Segurança jurídica

O que esperar da coisa julgada em matéria tributária?

Debate vai ser retomado no plenário físico do STF e com a possibilidade de revisão dos votos já proferidos

STF
Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O debate em torno da proteção à coisa julgada em matéria tributária deve ser retomado este ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os votos já proferidos pelos ministros da Corte, embora tenham sinalizado pela impossibilidade de cobranças retroativas, em sinalização positiva para os contribuintes diretamente afetados pelo julgamento, poderão ser revistos. A expectativa é grande em torno do julgamento no STF tanto pela dimensão do tema quanto pela definição de uma nova tese em relação aos limites da coisa julgada.

O que está em jogo, afirmam advogados que acompanham de perto o julgamento, é a segurança jurídica dos contribuintes que já tinham decisões transitadas em julgado em matéria tributária e poderão ser afetados. O julgamento no plenário virtual do STF foi interrompido após o ministro Edson Fachin pedir destaque, o que levará o debate para o plenário físico.

Dada a importância do tema, os advogados consideram positiva a condução do julgamento para o plenário físico, já que acreditam que haverá maior aprofundamento do debate. “Todos poderemos deixar clara a importância da modulação dos efeitos da decisão a ser tomada, importante para preservar os direitos de quem tinha ação transitada em julgado. Mesmo os votos já dados terão que ser confirmados pelos ministros”, comenta Tércio Chiavassa, sócio do escritório Pinheiro Neto.

Pedro Henrique Siqueira, advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), tem a mesma visão e acrescenta: “tudo indica, pelos votos já proferidos, que não haverá cobrança retroativa nos casos das empresas que tinham sentenças transitadas em julgado sobre a inconstitucionalidade da CSLL [Contribuição Social sobre o Lucro Líquido]. Mas a tese a ser fixada deve valer para outros questionamentos da mesma ordem. Por isso, é importante um debate amplo e transparente sobre o tema.”

Embora os processos em julgamento tenham chegado ao STF em 2016, a origem dos questionamentos já dura mais de 20 anos. Após a criação da CSLL, em 1988, grandes empresas questionaram a constitucionalidade da contribuição e obtiveram na justiça decisões favoráveis, já transitadas em julgado, o que as livrou do recolhimento. Posteriormente, o tema chegou ao STF por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 15) e, em 2007, a Suprema Corte decidiu pela constitucionalidade da CSLL.

Com base na decisão proferida em sede de controle concentrado, a Receita começou a autuar e cobrar a contribuição das empresas que tinham decisões transitadas em julgado. Como consequência, o outro debate se iniciou perante o Poder Judiciário, e chegou ao Supremo com foco nos limites da coisa julgada, para definir se mesmo as empresas com decisões favoráveis passariam a pagar e a partir de que momento poderia ser cobrado.  

Atualmente, encontram-se sob o rito da repercussão geral dois recursos extraordinários: 949.297 e 955.277, com temas que envolvem o trato da coisa julgada em situações de trato continuado, variando apenas a via de controle de constitucionalidade utilizada. Com o tema 881, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) quer fazer cessar efeitos de decisão individual benéfica aos contribuintes, com base no posicionamento posterior do STF proferido em controle abstrato. Com o tema 885, por sua vez, será definido se a declaração de inconstitucionalidade obtida pelo contribuinte em ação própria terá sua eficácia temporal cessada caso proferida em decisão final em sede de controle difuso, tanto no caso de haver repercussão geral ou não

“A Procuradoria foi mudando seus argumentos ao longo do tempo. No parecer 492 de 2011, por exemplo, defende a tese de que quando o STF decide uma matéria em sentido contrário a uma decisão que tenha sido dada e tenha trânsito em julgado para o contribuinte é como se fosse uma lei nova, o que teria o efeito de automaticamente cessar a coisa julgada” explica Chiavassa.

O especialista acrescenta que, na visão da Procuradoria, como a decisão do STF pela constitucionalidade foi em 2007, a partir daquele ano estaria valendo para todos, mesmo com sentenças transitadas em julgado. O risco desta tese, caso prevaleça no STF, é de que haja cobranças retroativas dos últimos cinco anos, como ocorre em dívidas tributárias.

Na visão de Helcio Honda, diretor titular do Departamento Jurídico da FIESP, entidade que é “amicus curiae” nos dois temas, isto não faz sentido. “O tema é importante para a segurança jurídica e a competitividade das empresas. A regra de fato deve valer para todos, o que é correto para garantir isonomia entre as empresas em matéria tributária. Mas não pode haver retroatividade da cobrança”, comenta Honda. “Nossa preocupação é a modulação dos efeitos para que não afete negativamente aqueles que tiveram decisão suspendendo a cobrança no passado. O STF deve equalizar daqui em diante.”  

Siqueira, advogado da CNI, também chama a atenção para um aspecto importante que precisa ser esclarecido pelo STF. “A decisão tem efeito para todos, mas o STF precisa ser claro se suspenderá os efeitos das decisões anteriores imediatamente ou se os processos que já existem precisam seguir um rito próprio e passarem por uma revisão”, avalia. “A CNI entende que o sistema do CPC indica que deveria haver processos próprios para quem já tinha decisões transitadas em julgado. Claro que a revisão de todos os processos um a um demanda tempo. No entanto, é mais seguro juridicamente, até porque abarcam outros questionamentos que precisam ser avaliados individualmente.” 

Na visão da CNI, conforme destaca o advogado, as garantias seriam maiores se a discussão sobre a cessação dos efeitos vier por meio de processo judicial próprio, possibilitando assim o exercício da ampla defesa e do contraditório por meio dos instrumentos revisionais e rescisórios pertinentes, em respeito à ordem jurídico-processual vigente. “A validade da decisão da coisa julgada também precisa ser preservada, limitando-se apenas seus efeitos futuros a partir da decisão prolatada pelo STF em sede de controle abstrato ou de controle concreto em que se julga tema com repercussão geral reconhecida e por intermédio dos instrumentos jurídico-processuais adequados.”

O placar estava 7 a 0 no RE 949.297 para que uma decisão tomada pelo STF no chamado controle concentrado – por exemplo, no julgamento de uma ADI, ADC, ADO ou ADPF – cesse automaticamente os efeitos da coisa julgada. Os ministros Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia acompanharam integralmente o relator, Edson Fachin. O ministro Luís Roberto Barroso seguiu o voto inaugural, mas propôs nova tese, no que foi acompanhado pelo ministro Dias Toffoli. Já o ministro Gilmar Mendes divergiu, porém apenas em relação à aplicação das anterioridades anual e nonagesimal. No RE 955.227, o placar estava em 5 a 0 para que uma decisão do STF no controle difuso – por exemplo em um recurso extraordinário com repercussão geral – cesse automaticamente os efeitos de uma decisão transitada em julgado. Os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes seguiram integralmente o entendimento do relator, Luís Roberto Barroso. Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, contudo fez igual ressalva em relação à aplicação dos princípios da anterioridade anual e da noventena.

Como os dois recursos foram destacados pelo ministro Fachin, os julgamentos serão reiniciados em sessão presencial do plenário – o que significa que os ministros podem, inclusive, mudar de posição. Não há uma data definida para a retomada do julgamento pelo STF.