Empreendedorismo

Veja 4 medidas sugeridas ao governo Lula em prol do pequeno negócio no Brasil

Aumento do teto do faturamento, mais crédito, impostos mais simples e incentivo do governo são demandas do setor

Propostas de reforma tributária aumentam a desigualdade de gênero, defendem pesquisadoras
Mulher em comércio de Cuiabá, em Mato Grosso / Crédito: Christiano Antonucci/Secom-MT

O novo governo Lula, que tomou posse oficialmente no dia 1º de janeiro, terá como um dos principais desafios na área econômica impulsionar as micro e pequenas empresas, que são uma das principais forças-motrizes do país. 

Os pequenos negócios, que em 2022 chegaram ao número de 20,6 milhões no país, são responsáveis por 30% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Sebrae. Além disso, os Microempreendedores Individuais (MEI), Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte, que representam atualmente 99% de todas as empresas do Brasil, foram responsáveis pela criação de 72% dos empregos criados no país durante o primeiro semestre de 2022. 

Apesar do impacto positivo gerado pelos pequenos empreendedores para o país, são notórias as dificuldades que atravancam os negócios no dia-a-dia, como a complexidade tributária, regras obsoletas nos limites de contratação e faturamento e dificuldade na obtenção de crédito.  

Uma das primeiras medidas já tomadas pelo novo governo, que deve auxiliar o setor, foi a recriação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que será o responsável pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa e Empreendedorismo.

Para o gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Silas Santiago, com a volta do status de ministério da pasta, a expectativa é que o setor produtivo, junto com entidades como as confederações de agricultura, indústria e comércio (CNA, CNI e CNC, respectivamente) e o próprio Sebrae, fortaleça o diálogo para destravar pautas voltadas aos pequenos negócios. “Com o MDIC forte, nós que cuidamos do desenvolvimento esperamos que a interlocução melhore”, diz Santiago.

A reportagem conversou com especialistas e enumerou quatro pontos que devem ser observados pelo novo governo Lula para incentivar e apoiar as micro e pequenas empresas.

  1. Política pública de crédito para o setor

A dificuldade de obtenção de crédito é um dos maiores gargalos do setor. De acordo com uma pesquisa do Sebrae, publicada no final de dezembro, 61% dos donos de pequenos negócios recorreram a empréstimos como pessoa física para investir na empresa. É a  primeira vez que esse número ultrapassa o de empréstimo para pessoas jurídicas de MEI e demais MPEs.

Uma das explicações para este fenômeno é que o crédito pessoal, apesar de ter juros mais elevados, é mais fácil de ser contratado, afirma Pedro Rigo, vice-presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais (Conampe). “A taxa mais elevada sufoca e impede o melhor desenvolvimento dos pequenos”, afirma Rigo, que acrescenta que o Pronampe, programa de crédito voltado ao setor e criado durante a pandemia, precisa virar política pública de crédito. 

“Não vai ser fácil, mas seria a solução ideal”, reforça Silas Santiago, do Sebrae, sobre a necessidade de o Pronampe contar com recursos permanentes. Hoje os recursos que estão no FGO/Pronampe são do orçamento extraordinário, e terão que começar a serem devolvidos a partir de 2025.

Santiago aponta ainda duas medidas para melhorar o crédito. A primeira seria segmentar o Pronampe, de forma a não deixar na mesma cesta os empreendedores de portes diferentes. A segunda é criar uma espécie de “Plano MPE” que, à semelhança do “Plano Safra”, ofereça funding para créditos subsidiados pelo menos para as microempresas, com juros equalizados.

Os pequenos empresários também devem ficar de olho aberto para as novas oportunidades de linhas de crédito, que foram destacadas pelas novas presidentes dos dois bancos públicos, a Caixa e o Banco do Brasil. “Quem tem MEI tem que estar atento para as ofertas de crédito voltadas à reindustrialização, ao empreendedorismo regional e inovação”, afirma Johan Hendrik Poker Júnior,  professor do programa de pós-graduação em Administração da Unicamp. “Pequenas empresas de cidades menores, em localidades com dificuldades financeiras e maior demanda, deverão ter preferência de crédito com taxas de juros mais baixas”, complementa.

  1. Simplificação tributária

A complexidade tributária do país é outro entrave para os pequenos empreendedores, que gastam tempo e esforços para lidar com regimes diferenciados de tributação entre Estados, como no caso do ICMS.

No Congresso, há projetos voltados que podem ajudar a enfrentar essa questão, como o PLP 127/2021, que aumenta as margens para enquadramento no Simples Nacional e dá liberdade para os estados escolherem os limites do ICMS, e a PEC 110/2019, que simplifica os impostos sobre o consumo. 

