COP27

CNI defende política industrial com foco em mudanças climáticas

Estratégia apresentada na COP27 inclui os eixos de transição energética, mercado de carbono, conservação florestal e economia circular

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Crédito: Unsplash

O Brasil precisa de uma política industrial alinhada com as demandas da economia de baixo carbono, que permita à indústria nacional reduzir emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que gera novos empregos qualificados. Essa é a estratégia que o setor industrial, representado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) levou à COP27, a 27ª conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que segue até o dia 18 de novembro em Sharm El Sheikh, no Egito. Baseada em quatro pilares -transição energética, mercado de carbono, economia circular e conservação florestal- o plano da indústria vem sendo apresentado no estande oficial do Brasil na conferência, onde são também expostas as ações do Ministério do Meio Ambiente, Sebrae, Apex e Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e cases empresariais.

De acordo com Davi Bomtempo, gerente-executivo de meio ambiente e sustentabilidade da CNI, os quatro eixos devem permitir que o Brasil reduza emissões de gases de efeito estufa, ganhe competitividade na transição para a economia de baixo carbono e cumpra sua NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, ou seja, os compromissos assumidos pelo país no âmbito do Acordo de Paris, o tratado do clima que visa evitar que a temperatura global se eleve acima de 1,5ºC até o final do século). “O Brasil precisa de uma política de Estado que estabeleça o caminho para o cumprimento da NCD, por isso os quatro pilares têm de estar conectados”, afirma.

As metas brasileiras para cumprimento do Acordo de Paris incluem reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 50% até 2030 em comparação aos níveis de 2005; alcançar a neutralidade climática em 2050, o que deverá demandar esforços de governos e empresas; e zerar o desmatamento ilegal até 2028, além de recuperar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, entre outras. Os objetivos vão demandar alianças entre poder público, setor empresarial e sociedade civil. Segundo Bomtempo, a participação da CNI na conferência do clima é uma forma de dar visibilidade às ações das empresas e atrair parcerias e investimentos -a entidade promoveu dois dias de debates sobre a inserção da indústria brasileira na economia de baixo carbono, reunindo representantes de empresas brasileiras e estrangeiras, instituições financeiras, organismos bilaterais e executivos.

Na área de transição energética, um dos eixos centrais do plano da CNI, o Brasil já parte de uma posição privilegiada, com uma matriz predominantemente limpa, com 84% de participação de fontes renováveis na matriz elétrica e de 47% na matriz energética. Esses percentuais já colocam o Brasil à frente do cenário internacional: segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), as renováveis devem compor 30% da matriz energética mundial em 2030. Mas há oportunidades na ampliação de fontes como eólica -especialmente projetos offshore, que representam uma nova fronteira para a expansão da energia dos ventos no país-, solar e bioenergia, além de novas tecnologias como o hidrogênio verde, obtido a partir de fontes renováveis.

Outra aposta da indústria será na área de eficiência energética, com a expansão de um programa piloto iniciado em 2015 que permitiu melhorias em 12 plantas industriais de setores como siderúrgico, químico, cimento e automobilístico, o que gerou uma economia de energia suficiente para abastecer uma cidade de 60 mil habitantes por um ano, além de trazer uma redução de despesas anual de R$ 122 milhões. Agora, em sua próxima fase, serão destinados R$ 20 milhões para o desenvolvimento de projetos de eficiência energética em 24 indústrias. Na área de transportes, os biocombustíveis também compõem o pacote de soluções à brasileira para a transição energética, visto que o país tem know-how estabelecido na área desde o Proálcool, nos anos 1970, com espaço para avançar também nos biocombustíveis de segunda geração, obtidos a partir de resíduos. Essa é uma das apostas da Raízen, empresa do setor de energia que faz parte do grupo Cosan e atua em várias frentes, desde o cultivo de cana-de-açúcar para produção de etanol e biogás até a distribuição de combustíveis.

Com 35 parques de bioenergia e capacidade instalada para processar 105 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, a empresa traçou a meta de ter 80% do seu indicador de receita líquida (EBITDA) proveniente de negócios e fontes renováveis até 2030 e vem ampliando o portfólio de renováveis, que inclui, além do etanol, também o biocombustível de segunda geração (2G), eletricidade e biogás gerados a partir de resíduos da produção sucroalcooleira. A empresa foi à COP27 mostrar as vantagens dos biocombustíveis para a descarbonização da matriz de transportes.

“O etanol de 1ª e 2ª geração provenientes da cana são produtos com baixa pegada de carbono, disponíveis em escala e capazes de atuar como substitutos ou complementares aos combustíveis fósseis nas frotas de veículos e, além deles, o biogás, o biometano e até mesmo o hidrogênio poderão ser usados por diferentes setores no futuro”, diz André Valente, gerente de sustentabilidade da Raízen. Segundo ele, a cana, com 99% de seus resíduos aproveitados é uma “camaleoa” que atende não só aos anseios do presente, mas também aos desafios do futuro, em um sistema de produção que se enquadra também no conceito de economia circular.

