CONTEÚDO PATROCINADO

O ‘encontro marcado’ no STF com fundos estaduais que violam a Constituição

Governos driblam legislação com mecanismo que dificulta o aproveitamento de benefícios fiscais onerosos, já concedidos

regulação das plataformas e mci
Prédio do STF iluminado de laranja. Crédito: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Virou moda uma nova forma de ataque ao contribuinte. Trata-se da mania de governos estaduais de criarem supostos fundos para arrecadar mais recursos e interferir no aproveitamento de benefícios fiscais de empresas.

Essas artimanhas passaram a ser questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF) em algumas ações protocoladas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7363, a CNI pede ao STF a declaração de inconstitucionalidade do Fundo Estadual de Infraestrutura, criado pelo Governo de Goiás, que, além de afetar a sistemática de aplicação de substituição tributária e condicionar o gozo de imunidade de ICMS em exportações, limitou o valor de benefícios fiscais a serem fruídos pelos contribuintes. Em relação a esse último ponto, a CNI também questiona iniciativas parecidas do governo estadual do Rio de Janeiro.

Na prática, esses fundos, seja como consequência única, seja como uma das repercussões decorrentes da respectiva legislação estadual, passaram a limitar o aproveitamento de benefícios fiscais, sob a justificativa de dificuldades financeiras pelo momento econômico.

“Em certas situações, os benefícios fiscais foram dados com condições onerosas (que implicam em algum tipo de custo ou obrigação para o contribuinte), o que gera uma situação inconstitucional diante da necessária garantia à segurança jurídica. É direito dos contribuintes de gozar dos benefícios à luz do que foi inicialmente programado”, afirma Pedro Siqueira, advogado da CNI.

Tem-se notícia de que fundos com exigências semelhantes já existem em alguns entes subnacionais, como Acre, Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe. Há ainda estados como o Paraná, que possui legislação aprovada para que seja criado fundo semelhante com fins arrecadatórios, mas que ainda não regulamentou o assunto e por isso ainda não começou a cobrança.

Essa proliferação de fundos começou a partir da edição do Convênio Confaz 42/2016, que permitiu aos estados adotarem esse tipo de mecanismo financeiro em sua legislação, para aumentar a arrecadação. O jurista Fernando Facury Scaff, professor da Universidade de São Paulo (USP), destaca que esse convênio está na origem dos malabarismos fiscais e dribles na Constituição dos governos estaduais que atacaram o aproveitamento de benefícios fiscais.

“As empresas estão sofrendo corte de incentivos fiscais sem que isso ocorra na forma legal. Sem obedecer à anterioridade, sem o cumprimento da norma que concedeu o incentivo fiscal, trata-se de um drible”, afirma Facury Scaff. “Estou propondo atacar esse convênio que é nacional. Se esse convênio cai, todos os fundos caem”, acrescenta.

Facury Scaff explica ainda que esses fundos ajudam os estados a driblarem suas obrigações de repasse de ICMS a municípios. Isso porque a receita obtida com esse tributo é obrigatoriamente, por lei, repartida com prefeituras. Mas, ao incidir sobre o valor que seria abatido de ICMS, o fundo funciona na prática como uma nova forma de arrecadação, que não tem nenhuma previsão de divisão com municípios.

“Com esse mecanismo, o estado aumenta o seu ICMS diretamente”, explica o professor da USP.

Nas ações contra esses mecanismos no STF, a CNI pede de maneira subsidiária que seja declarado ilegal o convênio do CONFAZ que permitiu a criação desses fundos.

Com tantos dribles, a ilegalidade desses fundos acaba facilmente demonstrada, destacam juristas. Isso porque os fundos não respeitam garantias constitucionais do contribuinte ao instituir novas cobranças tributárias em violação às normas constitucionais, à não observar os princípios da anterioridade anual, a qual veda a cobrança de tributos no mesmo exercício fiscal, e da anterioridade nonagesimal, que proíbe cobranças antes de decorridos 90 dias da publicação de lei com esse sentido, e ao destinar parcela de imposto para um fundo. 

No caso específico do Fundo de Goiás, outras garantias afrontadas são relativas à imunidade das exportações e ao necessário tratamento normativo geral do regime de substituição tributária por meio de lei complementar. 

“Dentro do atual cenário de restrições de natureza fiscal vivida pelos estados, que vêm enfrentando significativas perdas de receitas, a medida proposta em Goiás poderia ser seguida por outros estados da Federação, o que poderia significar um imenso caos tributário, assombrando e impactando os mais diversos setores da economia”, critica Rinaldo Mancini, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Na ação do caso em que se discute o Fundo Goiano, o STF não referendou a cautelar concedida pelo relator da ADI 7.363, ministro Dias Toffoli. Ao seguir o entendimento do ministro Edson Fachin, a Corte, por sete votos a três, invocou precedente antigo relacionado a fundo do Estado do Mato Grosso do Sul, que, no entender do advogado da CNI que sustentou no julgamento, não possui as mesmas características do fundo sul-mato-grossense. O mérito da discussão, no entanto, ainda não foi analisado. 

Também se aguarda a continuidade do julgamento a ação da CNI que aponta inconstitucionalidade nos fundos criados pelo estado do Rio de Janeiro, que acabam limitando o gozo de benefícios fiscais.

Pelos riscos acumulados aos contribuintes pela proliferação desses fundos, Siqueira avalia que o STF possui “um encontro marcado com esse tema”.

“Temos que ter um julgamento de mérito no STF em relação à efetiva compatibilidade dos fundos que tratem desse tema com a Constituição Federal. Depois, temos de pensar se o Supremo, com algum outro instrumento, como a súmula vinculante, pode resolver o problema”, acrescenta o advogado da CNI.