Empreendedorismo

Ter o selo de Indicação Geográfica pode elevar o valor do produto em até 50%

Estimativa do INPI corrobora casos reais de valorização, como do queijo da Canastra; Brasil tem 100 IGs

Indicação Geográfica
Os vinhos tintos, brancos e rosé da Campanha Gaúcha receberam o selo de indicação geográfica em 2020, pela qualidade do produto feito na região. Crédito: Agência Brasil

O Brasil alcançou, em dezembro, a marca de 100 Indicações Geográficas brasileiras reconhecidas pelo  Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) após chancelar o Litoral Norte do Paraná para o barreado, prato típico de carne do estado. A Indicação Geográfica (IG) garante o selo de um produto ou serviço como originário de um local, região ou país. É assim, por exemplo, com a região de Champagne, que só pode ser usada por espumantes produzidos na região de Champagne, na França, e com o vinho do Porto, em Portugal. 

No Brasil, o reconhecimento de uma Indicação Geográfica se dá na forma de um registro concedido pelo INPI aos produtores e prestadores de serviços instalados na área geográfica delimitada. “Queijo da Canastra, calçados de Franca, melão de Mossoró, mármore de Cachoeiro do Itapemirim, panelas  de barro de Goiabeiras no Espírito Santo são alguns exemplos de produtos originários de Indicações Geográficas reconhecidas”, cita Fernanda Picosse, advogada e sócia do IPlatam Marcas e Patentes.

Baseado em estudos nacionais e internacionais, o INPI estima que, a partir do momento em que o produto recebe o selo, o seu valor tem uma elevação média entre 20% e 50%. Essa valorização pode ser bem maior. Para se ter uma ideia, o socol (embutido de lombo suíno) de Venda Nova do Imigrante (ES), que tem IG desde 2013, acumula valorização do preço em 535%. Já o famoso queijo da Canastra, da Serra da Canastra (MG), que tem IG desde 2012, contabiliza valorização de 214%.

“A Indicação Geográfica é um ativo de propriedade intelectual definido na Lei de Propriedade Industrial 9.279, de 14 de maio de 1996, que protege um nome geográfico com base na sua reputação, ou seja, que tenha se tornado conhecido em produzir determinado produto ou serviço ou no vínculo que uma área geográfica delimitada apresenta com a qualidade ou características de um determinado produto ou serviço”, explica Hulda Giesbrecht, analista de inovação do Sebrae Nacional. 

Hoje, as indicações geográficas brasileiras envolvem 64 produtos agroalimentares, 20 produtos não-agroalimentares, como calçados de Franca ou a renda do Cariri Paraibano; 15 vinhos e destilados e um serviço, beneficiando cerca de 150 mil pequenos negócios e mais de 2.000 municípios. Os produtos com mais Indicações Geográficas no Brasil são: café (14), artesanato (12), vinhos ou espumantes (12) e frutas (13).

Indicação de procedência e denominação de origem

A Indicação Geográfica compreende duas espécies: a Indicação de Procedência (baseada na reputação) e a Denominação de Origem (baseada na comprovação do vínculo do produto com o meio geográfico).  

A Denominação de Origem tem a ver com fatores naturais, como o clima, solo e relevo e  com fatores humanos, como um saber-fazer específico. Em números, inclui a maioria de produtos do agronegócio, como o café do Caparaó, o arroz do Litoral Norte Gaúcho, a tequila do México, ou os espumantes de Champanhe.

Já a Indicação de Procedência tem a ver com o renome ou algo recorrente e relevante da região. A região de Franca, reconhecida pelos calçados, e os mármores de Cachoeiro do Itapemirim são alguns exemplos.

“As Indicações Geográficas alteram a estrutura de produção e atuam como embaixadas de seus países ao redor do mundo”, afirmou o presidente do INPI, Cláudio Furtado, durante o  V Evento Internacional de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas – Origens Brasileiras, que aconteceu no início de dezembro em Curitiba, no Paraná. “Esse modelo de agropecuária com alto valor agregado sob selos de Indicação Geográfica representa 15% das exportações da União Europeia”, comentou.

No evento, o presidente do Sebrae, Carlos Melles, ressaltou a diversidade e a qualidade dos produtos nacionais. “Eles são a carteira de identidade de uma região e do nosso país. Precisam estar na vitrine, em destaque, e receber pelo valor agregado que o conhecimento e o trabalho dos produtores gera”, defendeu Melles no mesmo evento. 