Nesse eixo, também estratégico para indústria, a CNI elenca como prioritário o avanço dos acordos setoriais firmados no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, que estabeleceu a logística reversa para diversos segmentos da indústria, que atualmente se encontram em fases diferenciadas de implementação. Os setores de eletroeletrônicos, medicamentos, embalagens e lâmpadas ainda estão em fase de estruturar os sistemas de logística reversa, enquanto fabricantes e importadores de pneus, pilhas e baterias, baterias automotivas, embalagens de agrotóxicos e óleos lubrificantes já contam com redes de coleta mais bem estruturadas. No entanto, alerta a CNI, ainda é preciso desburocratizar o aproveitamento dos materiais recicláveis em todo o país e remover os impostos em cascata que incidem sobre o reaproveitamento dos materiais. Hoje a entidade lidera a delegação brasileira que participa da elaboração de normas técnicas sobre economia circular que estão sendo criadas pela Organização Internacional de Normatização (ISO, na sigla em inglês) e devem entrar em vigor a partir de 2023.

Mercado de carbono regulado

A criação de um mercado global de carbono também é uma das agendas defendidas pela indústria brasileira na COP27. O tema vem ganhando relevância a partir do avanço das negociações em relação ao artigo 6 do Acordo de Paris, que trata de mercados, e a partir das experiências internacionais de precificação das emissões de carbono. Atualmente, de acordo com o Banco Mundial, existem 68 regulações de precificação de carbono em 46 países, sejam de taxação das emissões ou de comércio das emissões, que hoje já cobrem 23% das emissões globais de gases de efeito estufa.

As empresas brasileiras defendem a criação de um mercado regulado no país, baseado no sistema ‘cap and trade’, em que empresas com volume de emissões inferior ao autorizado podem vender o excedente para as que lançam uma quantidade maior de gases de efeito estufa na atmosfera. O sistema estimula investimentos em tecnologias limpas, tal como acontece na Europa, que implementou seu primeiro sistema de comércio de emissões há 15 anos. Também há mercados em funcionamento nos Estados Unidos, México e Chile. A expectativa da CNI é de que, à medida em que as negociações sobre mercados de carbono avancem na COP27, o Brasil também tome a iniciativa de regular seu mercado de carbono. Algumas tentativas estão sendo feitas no Legislativo – como o PL Nº 2.148/2015, que está parado na Câmara dos Deputados, e pelo Executivo, por meio de um decreto lançado em maio deste ano- que, no entanto, não estabeleceu um mercado regulado propriamente dito.

O maior desafio do Brasil na redução das emissões, porém, está no controle do desmatamento. Segundo os dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa), lançados no início de novembro, as emissões brutas causadas por desmatamento no Brasil cresceram 20% entre 2020 e 2021. As mudanças no uso da terra, que incluem o desmatamento, são o principal vetor de emissões do país, respondendo por 49% do total emitido. A alta é fruto do aumento do desmatamento, especialmente na Amazônia. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em 2021 houve aumento de 21,9% em relação à taxa de desmatamento do período anterior, e o ano de 2022 segue a tendência, com 9,2 mil km2 de áreas sob alerta de desmatamento entre janeiro e outubro, a pior marca da série histórica.

De acordo com Bomtempo, o papel da indústria no combate ao desmatamento passa por integrar o uso sustentável da biodiversidade ao desenvolvimento de modelos de negócios inovadores e que permitam impulsionar novas cadeias produtivas, que valorizem a floresta em pé. Um dos caminhos para isso é o da bioeconomia, arranjo econômico que contempla a geração de riqueza e renda a partir do desenvolvimento de produtos derivados dos recursos da biodiversidade, por meio de tecnologias inovadoras. “O Brasil tem potencial para ser um dos maiores produtores mundiais da bioeconomia, desde bioenergia até bioplásticos, fármacos, cosméticos e alimentos baseados nos nossos biomas”, diz o gerente-executivo. O modelo é estratégico para o cenário da economia de baixo carbono, pois permite substituir fontes fósseis por recursos biológicos em diversas cadeias produtivas e gerar demanda por ativos da biodiversidade. Um estudo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) estima que a biotecnologia industrial pode agregar um incremento de US$ 53 bilhões ao PIB brasileiro nos próximos 20 anos, desde que sejam realizados os investimentos corretos em ciência e tecnologia.

Assim, políticas públicas que criem incentivos para essas atividades, aliadas a maior firmeza na fiscalização do desmatamento ilegal, podem ajudar o país a conservar as florestas com geração de empregos qualificados. Hoje, no Brasil, o setor de base florestal – que inclui majoritariamente florestas plantadas – responde por 3,5% do PIB nacional e por 7,3% das exportações totais do país, além de ser responsável pela geração de 7 milhões de empregos. Só a cadeia de restauração de florestas degradadas pode gerar entre 1 milhão e 2,5 milhões de novos postos de trabalho até 2030, segundo a organização ambientalista The Nature Conservancy (TNC).