Fake news e eleições

O desafio do combate à desinformação e da garantia da liberdade de expressão

Fake news nas eleições de 2022 demandarão agilidade para retirada de conteúdos em equilíbrio com status político

fake news e eleições
Fila para votar / Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Está dado que as eleições de 2022 têm risco de serem um terreno fértil para a disseminação de desinformação pelas redes sociais. A capacidade que as notícias fraudulentas têm de alterar resultados e, assim, fragilizar o sistema democrático ainda está em discussão. Além disso, é preciso garantir que ações para prevenir e combater o problema sejam equilibradas com a liberdade de expressão.

Para discutir o que está em jogo quando se trata de liberdade de expressão, a Casa JOTA, com patrocínio do Google, realiza uma série de eventos até sexta-feira (12/11). Nesta terça-feira (9/11), foi a vez do webinar “Fake news e eleições: os impactos na liberdade de expressão“. Na quarta-feira, a partir das 10 horas, o tema é “Moderação de conteúdo por plataformas: a discussão no Legislativo“.

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enfrenta a possibilidade de a desinformação, especialmente com o compartilhamento massivo de fake news sobre o sistema eleitoral, fragilizar o próximo pleito e até colocar resultados em xeque. A Corte tem se preparado para tomar ações com agilidade com o fim de evitar isso.

Dois julgamentos de outubro são vistos como um adiantamento dessa atuação: a absolvição da chapa Bolsonaro-Mourão por disparos em massa e a cassação do deputado Fernando Francischini (PSL-PR) por propagar informações falsas contra as urnas eletrônicas.

“Não há dúvida de que essa decisão foi uma declaração. O ministro Alexandre de Moraes foi muito claro em dizer que quem fizer sofrerá consequências”, disse Henrique Neves, advogado e ex-ministro do TSE. “A intervenção só pode se dar no fato que é sabidamente falso para não tolher opinião. É muito difícil saber exatamente se a desinformação influenciou o voto, por isso se analisa o potencial de impacto nos resultados”.

Segundo o ex-ministro, a jurisprudência do tribunal já lidava com informação falsa para influenciar a política, mas as redes sociais impõem desafios sobretudo quanto à capilaridade dela. “A maioria da desinformação vem com um fato verdadeiro, e se faz interpretação de forma errônea, dissimulada. É preciso saber o alcance. Quando falávamos do uso indevido dos meios de comunicação, um dos critérios era saber a tiragem do jornal, por exemplo”, afirmou.

Diferentemente da opinião, garantida pela liberdade de expressão, desde que vedado o anonimato e resguardados outros direitos, a desinformação teria fácil comprovação. “A partir do momento em que se começa a imputar fatos concretos, que podem facilmente ser comprovados como uma falsidade, entramos no terreno de fake news”, observou o ex-ministro.

As fake news ganharam novos formatos e maneiras de como se disseminam – se no passado, Twitter e Facebook tinham mais espaço, agora o WhatsApp e o Telegram se tornaram preferenciais para a disseminação. As mudanças tornam o combate difícil pela própria forma como os conteúdos são compartilhados. “Hoje, a desinformação tem um revestimento de ser uma informação interna, de alguém que sabe mais sobre algo”, explicou Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e professor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

“Um mantra é que se combate notícia falsa com mais informação, mas ele tem como obstáculo o design das plataformas, quando a informação não chega a esses usuários [impactados pelas notícias falsas] somente com uma central de notícias confiáveis”, questionou. Para lidar com este problema, seria preciso etiquetar conteúdos com informação falsa direcionando para notícias verdadeiras e observar surtos de desinformação em certos grupos, por exemplo.

Nesse sentido, uma preocupação é com o modelo de moderação de conteúdo adotado. “É preciso garantir debate amplo de ideias, mas as plataformas precisam ter agilidade para atuar contra um candidato que não respeitar resultados e incitar a violência, como aconteceu em janeiro nos Estados Unidos”, disse Affonso. Para ele, a atuação deve ser em modelo de emergência, quando não é possível obter decisão judicial a tempo. “A moderação funciona como primeiros socorros, mas o controle por parte do Poder Judiciário sempre deve existir”, completou.

Atualmente, os sites e páginas das redes sociais oficias dos candidatos não podem ser derrubadas pelos provedores sem ordem judicial, conforme explicou Henrique Neves. “Pela legislação, há essa barreira. No passado, as redes não queriam decidir, porque há a dúvida sobre como particulares podem influenciar e tolher essa ou aquela manifestação de pensamento”, pontuou.

Além das proteção à honra ou contra discurso de ódio, no campo eleitoral a liberdade de expressão pode se chocar com os próprios direitos políticos. “Por um lado, a liberdade de expressão é importante para a democracia porque ajuda na formação do caldo informacional. Assim, quando percebemos que há ruídos que atrapalham, haveria legitimidade para restringir o que gera ruídos”, disse Clarissa Gross, coordenadora da Plataforma de Liberdade de Expressão e Democracia (PLED) da FGV Direito São Paulo.

“A liberdade de expressão seria uma forma de proteger o direito de voz, assim como não tiramos o direito de voto das pessoas se consideramos que elas votem mal. Se consideramos que os dois têm o mesmo status político, se torna mais difícil limitar”, afirmou. Porém, segundo ela, isso não significaria que nada possa ser feito, especialmente quando o discurso gera danos.

Desse modo, o caminho seria observar o contexto e os objetivos da desinformação. “Poderíamos dizer que é diferente um cidadão comum postar na rede social dele que as urnas estão fraudadas fora do período de eleições, de alguém que participa da estrutura política, sobretudo no momento em que se percebe que há um perigo para as instituições”, afirmou. “Não se trata de controle da verdade, mas uma iniciativa de manutenção do bom funcionamento institucional”.

Inclusive, quando se fala de combate à desinformação a discussão não gira em torno de perseguir e mitigar mentiras, mas, sim, de prevenir potenciais danos. “Deveríamos considerar que as fake news são um problema jurídico quando se busca lesionar. Não há o dever de falar a verdade no Direito. As fake news têm as próprias vítimas as disseminando, e como sairemos punindo essas pessoas?”, apontou Diogo Rais, cofundador do Instituto Liberdade Digital e professor do Mackenzie.

“A legislação deveria olhar para a disseminação em massa, com potencial de dano, e não discutir se é mentira. Temos olhado pouco para os intermediários, que são quem produz e dissemina”, afirmou. Rais desconfia da necessidade de a desinformação ser tratada no âmbito penal. O professor Carlos Affonso de Souza vai pelo mesmo caminho. “Mais interessante seria pensar nos deveres que devem ser cumpridos por políticos e eleitores. Erramos na calibragem ao apostar em crime de desinformação”, disse.

Assista ao debate: