

Hoje no Congresso Nacional diferentes iniciativas tentam solucionar a complexa situação enfrentada por empresas que inovam no setor de transportes. Sobre o tema, tramitam desde projetos de lei a Medidas Provisórias, que são promulgadas pelo Executivo mas precisam de análise do Parlamento, passando por projetos de decreto legislativo.
Um dos alvos mais importantes é a chamada norma do circuito fechado, por meio do qual uma empresa fica obrigada a ir e voltar com o mesmo grupo transportado para o local de origem, com baixíssima flexibilidade, tornando o frete mais caro em virtude da ociosidade da frota e do motorista. Este frete mais caro, faz com que o grupo transportado pague mais caro pelo serviço.
Esta regra, instituída por decreto presidencial em 1998 e replicada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) por meio de resolução em 2015, foi sinalizada como anticoncorrencial por órgão do Ministério da Economia, em parecer de 31 de janeiro deste ano. O documento recomenda a revogação de ambas as normativas.
A regra de circuito fechado determina que a empresa de fretamento de transporte, obrigatoriamente, transporte os mesmos passageiros nos trajetos de origem e destino (ida e volta), na mesma hora e data da viagem, conforme programação apresentada à ANTT. Segundo os argumentos contrários, a regra também criaria reserva de mercado artificial para o segmento, e seria incompatível com as plataformas digitais que ofertam serviços de transporte de passageiros na modalidade de fretamento colaborativo.
“O circuito fechado é um dos maiores inimigos da inovação quando falamos de transportes. Isso porque ele obriga que, numa viagem de ônibus, os passageiros da ida tenham que ser os mesmo da volta. Isso inviabiliza as linhas ofertadas pelos apps de ônibus, que hoje operam sem a segurança jurídica necessária”, argumenta o deputado Vinicius Poit (Novo-SP), autor de um dos projetos que busca modificar a regra.
Segundo o deputado, bastaria perguntar aos clientes o que eles preferem: as linhas tradicionais de ônibus ou as linhas inovadoras, com ônibus seguros e de qualidade superior. Para reverter esse cenário, ele protocolou o PDL 494/2020. Ao defender o projeto, Poit já afirmou, também, que empresas de fretamento são extremamente relevantes para a manutenção e o crescimento do setor.
“Temos previsão de votar esse projeto na Comissão nessa próxima semana [a entrevista foi feita na semana passada, logo o deputado se referia a esta semana] e caminhar com a pauta antes do recesso parlamentar”, diz o parlamentar.
Márcio Labre (PL-RJ) é outro parlamentar preocupado com a pesada regulação do setor. “A gente defende muito essa pauta porque nós estamos tratando, primeiro, de retirar o oligopólio que está há um século no mercado. É uma hegemonia de algumas empresas que controlam as principais linhas de ônibus de viagens no Brasil”, avalia. E isso tem, na análise dele, estrangulado a possibilidade de expansão do turismo pela falta de alternativa de trechos.
“Quem oferece isso são esses aplicativos que conseguem trazer usuários e consumidores que não estariam nesse mercado. Porque são preços às vezes abaixo da metade do valor de uma passagem normal, devido à racionalização e otimização de custos que os aplicativos fazem”, explica.
Labre avalia que, desta forma, o setor passa por uma expansão e isso amplia a capacidade dos negócios de turismo no Brasil. “E, por isso, nós estamos trabalhando aqui no ambiente legislativo para tirar um pouco dessas travas que a ANTT impôs. A minha proposta revoga uma portaria da ANTT que torna clandestino o fretamento por aplicativo”, resume.
De acordo com estudo publicado pela LCA Consultores em março deste ano, a derrubada da regra do circuito fechado e revisão de normas da ANTT poderia gerar um impacto positivo de R$ 2,7 bilhões no PIB. Henrique Vicente, especialista em políticas públicas da consultoria, explica que o valor foi resultado de uma hipótese de redução de 20% nos preços de viagens de ônibus com a ampliação da concorrência no setor.
“As empresas como a Buser, que ligaram tecnologia ao comércio, inovaram na prestação desse serviço e a nossa visão é de que essa mudança de regras permitiria novas formas de oferecimento dos serviços de forma mais ampla”, detalha.
