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Excesso de judicialização na aviação comercial: os danos a um setor essencial

Reflexões sobre as mudanças legislativas e as decisões judiciais nos processos contra as empresas aéreas brasileiras

Crédito: Pixabay

Em 2019, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou que o cancelamento ou atraso de voos não implica automaticamente em dano moral presumido. Na decisão, originada do Recurso Especial nº 1.796.716 – MG, o STJ, ao se pronunciar sobre a responsabilidade da companhia aérea em caso de atraso, ressalta que o dano moral precisa ser comprovado. A ministra Nancy Adringhi, relatora do caso, destacou a importância de analisar diversas circunstâncias, como o tempo para a resolução do problema, as alternativas oferecidas aos passageiros e o suporte prestado durante o atraso.

Essa decisão marca um progresso na abordagem do assunto, uma vez que seu teor alinha o país com a lógica da teoria do dano, evidenciando a importância de sua comprovação efetiva. Isso impede práticas que visam o enriquecimento ilícito e a exploração do sistema judicial por meio de sites “abutres” (aqueles que atraem passageiros com a promessa de ganhar causas contra companhias aéreas, mesmo por motivos cuja responsabilidade, perante a lei, não seja das empresas).

A aviação comercial brasileira enfrenta um desafio peculiar, com 98,5% das ações judiciais globais do setor concentradas no país, apesar de seus serviços seguirem padrões internacionais de qualidade. Surpreendentemente, em métricas como atrasos, cancelamentos e extravios de bagagem, o Brasil figura entre os melhores do mundo. Entretanto, os altos custos decorrentes de demandas judiciais ameaçam a viabilidade das empresas aéreas. Por isso, chegou a hora de enfrentar o problema com profissionalismo, a luz da lógica jurídica, porque o setor está sendo desestabilizado e o grande prejudicado é o próprio usuário do sistema de aviação.

Vale ressaltar que o avanço legislativo promovido pela lei nº 14.034/20, ao alterar o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), foi significativo. Esta lei, que inclui medidas como o artigo 251-A no CBA, explicitamente estabelece a necessidade de comprovação do dano extrapatrimonial em casos de falhas no contrato de transporte. Tal mudança legislativa fortalece a tendência jurisprudencial recente do STJ, como demonstrado nos Resp nº 1.584.465-MG e 1.551.968-SP, alinhando a legislação com decisões judiciais que já exigiam prova efetiva do dano moral.

Além disso, está em consonância com a política governamental de combate ao excesso de judicialização no transporte aéreo, buscando uma abordagem mais equilibrada nas relações de consumo do setor. Essa postura, mais criteriosa, é adotada devido à compreensão de que situações como atrasos, cancelamentos muitas vezes são oriundos de fatores externos a operação da companhia aérea, como – por exemplo – o fator climático. E todos sabem que, em aviação, segurança é um valor inegociável.

Agora, imagine que, por questões meteorológicas adversas, para proteger a vida, o voo não ocorra. Claro que isso vai gerar um impacto em diversos compromissos das pessoas, mas é justo usar “o risco da atividade”, sem qualquer vínculo causal, para gerar indenizações desproporcionais? Mesmo quando se está protegendo a vida de todos os que utilizam o sistema de aviação? Em qualquer teoria, a relação causal é necessária. Então, por que na aviação deveria ser diferente? Seria melhor então, mesmo em situações adversas, decolar? Claro que não.

Sabendo de suas responsabilidades, a indústria aderiu a um moderno sistema de solução de conflitos do Ministério da Justiça, conhecido por “consumidor.gov”. Ali, cerca de 80% das demandas são solucionadas diretamente com o consumidor, em média em menos de cinco dias. E mesmo assim, posteriormente, processos por danos morais são gerados. Ora, onde está a condição da ação? Onde está o interesse de agir se tudo já foi solucionado? O que se gera é um “incentivo perverso” e ilógico para não negociar, para não solucionar. Uma bola de neve onde, na verdade, o próprio consumidor está sendo prejudicado. Esse racional, precisa ser compreendido por quem aplica o direito. Não é possível o uso do direito como um fator punitivo porque isso desestabiliza um dos setores mais importantes de nossa economia, jogando o custo para os usuários e, pior, impedido que esse serviço essencial seja acessível a toda a população.