“Principalmente o PLP 127, que altera o limite do Simples para R$ 5,7 mi, passou a ser um projeto prioritário para os pequenos negócios”, diz o gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Silas Santiago. Ele explica que, mais importante do que o aumento do limite é a diminuição do imposto inflacionário que os pequenos negócios pagam sem a correção da tabela do Simples.

A maior expectativa, no entanto, é sobre uma possível reforma tributária do governo Lula. O Ministério da Fazenda encarregou como secretário especial o economista Bernard Appy, conhecido por defender a criação de um imposto único de consumo, chamado de IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

“Um tributo único de circulação de mercadorias e serviços vai simplificar muito o sistema, porque a complexidade tributária é uma das precariedades para as empresas crescerem”, explica Johan Hendrik, da Unicamp. “O obstáculo começa quando o empreendedor quer sair do regime de MEI. Ele começa a ter um faturamento saudável, a sonhar em profissionalizar a empresa, mas é aí que esse mecanismo tributário pesa, porque não é uma questão simplesmente financeira, é de entravar o modelo de negócio”, explica. O professor cita pequenas empresas do setor de tecnologia e de transações financeiras como exemplos de negócios que possuem grande potencial, mas que esbarram na complexidade do sistema de impostos brasileiro.

Pedro Rigo, do Conampe, menciona também a grande burocracia para abertura e fechamento de negócios no Brasil. Além disso, ele reforça que o tratamento diferenciado dado aos pequenos negócios, garantido pela Constituição, deve ser garantido pelo novo governo. “Muitas vezes, esse tratamento cai na discussão orçamentária como renúncia fiscal. Não pode ser assim”, diz. 

  1. Aumento dos limites de faturamento e de contratação de funcionários para os MEI

Uma das mudanças mais aguardadas, principalmente pelos microempreendedores individuais, é o aumento nos limites do faturamento para o enquadramento na categoria, que está em R$ 81 mil desde 2018. 

Atualmente, a mudança já está prevista em uma proposta em tramitação no Congresso. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2021 prevê o aumento da receita bruta anual dos MEI para R$ 130 mil. Porém, um parecer aprovado em comissões da Câmara e que pode ir a plenário aumenta este limite para R$ 144,9 mil anuais, além de fazer mudanças nas margens de ME e PPE.

Outro ponto previsto pela matéria é a liberação de contratação de dois funcionários para cada MEI. Hoje, um microempreendedor individual só pode contratar um empregado.

O projeto já foi aprovado pelo Senado e aguarda aprovação pela Câmara para ser sancionado. Outro ponto do texto é a previsão de um reajuste anual dos tetos a partir de 2024, utilizando a inflação como base para o aumento dos futuros limites.  “Esse limite não condiz com a realidade, nem com o acúmulo da inflação”, diz o vice-presidente do Conampe, Pedro Rigo. Segundo ele, prever reajustes anuais facilita a “queda de braço” e a “maratona” pelas quais o setor precisa passar toda vez que quer discutir um novo aumento nos tetos. 

Já Silas Santiago, do Sebrae, diz que a articulação parlamentar é necessária e que a indexação geraria efeitos ruins para a economia. “É um efeito inercial, que não é bom. O ideal é que não tenha indexação, que a inflação seja baixa”, defende.

  1. Melhorar o ambiente de negócios 

Incentivar a participação das micro e pequenas empresas na economia, de uma forma geral, também é um dos pontos que, segundo os especialistas, merece atenção do novo governo. Mas para isso tudo dar certo, é preciso que a situação macroeconômica também melhore, o que significa juro básico mais baixo, aliado a uma menor inflação e a um câmbio mais baixo. 

O dólar mais baixo em relação ao real, por exemplo, pode ajudar as micro e pequenas empresas a importar produtos e insumos por custos mais baixos. Parcerias bilaterais entre países também podem impulsionar alguns negócios.

Em dezembro, o gabinete de transição do governo Lula já havia sinalizado a criação de consórcios de microempresas para vendas de serviços e produtos no exterior. Segundo o professor da Unicamp Johan Hendrick, no entanto, o movimento contrário, de importação, também é importante – principalmente com países da América Latina, o que deve ser o foco do governo Lula. 

Ele cita o caso dos insumos para cervejarias artesanais, que encareceram com a Guerra na Ucrânia, grande produtor de cevada, mas que continuam tendo preço mais baixo em países como a Argentina.

Para Silas Santiago, gerente de Políticas Públicas do Sebrae, reformas e medidas do novo governo são importantes e integralmente apoiadas pela entidade. “Política pública é uma política de Estado. Todo novo governo que entra tem que aproveitar as oportunidades para trazer reformas estruturantes. Vamos estar juntos, dando subsídios, dizendo o que os pequenos negócios precisam”, conclui ele. 

 

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