muito díspares sobre o que seriam violações a esse dever de revelação. O partido alega ainda que falta definição clara sobre o que seria “dúvida justificável” a merecer que o árbitro revele sua atuação pretérita.

“Não se trata de questionamento em sentido estrito, mas, sim, pretensão para que o STF fixe critérios constitucionais ao exercício do dever de revelação dos árbitros. Dessa forma, o que a sigla busca com a propositura se aproxima de uma pretensão de modulação da previsão legislativa”, resume Isabela Nascimento, especialista em Direito Empresarial do escritório Perdiz de Jesus Advogados Associados.

Além de cobrar da Suprema Corte que delimite em contornos gerais o que seria o dever de revelação, imposto pela Lei de Arbitragem, a ação cobra também que seja definido o que seria “dúvida justificável” a exigir a revelação de situações pretéritas em que os árbitros estiveram envolvidos. A ação também solicita a definição de um prazo para a arguição de eventual impedimento ou suspeição dos árbitros.

Pede ainda que o STF proíba a aplicação automática de diretrizes da International Bar Association (IBA) em arbitragens – a entidade é a maior associação internacional de advogados.

A ação também demanda que o STF imponha que, para arbitragens, não são taxativos os artigos 144 e 145 do Código de Processo Civil, que elencam os critérios de impedimentos para magistrados em processos no Judiciário. Isso porque, em alguns casos, esses dispositivos são usados na argumentação em favor de uma anulação da arbitragem, ainda que os mesmos critérios não estejam presentes na Lei de Arbitragem.  

Não é só o futuro da arbitragem no Brasil que o partido quer alterar, mas uma série de processos correndo na Justiça e na via extrajudicial: a ação pede inclusive que o STF suspenda o andamento de todos os processos em cursos que tratem de anulações de arbitragens, que sejam suspensas sentenças arbitrais contestadas e decisões judiciais já proferidas sobre o assunto.

A ação do União Brasil, iniciada em março, vem sendo criticada na comunidade jurídica desde então. Isso porque os argumentos do partido foram vistos como uma espécie de reciclagem do projeto de lei (PL) 3293/2021, proposto pela ex-deputada Margarete Coelho (PP) e parado no Congresso. Quando avançou na Câmara dos Deputados, esse projeto foi severamente questionado por especialistas que atuam no setor, que o consideram uma violação aos princípios internacionais que consagraram a arbitragem.

“Agora, ao que tudo indica, por meio do STF, que nem seria a via adequada para tal, o partido busca, valendo-se de outras palavras e em outros termos, fazer o PL passar transvestido de uma ADPF”, critica Murillo Preve Cardoso de Oliveira, árbitro da Câmara de Arbitragem e Mediação de Santa Catarina e advogado do escritório Schiefler Advocacia.

Cardoso de Oliveira avalia que as pretensões do partido, se adotadas, contribuiriam para a insegurança jurídica em vez de para a pacificação das interpretações dos tribunais.

“Os critérios buscados pelo partido por meio da sua ação abririam margem para que todo e qualquer elemento, inclusive após a prolação de decisões arbitrais, passe a ser utilizado como pretexto na tentativa de se anular processos arbitrais, uma vez que a violação ao dever de revelação passaria a existir dentro de um cenário muito mais sensível e passível de ser violado”, acrescenta.

Por outro lado, para além das habituais tentativas de virar o jogo de partes derrotadas, outros fatores contribuíram para o aumento dos questionamentos a arbitragens no Judiciário, que podem respingar na confiança do mercado sobre essa alternativa.

Para Gustavo Justino de Oliveira, árbitro, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-fundador do escritório Justino de Oliveira Advogados, cobranças sobre a independência de árbitros também ganharam força com a adesão maciça de agentes estatais e empresas de economia mista a contratos com cláusulas de arbitragem, em que divergências podem provocar prejuízos bilionários à população.

“Com a entrada do Estado como novo player da arbitragem, disputas de altíssimo cunho financeiro e de interesse nacional passaram a serem tuteladas também pela jurisdição arbitral – e não mais exclusivamente pela jurisdição do Poder Judiciário –, de modo que o resultado desses procedimentos deixou de ser somente de interesse privado das partes para impactar também na economia brasileira e em inúmeros setores regulados”, avalia Justino de Oliveira.

A Nova Lei de Licitações (14.133/2021) já reflete esse posicionamento, quando dispõe sobre a necessária observância aos critérios isonômicos, técnicos e transparentes para o processo de escolha dos árbitros, em seu artigo 154. Justino aponta a necessidade de haver critérios mais objetivos para a nomeação de árbitros independentes – o que não precisaria acontecer no STF, mas ser discutido pela sociedade.

Embora defenda critérios mais objetivos para o dever de revelação de árbitros, Justino de Oliveira acredita que isso não vai reduzir a cultura de litígio no Brasil, porque essa litigiosidade impera nos mais variados temas de divergências.

Isabela Nascimento, do escritório Perdiz de Jesus Advogados Associados, também avalia que o Supremo precisa julgar as questões repetitivas que tem surgido em torno do dever de revelação dos árbitros, mas ela destaca que a questão é “delicada” e que a Corte Constitucional não pode perder de vista a essência dos princípios da arbitragem.

“Eventuais atualizações legislativas devem observar e preservar o corolário da arbitragem, a autonomia das partes, inclusive para determinar a escolha dos árbitros, e a liberdade de atuação dos profissionais envolvidos”, diz Isabela.

Murilo Preve Cardoso de Oliveira, do escritório Schiefler ressalta, no entanto, que, se adotar teses do União Brasil, o Supremo pode, na prática, extrapolar princípios internacionais de arbitragens, o que isolaria o Brasil e transferiria arbitragens para outros países.

“O Brasil passaria a adotar critérios que não encontram, de forma ampla, correspondente em outros países, o que por si só traria grandes prejuízos ao instituto em âmbito nacional”, destaca Cardoso de Oliveira.

Pelas mudanças em discussão, a Carolina Smirnovas, do escritório Manesco Advogados, avalia que “a ação proposta pela União Brasil é uma verdadeira aventura jurídica”. Por isso, ela espera que o Supremo julgue a ação improcedente.

“O artigo 14 da Lei de Arbitragem não carece de atualizações ou modificações. Estabelecer um rol taxativo de impedimentos dos árbitros não irá evitar a propositura de ações anulatórias em arbitragens ou trazer mais segurança jurídica”, destaca Carolina.

Apesar de algumas divergências sobre a necessidade de maior detalhamento sobre o dever de revelação dos árbitros, os juristas entrevistados são unânimes em afirmar que, em qualquer desfecho, esse julgamento não seria capaz de evitar a contestação do resultado das arbitragens no futuro – isso dependeria mais do respeito à solução de conflitos por via extrajudicial.