Resolução de conflitos

Arbitragem bate recorde na pandemia e Brasil ocupa segunda posição em ranking mundial

Crise sanitária fez crescer demanda por solução de conflitos societários e contratuais no país

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Pandemia levou muitas empresas a terem dificuldades para cumprir suas obrigações contratuais / Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A crise sanitária suspendeu a prestação de serviços e a entrega de insumos, o que levou muitas empresas a terem dificuldades para cumprir suas obrigações contratuais. Este cenário levou ao aumento no número de disputas e fez subir a procura pela arbitragem para a solução dos conflitos no mundo inteiro. No Brasil, foi observada alta principalmente em demandas societárias e contratuais, mas também houve crescimento nas discussões trabalhistas e de esporte.

Dados da Pesquisa Arbitragem em Números, da professora e advogada Selma Lemes, mostram que o número de arbitragens em andamento atingiu a marca recorde de 1.047 casos no ano passado, alta de 5% na comparação com 2020, quando foram contabilizados 996 processos arbitrais. Em 2019, último ano antes da pandemia, foram 967 casos. Para se ter uma ideia, nos últimos dois anos entraram 655 novos processos arbitrais nas oito câmaras analisadas pelo estudo, que juntos totalizaram R$ 55,2 bilhões só no ano passado.

Essa expansão fez o Brasil passar de terceiro para segundo no ranking mundial do uso de arbitragem em 2020, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. O Brasil é o país mais representado na região (38%) com 150 casos (contra 133 em 2019). Na América Latina, ele foi seguido pelo México com 78 processos arbitrais (contra 51 em 2019), que ficou em 10º lugar no ranking mundial de classificação de nacionalidade. Os dados são da Corte Internacional de Arbitragem (ICC, na sigla em inglês).

“Apesar de pequenas oscilações sobre a quantidade de entradas de arbitragem nos últimos anos, os dados da última pesquisa ‘Arbitragem em Números’ refletem o aumento do número absoluto de procedimentos em andamento”, afirma o advogado Caio Lins Azuirson, do escritório Serur Advogados. “Esse cenário declara a consolidação da prática no Brasil, que tem se beneficiado de inovações jurídicas em áreas diversas, cada vez mais receptivas à sua realização, tais como a estipulação de arbitragem nos contratos com a Administração Pública Direta e Indireta (Parceria Público-Privada, Concessão em geral e de Parceria Pública de Investimento – PPI) ou do futuro aproveitamento pelas ‘Sociedades Anônimas do Futebol’ (Lei 14.193/2021).”

Principais áreas

Parte do incremento nos processos arbitrais durante a pandemia resulta das dificuldades das partes executarem os serviços ou fornecimento de produtos, conforme estipulado nos respectivos contratos. “A crise sanitária foi um evento disruptivo que desbalanceou as relações comerciais e gerou uma série de atritos no âmbito dos negócios”, avalia o advogado Pedro Batista Martins, sócio do escritório Batista Martins Advogados e um dos colaboradores da Lei de Arbitragem.

As matérias societárias lideraram o ranking em número de casos e valores, seguida de questões referentes a contratos de engenharia e energia, passando por matéria trabalhista e desportiva. Com o isolamento social determinado pelos governos na tentativa de reduzir o número de casos de Covid-19, muitas empresas foram afetadas. Trabalhadores em casa e falta de insumos criaram um círculo vicioso e as companhias não puderam prestar o seu serviço. Com isso, o cliente parou de pagar e foram necessárias revisões contratuais, um dos motivos do aumento no número de arbitragens.

“As arbitragens societárias podem ser divididas em arbitragens contratuais, em contratos de compra e venda de participação societária, e arbitragem societárias propriamente ditas (relação entre acionistas, cumprimento de acordos de acionistas, etc)”, destaca Mauricio Fabbri, sócio na área de Contencioso e Arbitragem, do escritório Cescon Barrieu.

IGP-M questionado

Um ponto que ganhou bastante destaque na pandemia foram as arbitragens questionando a aplicação do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) durante o período do meio de 2020 até início de 2021, quando o indicador se descolou de outros índices de correção monetária. “Foram muitas questões relativas à aplicação ou não deste índice das obrigações contratadas e se devia aplicar na plenitude ou se deveria mitigar o impacto”, comenta Martins. As discussões foram desde aluguéis comerciais até a indústria, que tinha várias de suas obrigações contratadas com a aplicação deste índice de correção. “Havia prática disseminada de utilização do IGP-M, mas o problema do dólar e da valorização das commodities levaram ao aumento do indicador e este pulo assustou empresas. As que não conseguiram chegar a um acordo, recorreram à arbitragem”, complementa o advogado Martins.

É importante destacar que o aumento da arbitragem foi observado no mundo inteiro. “Aqui houve um fator de incremento que foi a questão do IGP-M, mas todos os países sentiram o aumento no número de casos devido às dificuldades comerciais criadas com a pandemia”, explica Martins.

O fenômeno mundial foi comprovado pela ICC, que bateu novos recordes em 2020. A Corte Internacional de Arbitragem registrou 929 procedimentos, levando ao mais alto número de casos administrados de acordo com as regras de arbitragem da CCI (1.833), número de partes envolvidas (2.507) e número de compromissos ou confirmações de árbitros (1.520). Outros registros incluem a diversidade geográfica de árbitros (92 nacionalidades) e locais de arbitragem (65 países).

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