Empreendedorismo

Micro e pequenos empreendedores brasileiros ganham o mundo, mas volume de exportações ainda é tímido

A cada ano, na média, país ganha cerca de 1.000 novas MPE exportadoras. As exportações delas não chegam a 1% do total

portos
Porto do Rio de Janeiro. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A crise brasileira de 2015 quase fechou o negócio da empreendedora catarinense Katya Floriani. “Da noite para o dia, eu perdi toda a minha carteira de clientes porque eles quebraram, e eu já tinha quase seis anos de empresa”, conta. Para salvar a sua confecção, a Tre Fiori, ela procurou ajuda de uma associação de empresários, que abriu os seus olhos para a necessidade de exportar para sobreviver. “Eu e meu sócio vimos que não poderíamos depender apenas do mercado interno. Passamos a nos preparar para vender os produtos para clientes da América Latina”. 

O foco de Floriani até 2015, voltado exclusivamente ao mercado interno, é comum à maioria dos micro e pequenos empreendedores brasileiros. A falta da cultura exportadora, aliada a outros gargalos, faz com que o crescimento da participação das micro e pequenas empresas (MPE) nas exportações brasileiras ainda seja tímido.

De acordo com levantamento feito pelo Sebrae a partir da base de dados do Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior), reunidos no Comex Stat, em 2021, 30 mil empresas brasileiras exportaram os seus produtos ou serviços, sendo que cerca de 11 mil eram micro e pequenas (MPE). O Sebrae chegou aos números após cruzamento com enquadramento das empresas pela Receita, já que nos dados fornecidos pelo governo não há quantitativos por porte e tamanho de empresa. 

A proporção (cerca de 11 mil MPE entre as 30 mil exportadoras brasileiras) parece robusta, mas é pouco se levarmos em conta que há 19 milhões de empresas abertas no país, sendo que 40% delas são MPE.

“Em função do tamanho do Brasil, não temos no país uma cultura exportadora. Uma empresa do Sul procura vender para São Paulo e não para Argentina, Uruguai, sendo que pode fazer modal rodoviário, ganhar em dólar e em euro. E isso tem que ser trabalhado desde a abertura da empresa”, explica Gustavo Reis Melo, analista de competitividade do Sebrae Nacional.

O valor exportado pelas MPE também é baixo: não chega a 1% do total das exportações brasileiras, que somaram R$ 27,2 bilhões no mês de outubro, segundo dados do Ministério da Economia. Apesar disso, os números vêm melhorando, com crescimento do número das micro e pequenas empresas que exportam. A cada ano, segundo Gustavo Reis, o Brasil ganha cerca de 1.000 novas MPE exportadoras. O número atual de 11.300 empresas com esse perfil é 8% maior que as 10.349 empresas que venderam para fora em 2020.

Para João Men, professor de MBAs de Internacionalização e Negócios Internacionais da FGV, o universo das MPEs que exportam está alinhado com a nossa cultura exportadora. 

“A participação do Brasil no comércio internacional global fica entre 1 e 1,5%, no máximo. Temos que evoluir a nossa competitividade. As MPE estão no mesmo paralelo que o Brasil está no mundo.  Precisaríamos investir no preparo do produtor e em um conjunto de ações institucionais e políticas facilitadoras”, afirma Men. 

Outro desafio que as micro e pequenas empresas enfrentam na hora de exportar é a falta de valor agregado nos produtos. “O Brasil ainda é pouco competitivo e há ainda o custo Brasil elevado. É preciso agregar valor de todas as formas possíveis”, diz Gustavo Reis, do Sebrae. 

O mercado externo para as MPE é restrito aos maiores parceiros comerciais do Brasil: China, Estados Unidos, Argentina e países da Europa. Os produtos dos pequenos negócios com melhor aceitação no exterior são os mais identificados com a cultura brasileira, como explica o professor João Men. 

“Quanto à pauta, vemos crescentes movimentos de produtos típicos brasileiros da flora amazônica como a castanha da Amazônia e o açaí, frutas do Nordeste, cachaça, entre outros. Se avançarmos na área de inovação e tecnologia, há os games brasileiros que ganham espaço no exterior, além das incursões de consórcios e associações de artesãos, que estão se lançando à internacionalização. São movimentos interessantes”, pontua o especialista.

Brazilian nut

Márcio Mota, diretor da Jutica Produtos da Amazônia, agregou valor ao seu produto, as castanhas do Brasil, ao investir em uma unidade que seca e embala à vácuo para exportar. “Meu pai comprava e vendia castanha da comunidade de Jutica, às margens do Rio Solimões desde 1950, e eu comecei a fazer o mesmo em 2003. Fui ampliando. Hoje, a gente produz, coleta, processa, distribui e exporta, praticamente toda a cadeia da castanha do Brasil, junto com os nossos parceiros”, conta ele. Para chegar ao exterior, a ‘castanha do Pará’ virou ‘castanha da Amazônia’ ou ‘Brazilian nut’. 

Um dos caminhos considerados fundamentais por Mário Mota para as empresas brasileiras que queiram exportar é participar de feiras internacionais. Quando leva o seu produto, Mota tenta contar um pouco da história da coleta de castanha no Brasil e ressalta que é um produto da floresta amazônica. 

Contar as histórias dos produtos ou serviços, a técnica do storytelling, é uma das estratégias apontadas pelo Sebrae como eficazes para conquistar os consumidores, especialmente do mercado internacional. Essa conexão é um dos motivos para que os produtos identificados como brasileiros, como a cachaça e o café, tenham mais facilidade no mercado internacional, assim como os autorais, como a moda. 

Em termos estruturais, o que falta no Brasil é o apoio ao pequeno negócio, que ainda é insuficiente. A falta de formação técnica sobre internacionalização é um dos maiores obstáculos, como explica o professor João Men. “O Estado poderia oferecer mais enfaticamente esse estímulo à internacionalização, por meio de ferramentas mais facilitadoras, como da Federação das Indústrias, Sebrae, Apex, que são movimentos fantásticos”, diz. “Precisamos oferecer mais ajuda para o pequeno negócio, como o Pronampe [programa de crédito para MPE lançado durante a pandemia], que poderia ser mais efetivo e direto. O mesmo modelo do BNDES para grandes empresas poderia ser replicado para as MPEs”, completa. 

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