Vicente explica que no estudo, foi feita uma simulação sobre quais seriam os impactos socioeconômicos a partir de um cenário de queda de preços. Essa redução de valores se daria pela entrada de novos players no mercado, aumentando a concorrência. Com a queda, estima-se a entrada de 7,8 milhões de novos passageiros transportados por ano, 63 mil novos empregos e R$ 463 milhões em impostos, calculando-se efeitos diretos e indiretos.
“O circuito fechado cria uma amarra às empresa no fretamento. A nossa avaliação é que, sem essa amarra, as empresas consigam oferecer o serviço de outras formas”, avalia Vicente.
Neste momento de retomada das atividades depois dos momentos mais duros da crise sanitária da Covid-19, esta seria uma forma de auxiliar a economia do país sem que sejam feitos investimentos diretos por parte dos governos.
No Executivo, o debate sobre o afastamento da regra do circuito fechado para fretamento de ônibus que fazem viagens em rodovias é feito na Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia (SEAE), no âmbito do programa Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial (FIARC), do Ministério da Economia.
A Buser fez questionamentos ao governo federal e o estudo produzido a partir daí aponta que a manutenção desta norma representa um ônus regulatório da ordem de R$ 1 bilhão ao ano. A discussão seguiu linha diferente da adotada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A Secretaria concordou que a regra de circuito fechado no transporte rodoviário de passageiros sob o regime de fretamento, prevista no Decreto no 2.521, de 1998, e na Resolução da ANTT 4.777, de 2015, restringe a forma pela qual o agente privado deve prestar sua atividade e a liberdade de escolha e de contratação pelo usuário do serviço, além de gerar ociosidade da frota e da mão de obra, o que gera ineficiência.
Confira as principais propostas relacionadas ao tema que tramitam na Câmara dos Deputados
1. PDL 69/2022 (derruba a portaria 27 da ANTT)
O projeto de decreto legislativo susta a Portaria 27/2022 da ANTT, de 3 de março deste ano, que padroniza o procedimento de fiscalização previsto na Resolução ANTT nº 4.287, de 13 de março de 2014. A portaria é entendida como um retrocesso, pois contradiz uma regulação aprovada recentemente e hierarquicamente superior.
A Súmula nº 11, de 2 de dezembro de 2021, define expressamente o que configura transporte clandestino de passageiros. Ela estabelece que será classificado como transporte clandestino apenas aquele realizado por pessoa física ou jurídica, sem qualquer autorização da ANTT. Havendo autorização, ainda que haja prestação do serviço em desconformidade com os limites autorizados, não estaria autorizada a aplicação da Resolução nº 4.287 de 2014.
O PDL defende que, ao publicar a Portaria nº 27, a ANTT extrapolou os limites da legalidade e da razoabilidade, uma vez que criou normas inovadoras, em contrariedade ao disposto nas Resoluções e na Súmula recentemente aprovada e publicada pela Agência. Observa-se que enquanto a Súmula nº 11 restringe o conceito de transporte clandestino de passageiros a apenas aquele realizado sem qualquer autorização, em conformidade com o disposto na Resolução nº 4.287 de 2014, a Portaria nº 27 de 2022 elenca cerca de 10 hipóteses de supostas infrações que se caracterizariam como transporte clandestino. Assim, a portaria da ANTT, contraria ato normativo hierarquicamente superior, o que a torna ilegal.
“A Portaria, que se pretende ver sustada, exorbita seu poder regulamentar, infringe normas superiores e traz consigo a potencialidade de prejudicar todo o setor de transporte coletivo rodoviário de passageiros com interpretações indevidas daquilo que está previsto na legislação vigente. Dessa forma, com o objetivo de evitar a indevida aplicação de sanções às empresas submetidas à regulação e fiscalização da ANTT, conto com o apoio dos nobres Deputados para SUSTAR a Portaria 27, de 03 de março de 2022, da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.”
O deputado Rodrigo Coelho (Podemos-CE), relator da matéria na comissão de Viação e Transportes, deu parecer favorável à ideia de sustar a portaria. Em 8 de junho, integrantes da comissão pediram vista conjunta.
2. PDL 494/2020 (revoga o decreto 2521/98 – Circuito Fechado)
O Projeto de Decreto Legislativo 494, de 2020, permite que empresas de fretamento de ônibus possam atuar no transporte rodoviário interestadual de passageiros sem a limitação do circuito fechado, ou seja, sem a exigência de transportar um mesmo grupo de pessoas em datas predefinidas em trajetos de ida e volta. O texto, que tramita na Câmara dos Deputados, anula dispositivos do decreto que regulamenta a exploração de serviços de transporte rodoviário interestadual (Decreto 2.521/98).
