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Em parecer, MPF defende novos modelos no mercado de viagens rodoviárias

Procuradora diz que livre iniciativa ajuda no desenvolvimento econômico. Texto é favorável às operações da Buser em Minas

Foto: Unsplash

Um parecer do Ministério Público Federal (MPF), divulgado no fim de maio, dá mais um passo na construção da jurisprudência favorável às novas tecnologias no mercado de viagens rodoviárias no Brasil. No documento, a procuradora regional da República Cristiana Koliski Taguchi endossou a legalidade e a manutenção das operações da Buser em Minas Gerais, além de ressaltar que não há lugar para o monopólio ou exclusividade do regime público. 

Ela destacou que a garantia à livre iniciativa, ao livre exercício da atividade econômica e à defesa do consumidor “favorecem o desenvolvimento de novos modelos de negócio”, que seriam capazes de conceder maior efetividade a esses princípios. O parecer foi dado no âmbito de uma ação na Justiça Federal da 6ª Região que opõe a Buser a empresas do transporte rodoviário. 

A manifestação do MPF ocorre em momento crucial para o debate público sobre a evolução do sistema de transportes rodoviários de passageiros. Ao mesmo tempo em que empresas de tecnologia como a Buser (a maior plataforma intermediadora de viagens rodoviárias do Brasil) crescem e possibilitam que milhões de pessoas passem a viajar pelo país, as discussões jurídicas e regulatórias sobre como tratar esses novos modelos avançam.

Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é constitucional o regime de autorização para a outorga dos serviços de transporte regular de passageiros nos âmbitos interestadual e internacional (TRIP). O entendimento foi tomado no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5.549 e 6.270. 

Para o Supremo, o modelo de autorização de linhas em contraponto ao de licitação aumenta a eficiência do serviço prestado à população. Assim, fica aberto o caminho para a necessária abertura de mercado no setor de transporte de passageiros no Brasil. 

“Estamos diante de uma legislação que procurou enfrentar o regime de monopólio, facilitando o acesso ao mercado, a entrada no mercado. Porque quando você exige licitação, você dificulta a entrada no mercado”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, durante seu voto. Ele completou dizendo que a intenção da outorga de serviços é favorecer o consumidor, e não a empresa prestadora responsável pelo transporte.

Jurisprudência nos estados 

Avanços ocorrem não apenas no Supremo, mas também em tribunais de segunda instância. Nos últimos anos, foi criada uma jurisprudência favorável aos novos modelos de intermediação de fretamento, em ações favoráveis à Buser ou a empresas de fretamento que operam por meio de plataformas tecnológicas, incluindo decisões em vários estados, como Sergipe e Santa Catarina.

No final de 2020, por exemplo, decisão da 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou sentença em favor da Buser em ação contra o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Setpesp). “A atividade empresarial desenvolvida pela Buser não se caracteriza como de transporte, mas de intermediação entre passageiros-consumidores e prestadores de serviço”, afirmou na ocasião o desembargador Franco de Godoi, relator do processo. 

A plataforma, disse o desembargador, “não provoca qualquer concorrência desleal, sendo certo que o sindicato almeja unicamente a reserva de mercado e a restrição injusta da atividade econômica da Buser”. 

Também em São Paulo, uma outra vitória na Justiça: em ação movida pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Fetpesp), a desembargadora Maria Laura Tavares, da 5ª Câmara de Direito Público, confirmou, em um julgamento de agravo, que seria descabida a concessão de liminar para proibir a operação do aplicativo no estado. Na decisão, ela afirmou também não vislumbrar qualquer ilegalidade na intermediação do transporte fretado.

Já em 2021, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou um recurso do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários Intermunicipais (Sinterj), que queria suspender as atividades da Buser no estado, liberando as operações das empresas de fretamento em viagens intermunicipais. Assim, mais uma tentativa de manter a concentração de mercado foi derrubada. 

Há dois meses, no mesmo caso, o desembargador André Ribeiro, da 6ª Câmara de Direito Público, suspendeu a decisão de primeira instância, que, em janeiro, havia proibido a intermediação do transporte de passageiros em viagens intermunicipais pela plataforma, até o julgamento do recurso de apelação.

Ao se referir ao “fretamento colaborativo” oferecido pela Buser, no qual a plataforma digital forma grupos de viajantes que dividem o custo do frete do ônibus, o magistrado ressaltou que o modelo “não se enquadra completamente nos serviços de transporte coletivo e nos de fretamento”.

A tentativa de impedir a liberdade de escolha dos viajantes para manter o oligopólio foi derrotada também no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que decidiu no mesmo sentido, liberando as operações de fretamento colaborativo em viagens interestaduais partindo do Rio de Janeiro. 

