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Litigância predatória no setor aéreo: uma questão a ser enfrentada

É necessário encontrar soluções para uma questão tão prejudicial ao interesse dos cidadãos, à economia e à justiça do país

Imagem: Pixabay

Um dos problemas que tem afetado várias empresas no país, e, em especial, o transporte aéreo é a litigância predatória, turbinada pela adoção de recursos tecnológicos e de redes sociais, utilizadas por empresas que atuam como verdadeiros abutres, buscando captar passageiros com alguma insatisfação com o serviço e estimulando-os a buscar a justiça como alternativa de reparação, muitas vezes sem nem ao menos, buscar a própria companhia aérea para manifestar essa insatisfação.

Desde 2018 vem ocorrendo uma proliferação de civic techs (como muitos desses aplicativos abutres buscam se denominar) que ofertam interface virtual simplificada a passageiros insatisfeitos, para o ajuizamento de demandas. Elas utilizam propagandas em redes sociais para captar passageiros, que muitas vezes não tinham intenção de ajuizar uma ação, por meio de recursos jurídicos onde se valem de petições genéricas, distribuídas em lote, contando pessoas físicas distintas e ações por grupo familiar, se utilizando de gratuidade de maneira infundada, ações diversas para tratar ocorridos no mesmo desenrolar fático e demanda indiscriminada de liminares inaudita altera pars.

Comumente a advocacia predatória é baseada em pedidos de danos morais in re ipsa, o que afronta diretamente o artigo 251-A da Lei 7.565/86, que estabeleceu a necessidade de que danos extrapatrimoniais devem ser comprovados pelo litigante.

As empresas abutre oferecem antecipação de valores em contraparte ao direito de ação e bloqueiam a possibilidade de resolução administrativa, representando restrição à composição extrajudicial, em relação à qual as civic techs tem total desinteresse, já que tem por objetivo uma reparação judicial potencialmente mais lucrativa, distorcendo o conceito de direito, transformado em mera oportunidade comercial, gerando como consequência uma sobrecarga desnecessária ao sistema judiciário e desestimulando o que foi preocupação expressa do legislador, que no advento do novo CPC/15, frisou a importância do instituto da mediação e a conciliação das partes. Os prejuízos produzem impacto no Judiciário, inundado com ações idênticas, não fundamentadas, produzidas eventualmente a partir de fraudes, em procurações e em documentos, que geram ônus ao Estado.

Há também um impacto negativo para o setor aéreo, atingindo o potencial de ampliação de competição no mercado, já que a judicialização representa custo elevado e gera incertezas jurídicas ao setor, afastando o interesse de novas empresas, principalmente as de modelo low-cost, que ante tal cenário se veem impedidas de fazer investimentos no país e oferecer seus serviços.

Agride, ainda, o artigo 39 do Código de Ética da OAB, por configurar captação de clientela e mercantilização da atividade da profissão do advogado. Por provocação do setor, a OAB atuou para cassar empresas e obteve êxito significativo entre fim de 2019 e junho de 2022, quando de 65 aplicativos registrados 44 foram impedidos de atuar por decisão judicial.

Se comparamos Brasil e Estados Unidos, aqui uma aérea americana sofre 1 ação a cada 1,8 voos enquanto que lá essa mesma empresa, com operação muito superior, sofre 1 ação a cada 12.685 voos. Isso mesmo o Brasil dispondo de resultados de prestação de serviço comparáveis com os mercados globais, tendo as empresas aéreas brasileiras figurado constantemente entre as mais pontuais do mundo. A aviação do Brasil é uma das mais modernas do mundo, referência em segurança e qualidade.

Recentemente participamos da Audiência Pública promovida pelo Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Tema 1.198 dos recursos repetitivos, que discute a possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo. Na oportunidade, destacamos que independente de um conjunto maior de sugestões para análise do STJ, seria importante apontar duas iniciativas, que consideramos relevantes para enfrentar o quadro atualmente identificado:

Em primeiro lugar a importância da designação de audiências presenciais, com poder de coibir o uso fraudulento de procurações e que já é boa prática em São Paulo, com decisões alinhadas ao Comunicado 2/17, do NUMOPEDE da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que recomenda designar audiência de conciliação com depoimento pessoal da parte, apuração da validade da procuração ou conhecimento quanto à lide e seu desejo de litigar, que pode levar à extinção da causa, na ausência do autor.

E em segundo a adoção de procedimentos que fortaleçam a demonstração da pretensão resistida pelo afetado, que conta com exemplo nos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que prezam pela celeridade na solução sem tolher o direito de ação. Adota-se o expediente da suspensão da ação para que se busque solução via consumidor.gov, antes de prosseguir no caminho judicial. O interessado pode demonstrar que houve a solução do conflito, sendo a ação extinta ou, ao contrário, em não havendo acordo, a demanda segue seu curso. Quando utilizada, o índice de resolubilidade do setor na plataforma alcança quase 80%, enquanto no âmbito judicial as demandas não chegam a 15% de acordos.

Sem enfrentar a questão da litigância predatória o setor seguirá limitado em sua capacidade de crescer. É necessário que encontremos soluções para uma questão tão prejudicial ao interesse dos cidadãos, à economia e à justiça do país, trazendo benefícios apenas às empresas que se valem de má fé para obter lucros e que não podem representar a modernidade, o equilíbrio e o sistema desejado, que efetivamente promova a harmonização das pretensões e dos interesses conflitantes da vida social do país. Referidos aplicativos abutres não podem também atuar para prejudicar o desenvolvimento de um setor econômico tão estratégico para a economia de um país de dimensões continentais como é o Brasil. Passou da hora de buscarmos juntos uma forma de enfrentar essa questão!