LOGÍSTICA

Transporte de carga dá fôlego às empresas aéreas na pandemia

Carregamentos tiveram queda menor que número de passageiros e se tornaram estratégicos no combate à crise sanitária

Crédito: Pexels

A suspensão massiva de voos internacionais e o esvaziamento de aeroportos domésticos desde o início da pandemia fez despencar o transporte aéreo de passageiros, que corresponde à maior parte das operações no Brasil. O encolhimento em usuários transportados foi de 56% em 2020 frente ao ano anterior, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Por outro lado, nas viagens de carga o impacto foi relevante, mas essa frente se mostrou mais resiliente e se tornou uma aposta das aéreas na tentativa de sobreviver à crise sanitária. 

Ao mesmo tempo, se abre a oportunidade de ampliar a fatia que esse tipo de transporte tem na totalidade dos negócios. A queda no volume de carga paga foi de 18% no ano passado em relação a 2019. Entretanto, observando o comportamento ao longo dos meses no ano, se nota que houve aumento em cada um dos meses frente ao anterior, após tombo entre março e abril. Em novembro, a situação era semelhante a fevereiro. Mais recentemente, os três primeiros meses deste ano retornaram à variação positiva comparando com o ano passado – o patamar ainda é baixo, de 1,7%. 

Tudo sugere que o transporte aéreo de carga se recuperaria mais rápido. Pela primeira vez desde o início da crise, em janeiro deste ano, a demanda global por essa logística voltou ao patamar anterior, conforme números da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). Todas as regiões registraram melhora mês a mês, em especial a América do Norte, que tem quase 28% desse mercado no mundo, enquanto a América Latina representa 2%.

A diferença evidencia o espaço que as empresas que operam na região ainda têm para crescer. “Para que um país se torne mais  competitivo no transporte aéreo precisa ter gestão eficaz da infraestrutura, cadeia de suprimentos competitiva,
facilitação efetiva para o fluxo cargas, além de processos regulatórios inteligentes e segurança jurídica que facilitem os negócios”, diz Marcelo Pedroso, diretor de relações externas da Iata.

Para as empresas, o cenário obrigou a repensar operações para lidar com o encarecimento do frete aéreo e, em certa medida, aproveitá-lo. Isso aconteceu na pandemia devido à falta de voos, já que a maior parte da carga transportada em aviões no Brasil se dá em aeronaves que também carregam passageiros. Assim, foi preciso repensar como continuar operando com o desaparecimento dos passageiros. 

No Brasil, a Latam lidera entre as transportadoras de carga, respondendo por quase um quinto da demanda – há mais de uma década, em 2009, ela tinha 27% do todo. As concorrentes ganharam espaço. No mesmo período, a Azul foi de 1% para a atual segunda colocação; a ultrapassagem da Gol aconteceu durante a pandemia. No ano passado, enquanto a receita da área de passageiros da Azul reduziu em 53%, em cargas subiu quase 32%. Na Latam, o incremento foi de 26%. 

Nessa crise, as duas líderes alteraram suas estratégias para focar mais nessa seara. Esse processo incluiu modificar aeronaves de transporte de passageiros para servirem como cargueiros no período. Nesse sentido, em abril do ano passado, a Anac autorizou de forma emergencial que a cabine de passageiros das aeronaves seja usada para o transporte exclusivo de carga, após solicitação das empresas, em consonância com regulamentações semelhantes em outras regiões, como Canadá, Estados Unidos e União Europeia.

No momento, a regra, que já foi estendida anteriormente, é válida até 31 de outubro. Portanto, não é uma estratégia que as aéreas possam adotar indefinidamente – será preciso observar o impacto que o setor vai ter quando os voos de passageiros retornarem com força. 

Um dos principais motores para o transporte de carga por vias aéreas foi o impulso que o e-commerce teve durante a crise sanitária e a necessidade de medidas restritivas para o comércio presencial. Somente a Latam viu o volume referente a compras online ir de 8% antes da Covid-19 para 20% nos primeiros meses de isolamento.

Enviar pelos ares significa mais rapidez e a pandemia pode ter representado um ponto de inflexão na demanda por agilidade no frete. Em novembro passado, por exemplo, o grupo de comércio eletrônico Mercado Livre anunciou o lançamento de frota própria de quatro aviões, operados por diferentes empresas, para realizar ligações com centros de distribuição em São Paulo e Bahia e viabilizar entregas no dia seguinte à compra. 

Evidentemente, outra setor que precisou de atenção nesse contexto foi o uso do meio para viabilizar a entrega de insumos, equipamentos de saúde e, mais recentemente, vacinas. As grandes empresas aéreas brasileiras estão realizando entregas de imunizantes sem custos. Em 2020, segundo dados reunidos pela Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), foram 2.911 voos com equipes médicas a órgãos para transplante. Ao todo, 166 toneladas de equipamentos de proteção individual, respiradores e EPIs também foram levados. E 25 milhões de doses de vacinas até a última sexta-feira (23/4). 

Ainda no ano passado, em março, a Anac passou a permitir que empresas de táxi-aéreo realizassem transporte de carga, de modo que fossem contratadas para o combate à pandemia – também houve alteração de normas para translado de pacientes e UTI aérea. Em janeiro, liberou que as empresas aéreas transportem vacinas refrigeradas com gelo seco na cabine de passageiros das aeronaves, o que antes era vedado. 

Entretanto, a principal dificuldade ainda está em como fazer os itens escoarem no interior do Brasil, já que a aviação regional no país ainda é limitada.

“Não há um sistema logístico no Brasil que integre tanto os diferentes aeroportos de modo eficiente e rotineiro, quanto outros modais de transporte. Então, ainda que chegue longe, é difícil ter eficiência em todo o trajeto”, explica Marcus Quintella, diretor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Transportes, no Rio de Janeiro. Com as vacinas chegando a conta-gotas aos municípios brasileiros, isso se torna ainda mais desafiador, inclusive para os orçamentos públicos, sendo necessários diferentes fretes para entregas singelas, em municípios onde grandes aeronaves não chegam. 

Sair da versão mobile