Em julho do ano passado, foi a vez da Justiça do Espírito Santo dar ganho de causa à Buser. A sentença foi favorável à Buser e a duas empresas de fretamento parceiras, em uma ação movida pela Viação Águia Branca. O juiz Marcelo Pimentel, da 10ª Vara Cível de Vitória, destacou que a imposição da regra do circuito fechado ao transporte por fretamento fere autonomia e liberdade de locomoção dos consumidores.

Também em 2022, foi a vez de o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmar a decisão que revogou uma liminar que proibia a Buser de atuar em território catarinense, em ação movida pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Santa Catarina (Setpesc). Em março deste ano, a 2ª Câmara de Direito Público confirmou, por unanimidade, decisão monocrática de 2022 que permitia a atuação, reforçando a legalidade do modelo.

Neste ano, mais decisões no mesmo sentido. Liminar da 17ª Vara Cível Federal de São Paulo impediu a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de realizar apreensões e autuações de viagens da empresa Natal Turismo intermediadas por plataformas de tecnologia, sob alegações de suposto transporte clandestino de passageiros. 

Já decisão da 21ª Vara Cível de Aracaju reconheceu a legalidade do modelo de negócios da Buser, negando pedido da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados de Alagoas e Sergipe (Fetralse) para proibir as operações da plataforma digital que conecta viajantes com empresas de fretamento.

Mercado bilionário

O mercado de transporte rodoviário de passageiros no Brasil movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano. A demanda é grande, principalmente em tempos de dólar alto e passagens áreas explodindo. Contudo, o setor ainda é muito concentrado, com poucos grupos econômicos detendo as principais rotas. 

Dados da ANTT mostram que, em 2021, em 73% dos trechos interestaduais no Brasil havia apenas uma empresa operando. Assim, na prática, na ampla maioria dos trechos os usuários tinham apenas uma opção de serviço para viajar. 

Em contrapartida, movimentos recentes em prol da abertura do mercado, como a chegada de plataformas ao mercado brasileiro, mostram como a entrada de novos competidores começa a ser sentida no bolso dos usuários, puxando os preços para baixo e ajudando a democratizar o setor. 

Uma pesquisa do CheckMyBus, plataforma internacional de pesquisa de passagens de ônibus, concluiu que, entre 2019 e 2021, as passagens tiveram uma redução que varia de 38% (entre Brasília e São Paulo) até 61% de queda, na linha que liga Belo Horizonte à capital paulista. Outra pesquisa deste mesmo site mostrou que, quanto maior a concorrência, mais os preços caíram na comparação com o período pré-pandemia mesmo com a alta dos combustíveis em 2022.

O parecer do MPF favorável à atividade da Buser em Minas Gerais foi uma resposta às apelações da ANTT e do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Minas Gerais (SINDPAS) contra uma decisão da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas. 

O juiz federal Ricardo Machado Rabelo havia, em maio de 2022, confirmado a legalidade do modelo de negócios da startup. Também determinara que a ANTT e o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG) “se abstenham de criar qualquer óbice, impedir ou interromper” viagens de ônibus intermediadas pela plataforma “sob o fundamento de prestação clandestina de serviço público ou qualquer outro que extrapole a regular fiscalização de trânsito e segurança”. 

Em um dos trechos do parecer, citando a regra do circuito fechado norma vigente na regulamentação federal que obriga empresas fretadoras a transportar o mesmo grupo de passageiros na ida e na volta de uma viagem a procuradora regional Cristiana Koliski Taguchi afirma que a imposição dessa norma à atividade de fretamento colaborativo “revela abuso de poder regulatório”. 

Também diz que ela cria reserva de mercado em prejuízo aos concorrentes.  “Isto é, impede-se a entrada de novos competidores por meio da exigência de especificações técnicas desnecessárias, com o que se bloqueia a inovação e a adoção de novas tecnologias e modelos de negócios”, salienta Taguchi. 

Como o MPF pontua no parecer, “o ordenamento jurídico impõe o reconhecimento da licitude da atividade de fretamento colaborativo, cabendo ao Poder Judiciário prestigiar a liberdade econômica e a inovação nesse caso”. 

Em meio debate em torno da abertura do mercado, e de uma jurisprudência que se firma favorável aos novos modelos, é aguardado o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei estadual 2.3941, aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2021 para limitar o transporte por ônibus fretado e vans. O julgamento deve dar uma resposta sobre a manutenção do modelo antigo, que não beneficia os usuários, ou ao incentivo à competitividade nesse mercado. 

O processo com parecer da procuradora regional da República Cristiana Koliski Taguchi tramita sob o número 1027611-88.2020.4.01.3800 no TRF6.