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A reforma tributária aprovada neste mês pela Câmara dos Deputados deve garantir maior simetria de impostos entre bens importados e exportados, estimulando a competitividade da indústria nacional e atraindo investimentos, mas ainda há brechas a serem resolvidas. 
De acordo com juristas e representantes do setor manufatureiro, o texto que constitui a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que agora irá para discussão no Senado, deve resolver dois problemas centrais do sistema tributário brasileiro: a falta de transparência e a cumulatividade de tributos ao longo das cadeias produtivas. 
“O atual sistema é constituído por uma série de leis que foram sendo criadas desde os anos 1970, o que deixou tudo muito contencioso e obscuro”, explica Ariane Guimarães, sócia do escritório de advocacia Mattos Filhos, em Brasília. 
“O objetivo da reforma é deixar essas regras mais transparentes. Dessa forma, o contribuinte sabe os motivos e os destinos dos tributos”, explica.
<h3>Simplificação de impostos</h3>
Para isso, a reforma prevê a substituição de cinco tributos ao todo. Três deles são federais: o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). 
Outros dois são locais: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), administrado pelos estados, e o Imposto sobre Serviços (ISS), arrecadado pelos municípios.
Os três primeiros serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e os dois últimos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Esses dois tributos formam, assim, uma mesma base que segue o modelo de Impostos sobre Valor Agregado (IVA), cobrados na maioria dos países desenvolvidos.
“O mais importante para os produtores brasileiros é que esses dois impostos não são cumulativos. Ou seja, um imposto não incide sobre outro em cascata, algo <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-desenvolvimento/nao-e-sobre-pagar-menos-impostos-mas-simplificar-o-sistema-diz-presidente-da-cni-23062023">custoso principalmente para indústrias com grandes cadeias de produção</a>”, afirma Gustavo Amaral, advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“A ideia é que a tributação incida mais sobre o produto final, o que gera mais segurança para os investidores já que há mais clareza e previsibilidade na cobrança”, explica ele. “Ficará mais fácil calcular se vale a pena ou não abrir uma nova fábrica no país, por exemplo”.
<h3>Compensação de tributos acumulados</h3>
No atual sistema, foram feitas tentativas para que o acúmulo de impostos fosse compensado por meio do crédito tributário, mas esse modelo nunca atingiu plenamente o princípio da não-cumulatividade.
“Hoje, cada imposto tem dinâmica própria: no IPI e no ICMS, por exemplo, o tributo que incide na etapa anterior te dá crédito na próxima etapa. No caso do PIS e Cofins, o cálculo de crédito é feito com base no custo da operação em si em comparação com os tributos da receita final”, explica o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gabriel Quintanilha. 
“O problema desse sistema é que além de complexo, ele gera um crédito de difícil acesso que acaba ficando encalhado sem uso”, afirma a advogada Ariane. Ela exemplifica que um dos problemas é que a legislação atualmente não prevê até quando esses recursos podem ser acessados, então, na prática, o contribuinte pode não obter o retorno desses impostos no formato de créditos. 
A reforma prevê que tudo seja simplificado à regra de compensação sobre a etapa anterior, com um limite de 60 dias para a restituição. “Dessa forma se garante justamente o princípio de não-cumulatividade e o cálculo de repasse é menor”, explica Amaral, da CNI. 
<h3>Exportação de impostos</h3>
Com a neutralização da cumulatividade, a indústria exportadora deve ter reduzido o peso dos tributos acumulados ao longo da cadeia que são repassados no preço e afetam, principalmente, a exportação. 
“O setor de alimentos é um dos mais afetados atualmente com a retenção de créditos acumulados, o que compromete, principalmente, a atividade dedicada à exportação”, afirma João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).
“Com a simplificação tributária e a garantia do aproveitamento dos créditos já adquiridos tem-se a eliminação dos principais pontos do sistema tributário atual que prejudicam o setor industrial”, complementa.
O presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, concorda. “Quando um produto brasileiro chega ao porto para ser exportado, 7,9% dos tributos cobrados não foram recuperados. Ou seja, exportamos quase 8% só em impostos. Já chegamos no mercado externo na desvantagem”, afirma. “Com a eliminação desse acúmulo, prevemos uma queda de quase 11% no preço final”, acrescenta ele.