O que vem por aí

Atualmente, cerca de 70 regiões e produtores estão sendo apoiados pelo Sebrae para se estruturarem e alcançarem o reconhecimento como Indicações Geográficas. O camarão de Laguna, em Santa Catarina, a alcachofra de São Roque, em São Paulo, a castanha de caju da Serra do Mel, no Rio Grande do Norte, e as quitandas de Paracatu, em Minas Gerais, são alguns dos exemplos em estruturação para pleitearem futuramente o reconhecimento de Indicações Geográficas. 

Segundo Giesbrecht, o processo envolve o levantamento de informações que comprovem a tradição na produção, o nexo causal entre os fatores naturais e humanos e as características específicas do produto, além de toda a documentação requerida pelo INPI; e principalmente a organização e consolidação da governança da Indicação Geográfica.

Para obter o reconhecimento como uma Indicação Geográfica, é necessário que os produtores, por meio de uma entidade coletiva (associação, federação, cooperativa), apresentem o pedido de registro (petição eletrônica) ao INPI, com um conjunto de informações e evidências que vão embasar a análise de mérito da concessão do registro. 

O registro tem duas finalidades estratégicas: proteger um nome geográfico e promover a região e os produtores vinculados ao produto com base nesse ativo intangível. “O movimento gerado pelo processo de estruturação de uma Indicação Geográfica gera também várias externalidades positivas, além dos resultados advindos da obtenção daquele ativo, tais como melhoria da qualidade do produto individual e coletiva; integração com as políticas públicas locais; negociações conjuntas e fortalecimento do cooperativismo”, considera Giesbrecht.

Para se obter o registro de uma Indicação Geográfica, é necessário identificar evidências de que a região tenha ficado conhecida em função da produção daquele produto/serviço; ou comprovações de que na área geográfica delimitada os fatores naturais (clima, solo, relevo, por exemplo) ou fatores humanos (saber-fazer das pessoas ali instaladas) são determinantes para as qualidades ou caraterísticas específicas do produto ali produzido.

Desafios

Alguns obstáculos, no entanto, impedem o crescimento vertiginoso das Indicações Geográficas. Uma das principais dificuldades é a organização e elaboração dos documentos e informações necessárias para comprovação junto ao INPI das condições necessárias ao reconhecimento. “Isso inclui a construção da governança que é a base de sustentação e deve ser protagonista da definição dos rumos da Indicação Geográfica e das metas a serem alcançadas em termos de agregação de valor e acesso a mercados”, afirma a analista de inovação do Sebrae Nacional. 

O advogado Lucas Sávio Oliveira, sócio do dcom Advogados, considera que não é tão simples obter o registro de uma Indicação Geográfica. “O primeiro passo para o requerimento está na organização dos produtores do produto na região em que a indicação será buscada. Só associações, sindicatos ou outras organizações representativas podem fazer o requerimento de registro da indicação geográfica. Ou seja, se os produtores da região ainda não estão organizados, pode ser bastante desafiador gerar o engajamento necessário para que possam seguir com o processo”, diz. 

Além disso, explica ele, é necessário provar documentalmente que o nome da região se tornou conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou serviço, no caso de Indicação de Procedência. Ou que, de fato, o meio geográfico é a causa da qualidade ou das características do produto ou serviço em caso de denominação de origem. “Outro ponto importante é a completa descrição do produto, com todas as especificações técnicas que devem ser seguidas pelos produtores, assim como o estabelecimento de controles sobre produtores e produtos para garantir que estão no padrão desejado”, complementa Oliveira.

O processo de estruturação de uma Indicação Geográfica, quando se dá a formalização da entidade coletiva e a organização dos documentos necessários para depósito do pedido no INPI, pode demandar de 12 a 18 meses.

É importante destacar que, com base na legislação atual, o registro é concedido por tempo indeterminado. “A responsabilidade em zelar pela manutenção da reputação e das condições que viabilizaram o reconhecimento da Indicação Geográfica é dos produtores ali instalados, que com uma gestão eficaz desse ativo intangível, podem cada vez mais gerar resultados positivos para a região”, completa Giesbrecht. 

A expectativa para o futuro é de aumentar o número de registros de Indicações Geográficas no Brasil considerando a grande riqueza e diversidade cultural e natural do nosso país. “E não só ampliar a quantidade de Indicações Geográficas reconhecidas, mas ampliar a capacidade de gerar desenvolvimento pelas já registradas, por meio da ampliação do acesso a mercados, não só no Brasil, mas em outros países, pelo incremento do turismo local, pela ampliação de renda e atração de pessoas que se envolvem com a Indicação Geográfica”, finaliza.