A decisão do STJ e as disposições legais estabelecidas pela lei 14.034 parecem inaugurar um caminho que, se adotado pelo sistema judiciário brasileiro, reduzirá a insegurança jurídica no país.

Essa instabilidade tem sido um impedimento à entrada de novas empresas estrangeiras, que já testam o mercado brasileiro, mas não se aventuram em enfrentar esse ambiente tão incerto de custos. Além disso, essa abordagem também aliviará a carga sobre o sistema judicial, trazendo benefícios para toda a sociedade. Diante do que se transformou esse tema, é importante encará-lo de frente, sem populismo ou falsas promessas, porque os custos dessa insensatez estão impactando nos preços e prejudicando a todos. Somente no Brasil, os impactos ultrapassam a marca de 1 bilhão de reais por ano. Talvez isso explique por que países como Argentina, Colômbia e México, com populações significativamente menores, possuam mais companhias aéreas do que nosso imenso e continental Brasil. Não dá mais para aceitar essa situação, é hora de tirar a venda do olho e enxergar o que está acontecendo. Toda essa insegurança jurídica e seus custos estão atrasando o desenvolvimento do país, permitindo que apenas 0,5 passageiro por habitante usufruam do transporte aéreo. E o pior, se analisarmos por CPF, somente 15% da população tem acesso a esse meio de transporte.

A gravidade desse cenário levou o Centro de Pesquisas Judiciárias (CPJ) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) a realizar um abrangente levantamento sobre a pauta. Adicionalmente, a pesquisa “Diagnóstico sobre Judicialização do Transporte Aéreo no Brasil” incluirá uma análise da jurisprudência dos tribunais nacionais, mapeando processos para criar indicadores e realizar uma análise comparativa de dados entre companhias aéreas nacionais e estrangeiras. A importância de se revisar as consequências da judicialização, juntamente com as práticas de advocacia predatória que alimentam um mercado em que poucos lucram em detrimento da maioria dos usuários, está sendo reconhecida e abordada. Mas muito já poderia ser solucionado com a aplicação do comando determinado na lei 14-034/20. Não podemos tardar mais. É hora de agir e a indústria, dentro e fora do Brasil, pode ajudar.

Ninguém está mencionando aqui a não aplicação do direito, como um desavisado pode supor ou querer usar como contra-argumento. Não, não é isso. Pelo contrário, o que está sendo observado é que a abordagem punitiva atual não está resultando na justiça social esperada. Na verdade, a solicitação é pela aplicação adequada do direito, seja respeitando a necessidade da análise das condições da ação, seja seguindo o art. 251-A da Lei 7.565/86 (CBA), que explicitamente exige a comprovação do dano.

O que se combate é a busca exagerada por indenizações por dano moral sem prova, que estão desequilibrando a relação de consumo, afetando a viabilidade das empresas aéreas que aqui operam, levantando preocupações sobre a sustentabilidade do setor, e inibindo que novas empresas atuem no Brasil. Tanto que empresas low cost se instalam em países em grave crise econômica como Argentina, mas não se arriscam no Brasil, mesmo tendo – este último – uma população quatro vezes maior, um PIB maior e uma necessidade tremenda de conexão. Isto não é sintomático?

Dessa forma, torna-se essencial buscar um equilíbrio entre a liberdade de tomar decisões, respeitando as normas legais e a própria legislação vigente. Existe uma orientação definida pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Poder Executivo que deve ser observada. Isso não apenas aliviará a carga nos tribunais, mas também incentivará alternativas à litigância, como a conciliação. O propósito é assegurar um setor de aviação mais sustentável e acessível a todos os brasileiros. Em última análise, onde um avião aterrissa, é garantido que haverá mais desenvolvimento, mais empregos, mais infraestrutura e muito mais benefícios.

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