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A palavra da PGR sobre a falha no dever de revelação dos árbitros

Augusto Aras defende que a lacuna, por si só, não prova imparcialidade nem sustenta anulação de uma sentença; entenda argumentos

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Sede da PGR em Brasília / Crédito: Antonio Augusto / Secom / PGR.

Nem toda falha no dever de revelação dos árbitros caracteriza necessariamente quebra da imparcialidade e motiva consequente anulação de uma sentença arbitral. Esse é o entendimento do parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a aplicação desse princípio da arbitragem. 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a fixação de parâmetros interpretativos para compatibilizar o dever de revelação dos árbitros com o da imparcialidade. No parecer entregue ao STF, no fim de agosto, ele sustenta que nem toda omissão de informações relevantes por parte dos árbitros conduz à quebra da imparcialidade, o que justificaria a anulação de uma decisão da arbitragem. 

Para a PGR, “o dever de imparcialidade é inegociável e, em não sendo observado, enseja a nulidade do julgamento”. Já o dever de revelação, diz Aras, “é obrigação imposta ao julgador do processo arbitral, mas a mera falha no seu exercício não conduzirá necessária e automaticamente à constatação de parcialidade e consequente anulação da sentença arbitral”.

O chamado dever de revelação, previsto no artigo 14 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), é foco frequente de ações anulatórias de sentenças arbitrais no Judiciário

O artigo em questão diz que “estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil”.

Já o parágrafo primeiro deste mesmo artigo diz que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”. 

A ação no STF

O parecer da PGR foi entregue ao ministro Alexandre de Moraes, relator no STF de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (APDF) ajuizada em março deste ano pelo União Brasil.

Na ação, o partido político pede, em caráter liminar, que a Suprema Corte suspenda o andamento de todos os processos na Justiça que tratem de anulações de arbitragens, as sentenças arbitrais contestadas no Judiciário e também as decisões judiciais já proferidas sobre o assunto até o julgamento da ADPF. 

Além disso, o União Brasil solicita ao STF a definição do alcance do dever de revelação, alegando que as instâncias inferiores têm “dado soluções diversas para problemas idênticos”, gerando “incongruência hermenêutica e confusão jurisprudencial”. 

O partido argumentou que os tribunais estaduais e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) divergem principalmente sobre cinco questões. 

A primeira delas é se o ônus da revelação compete exclusivamente ao árbitro ou também às partes, com obrigação de investigar eventuais causas que poderiam ensejar a parcialidade. A segunda é sobre o momento adequado para as partes arguirem a parcialidade do árbitro, isto é, se a qualquer tempo ou somente dentro do procedimento arbitral. 

O terceiro ponto é se a “dúvida justificada” citada no parágrafo primeiro do Artigo 14 da Lei de Arbitragem deve ser aferida aos olhos das partes ou do árbitro. A quarta questão controversa é se as hipóteses de impedimento e suspeição do Código de Processo Civil para aferição da independência dos árbitros devem ser taxativas ou não.

E a última é se as diretrizes da International Bar Association (IBA) para conflitos de interesse dos árbitros devem ser aplicadas automaticamente nas arbitragens no Brasil quando não haja escolha pelas partes nesse sentido. 

Posição da PGR

Para a PGR, “é do árbitro a obrigação de expor fatos ou circunstâncias de sua trajetória pessoal/profissional, públicos ou não, que possam impactar o seu juízo sobre a questão controvertida” e “às partes caberá a avaliação sobre a qualidade da informação revelada e a sua possível influência no julgamento”. 

Augusto Aras, no entanto, entende que a mera falha no exercício do dever de revelação não deve resultar automaticamente na constatação de parcialidade e consequente anulação da sentença arbitral. 

“Essa leitura permite que se exija do árbitro postura de maior clareza, que garanta que informações relevantes sejam conhecidas pelos litigantes para escolha consciente daquele que examinará a controvérsia – retirando destas qualquer responsabilidade investigativa nesse sentido –, ao mesmo tempo em que inibe impugnações que tenham como propósito desconstituir sentenças arbitrais pelo puro inconformismo de uma das partes com o resultado, sem fundamento válido de imparcialidade”, conclui o procurador-geral da República.

Em relação ao momento oportuno para os litigantes suscitarem a parcialidade do árbitro, Aras defende que a parte levante “questão relacionada à suspeição/ impedimento tão logo dela tome conhecimento”:

“Conhecida a causa de possível parcialidade e não deduzida pela parte arguição de impedimento ou suspeição na primeira oportunidade, presume-se que a teve como irrelevante para recusar o árbitro, demonstrando confiança no profissional. Admitir pudesse arguí-la em momento posterior, tomando-a como base para a anulação da sentença arbitral proferida, além de objetivamente afrontar a disciplina legal do instituto, importaria prestigiar a má-fé processual e certamente serviria à frustração do processo arbitral a longo prazo”, afirma. 

Quanto a fatos não conhecidos pela parte por falha relevante no dever de revelação que sejam hipótese de contaminação da isenção do árbitro no julgamento, a PGR acredita que, nesse caso, seriam motivo para ajuizamento de ação anulatória de sentença arbitral:

“Verificado aparente e relevante nexo de causalidade entre o fato não revelado e uma possível parcialidade no julgamento, há de se garantir impugnação a qualquer tempo perante o Judiciário. Por ser matéria de ordem pública a falta de independência e/ou parcialidade do árbitro, não está sujeita, como tal, à preclusão”, diz o parecer.

Sobre a taxatividade ou não das regras de impedimento e suspeição do CPC para o exercício do dever de revelação na arbitragem, o procurador-geral da República afirma que o União Brasil não conseguiu demonstrar que há uma divergência jurisprudencial que justifique uma decisão do Supremo. 

Ele diz ser razoável que o juiz de uma ação anulatória baseada em falha no dever de revelação valide uma sentença arbitral tomando como base exclusivamente as hipóteses de suspeição ou impedimento do CPC, quando o magistrado não as observar no caso em discussão.

“Isso não representa dizer que não estão inseridos no dever de revelação – aqui sob a ótica do árbitro – a exposição de qualquer causa que possa denotar dúvida justificada sobre a sua imparcialidade, o que, todavia, está expresso na lei e não necessita de reforço jurisprudencial”, indica a manifestação da PGR.

Em relação à aplicação automática no Brasil das normas da International Bar Association (IBA) para conflitos de interesse dos árbitros quando não haja previsão no compromisso arbitral, Aras afirma que não ficou provada a existência de controvérsia jurisprudencial, e ressaltou que as diretrizes servem apenas para auxiliar o julgador.

“Não são normas impositivas, servindo como referência para convencimento de elaboração/ construção do raciocínio que leve a determinada decisão. Não há sentido em se exigir anuência expressa das partes, em convenção arbitral prévia, para que possam ser consideradas no juízo promovido em eventual ação anulatória”, sustenta o procurador.

A ADPF foi analisada pela PGR entre 2 de maio a 21 de agosto, quando o parecer foi entregue ao STF. Desde então, a ação está conclusa para despacho do ministro Alexandre de Moraes.

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