Segundo estudo de 2017 da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), citado no projeto, 75% das empresas de fretamento brasileiras possuíam até 10 veículos e 61% possuíam até cinco. O mesmo estudo apurou que 57% dos empresários atribuíam a ociosidade primariamente aos entraves regulatórios e burocráticos.
O PDL 494/20 está na Comissão de Viação e Transportes, aguardando o parecer do relator da proposta, deputado Carlos Chiodini (MDB-SC). ele chegou à comissão em novembro do ano passado. Depois de votada lá, segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e, na sequência, vai para apreciação do plenário.
3. PL 148/2020 (pessoas físicas no transporte rodoviário)
O Projeto de Lei 148/2020, de autoria de Abou Anni (PSL-SP), permite que pessoas físicas prestem serviços de transporte rodoviário interestadual de passageiros em regime de fretamento mediante autorização do Poder Executivo. O texto altera a lei que criou a ANTT (Lei n° 10.233/01). Hoje, esse tipo de transporte só pode ser prestado por empresas que ofereçam linhas regulares, também mediante autorização.
A ideia é que liberar o oferecimento do serviço a pessoas físicas retiraria o maior entrave para a ampliação da concorrência no setor. O projeto será analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Viação e Transportes; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
4. PL 744/2022 (suprime do ordenamento a regra do “circuito fechado”)
O Projeto de Lei 744/2022, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), altera a Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria a ANTT e outros órgãos. O PL ressalta que a demanda atendida pelo fretamento não é necessariamente a mesma atendida pelo transporte rodoviário, que está sujeito à tutela estatal para garantia da generalidade, regularidade e continuidade sobre a frequência mínima por mercado estabelecida pela ANTT.
A regra do circuito fechado, segundo o PL, pode ser considerado um grande gargalo para o turismo, porque deixa de absorver um usuário que deseja viajar com a possibilidade de paradas no percurso para a visitação de atrativos turísticos, mas que não quer se submeter ao modelo da excursão, por meio do qual está obrigado a fazer o mesmo caminho na volta.
A proposta visa, portanto, suprimir do ordenamento a regra do circuito fechado, com o objetivo de reduzir o fardo regulatório para o setor de transporte rodoviário não regular, bem como diminuir o preço do frete para estímulo do turismo e contribuir com a redução das tarifas do transporte regular.
5. Medida Provisória 1101, de 2022 (Estabelece medidas emergenciais que atenuam os efeitos da crise nos setores de turismo e cultura)
A Medida Provisória (MP) prorroga em mais um ano a possibilidade de remarcar viagens, serviços e eventos culturais e de turismo impactados pela pandemia da Covid-19. A matéria foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados no dia 1° deste mês e, então, enviada ao Senado Federal para análise. Na última quarta-feira (8/6), a Casa revisora também aprovou a MP. Como não houve alteração no texto aprovado na Câmara, o projeto de lei de conversão segue para sanção presidencial. Com a aprovação da MP, as medidas emergenciais aprovadas em 2020 para aliviar o setor cultural e de turismo causados pela crise sanitária mundial continuarão em vigor até 31 de dezembro de 2023.
Pelo texto, não há necessidade de ressarcir o consumidor por eventos adiados ou cancelados por causa da Covid-19, desde que seja possível remarcar ou que seja dado um crédito para uso futuro. Esse crédito terá prazo de 12 meses para ser usado, até dezembro de 2023. Caso a empresa não consiga remarcar nem dar o crédito ao consumidor, aí sim deverá fazer o ressarcimento.
6. Medida Provisória n° 1112, de 2022 (MP-Programa Renovar)
Institui o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no país, o Renovar. Um dos objetivos do projeto é tirar de circulação veículos no fim da vida útil e promover a atualização progressiva dos equipamentos. A matéria foi publicada em 1º de abril no Diário Oficial da União e prevê ações como desmonte ou destruição de veículos como sucata; redução dos custos de logística; inovação e criação de novos modelos de negócios; e melhoria da qualidade de vida dos profissionais de transporte. O programa pretende ainda contribuir para o alcance das metas previstas no Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans).
A Comissão Mista da MP 1112 teve o prazo de deliberação da matéria ampliado em 60 dias e, assim, tem até 11 de agosto, somando o recesso parlamentar, para apresentar o resultado. Foram apresentadas 79 emendas à medida provisória.