A aplicação de um mesmo imposto sobre bens e serviços também é um ponto positivo importante para a indústria com foco na exportação. “Não levamos para fora serviços, mas bens. No entanto, esses últimos têm uma carga tributária que chega a quase 46% enquanto os serviços chegam a 11%”,afirma Velloso sobre o sistema corrente. 
Para os dois representantes de setores da indústria, isso deve aumentar também a competitividade dos preços de produtos locais em relação aos importados no mercado nacional. 
No caso dos produtos importados, como a maioria dos países não aplica impostos sobre exportação, o que faz com que os produtos que chegam de fora do Brasil paguem tributos referentes somente ao consumo final – o que, frequentemente, os torna mais baratos do que produzidos no Brasil, que lida com a cumulatividade.
<h3>Imposto seletivo</h3>
No entanto, o texto da reforma ainda apresenta pontos que merecem debate, segundo os especialistas e representantes setoriais. “Um dos principais pontos de contenção é o chamado imposto seletivo”, explica Guimarães, seria o tributo de caráter extrafiscal que teria o intuito de induzir ou frear o consumo de certos produtos. 
“Esse tipo de imposto não existe no Brasil, o que temos hoje é a aplicação do princípio da seletividade ao IPI. Com a mudança, os bens essenciais à vida serão tributados de forma mais baixa e os não essenciais e mesmo prejudiciais serão tributados de forma mais alta, pelo imposto seletivo”, conta Quintanilha.
A PEC 45/2019 prevê alíquotas diferenciadas dentro do sistema IBS e CBS para uma série de bens e serviços considerados essenciais. Ao mesmo tempo, a proposta aprovada prevê o tributo federal de Imposto Seletivo, que, segundo o texto, incidiria em itens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. 
A preocupação dos produtores é com a definição sobre o que exatamente seria prejudicial ou não, sobretudo no caso das categorias de produtos que têm alta variabilidade – isto é, enquanto esse imposto associado ao cigarro e a bebidas alcóolicas não suscita tanto debate, no caso de alimentos a conta não é tão simples, por exemplo. 
“Quem vai definir o que causa danos à saúde ou ao meio ambiente? Vai ser a legislação, o ministro, um grupo específico? É preciso saber quem definirá tais questões para evitar uma litigiosidade indesejada que hoje é grande no sistema atual”, explica Ariane Guimarães. 
Assim, uma definição mais objetiva evitaria que, com o passar do tempo, haja uma distorção a depender do contexto econômico e da capacidade de influência dos setores na definição dos produtos que receberão a alíquota diferenciada. 
“Também precisamos saber se isso será aplicado aos insumos ou ao produto final. Um imposto sobre gás natural, sobre açúcar, sobre gasolina pode gerar uma tributação absurda para praticamente todos os setores”, destaca Gustavo Amaral, da CNI.
<h3>Fundos estaduais e transição para os benefícios fiscais</h3>
Velloso, da Abimaq, levanta ainda preocupação com o artigo 20 anexado ao texto da reforma. O dispositivo permite que cada estado institua uma contribuição extra sobre produtos primários e semielaborados, produzidos em seus respectivos territórios, para fundos de investimento em obras de infraestrutura e habitação. 
Isso possibilita que unidades federativas cuja legislação, em 30 de abril de 2023, previa a existência de fundos estaduais como condição ao aproveitamento de benefícios fiscais de ICMS, instituam uma nova contribuição como forma de substituição, válida até 2043. 
“Essa norma vai contra a ideia principal da reforma que é justamente igualar os tributos e torná-los transparentes. Quando um lugar pode tributar mais que o outro, a competitividade é prejudicada”, explica Velloso.
A extinção dos benefícios fiscais do ICMS também gera questionamentos quanto a potenciais inseguranças jurídicas. “Hoje, há algum exagero nessas exceções, mas a verdade é que muitos deles trazem investimentos para o país. É preciso estruturar bem a duração deles até a implementação completa do novo sistema, para dar sinal de estabilidade para os empresários”, explica Ariane Guimarães.
Os benefícios, que chegam à marca de mais de R$ 220 bilhões neste ano, serão, em parte, mantidos até 2032 sob um período de transição. “Talvez seja preciso pensar melhor se esse prazo é, de fato, factível, pesar cada caso para ver se mais tempo não seria necessário para a adaptação correta de determinados setores”, defende ela.
“Uma nova legislatura só irá funcionar de fato se os atores envolvidos estiverem motivados a tornar este um sistema mais eficiente. Será preciso comprometimento do primeiro ao último agente a partir de agora”, conclui a advogada.

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