Limites territoriais

Liberdade de expressão nas redes e as divergências jurídicas entre países

Diferentes interpretações sobre o direito estão se somando a novas legislações locais para moderação de conteúdo

liberdade de expressão nas redes
Crédito: Pexels

Como o fluxo de informações na internet tenha rompido as fronteiras entre os países, empresas, cidadãos e os próprios Estados enfrentam novos desafios relacionados à jurisdição de conflitos no meio virtual e os efeitos das decisões envolvendo a liberdade de expressão. Embora países democráticos sigam alguns princípios em comum, também há inúmeras regras próprias em cada um deles.

Nesta semana, a Casa JOTA discutiu conflitos atuais para liberdade de expressão em uma série de eventos com patrocínio do Google. Nesta sexta-feira (12/11), o webinar “Limites territoriais da jurisdição na internet“ encerrou o evento. Todos os painéis estão disponíveis para serem assistidos no canal do JOTA no YouTube.

Internacionalmente, há garantias que devem reger os países que as ratificaram, especialmente quando se tratam de democracias. É o caso da liberdade de expressão, presente em diferentes tratados, incluindo a Declaração Universal de Direitos Humanos, um dos primeiros documentos do tipo. Porém, esse direito é interpretado de diferentes formas e os Estados podem ter regras e instrumentos distintos para garanti-lo.

As redes sociais reviram noções anteriores e impõem novos desafios, sem ainda superar conflitos anteriores. “A dificuldade de jurisdição para a internet é um problema de resolução de conflitos e de poder. Não se trata apenas de a rede transcender limites”, disse Flávio Luiz Yarshell, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “As discussões clássicas sobre quem dá a palavra final são renovadas. Hoje, são disputas de Estados versus plataformas e de Estados versus Estados”, resumiu.

As dificuldades em delimitar a competência das jurisdições para atuar em relação a um dano causado por meio da internet estariam, em certa medida, resolvidas pelos territórios. “Mas quem deve ser afetado pela remoção de conteúdo por ordem judicial? Apenas acessos oriundos do Estado em que se tomou a decisão”, observou Francisco de Mesquita Laux, doutor em Direito Processual pela USP.

A questão é que, como lembra a advogada Amanda Smith Martins, sócia do escritório Smith Martins Advogados, cada ordenamento jurídico pode tratar as mesmas questões de formas diferentes. “Se todos os direitos materiais fossem iguais, pouco importaria qual tribunal tomou a decisão”, apontou. “A efetividade se relaciona com o reconhecimento estrangeiro, como uma decisão brasileira sendo aceita nos Estados Unidos, que tem outro entendimento sobre liberdade de expressão.”

O contrário também poderia ocorrer, porque há disposições na legislação brasileira permitindo que não se cumpra ordens com regras divergentes às nossas. É o caso do direito ao esquecimento, existente na União Europeia, e que não há no Brasil, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesse sentido, além dos ordenamentos nacionais sobre liberdade de expressão e suas limitações, mais recentemente países têm aprovado regras próprias para lidar com abusos no compartilhamento de conteúdo via redes sociais. Ponto comum é o regramento a ser seguido pelas empresas na moderação de conteúdo. “O Brasil precisa entender onde ele quer ficar, se ao lado de países nos extremos, ou pensar no usuário”, afirmou Solano de Camargo, doutor em Direito Internacional e sócio do Lee, Brock e Camargo Advogados, em São Paulo.

De acordo com Camargo, em levantamento próprio sobre a situação global, ao menos 48 países tentam regular as redes sociais desde 2019. No mesmo período, 24 Estados aprovaram ou submeteram propostas de moderação de conteúdo. “Na Turquia, se exige representação legal das empresas. A Índia quer que qualquer rede social com 5 milhões de usuários tenha ao menos três representantes no país, com até 36 horas para a retirada de conteúdo, sob pena de multa ou prisão. Na Austrália, o conteúdo abusivo deveria ser retirado em 24 horas”, exemplificou sobre legislações que visam ampliar a moderação.

Por outro lado, há propostas que buscam proibir a remoção pelas plataformas, como na Rússia e no México. Além disso, 36 Estados visam a proibição da criptografia de ponta a ponta, usada em tecnologias como a do WhatsApp para manter sigilo. “Estamos em uma era da hiper-regulação”, disse Solano. “Quanto mais se deixar a internet amarrada, há o risco de os usuários continuarem fazendo postagens, mas na deep web”, afirmou Solano.