Letícia Paiva

Aviação, Competitividade e Desenvolvimento

Em um intervalo de cinco meses, um aumento de arrecadação tributária passou de proposta do governo a motivo de veto presidencial. Inicialmente previstos em uma Medida Provisória (MP), dois trechos foram retirados, no momento da sanção, do texto final da Lei 14.002/2020. Assim, a alíquota de um imposto acabou indefinida – ou mesmo ignorada. Agora, passado um ano da norma, contribuintes ainda não sabem se vão recolher de acordo com a regra geral – fixada em 15%, cinco vezes maior ao que estabelecia a MP para este ano – ou se voltarão a ter isenção, o que era prática até 2019. 
Os dispositivos deletados tratavam de benefícios no imposto de renda retido na fonte (IRRF) para o arrendamento mercantil de aeronaves por linhas aéreas. Conhecida como leasing,  essa operação é feita com empresas donas dos aviões baseadas no exterior, por isso a incidência desse tipo de imposto. 
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Em 1997, foi estabelecida na Lei 9.481 a possibilidade de que esses acordos tivessem o IRRF zerado, então, desde aquele ano, foram aprovadas extensões para o benefício. Na última rodada, na MP do governo Jair Bolsonaro, foi proposto aumento gradativo da alíquota ao longo dos anos seguintes: seria de zero até final de 2019; 1,5% em 2020; 3% em 2021; e 4,5% em 2022. 
Não há segredo quanto ao motivo da mudança de última hora. As empresas aéreas dependem do leasing para manter suas operações – ao menos 80% das aeronaves usadas pelas empresas no país podem ser arrendadas de companhias estrangeiras por prazo determinado, na prática que é global. Evidentemente, os preços são firmados em dólar e, no momento de desvalorização do real e calamidade para o transporte aéreo devido à pandemia, são um peso para as finanças das empresas brasileiras. O imposto seria um aumento de custo relevante no pior momento delas. 
Além disso, se argumentou que, derradeiramente, essa elevação seria repassada para o custo das passagens e do frete – <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/aviacao-competitividade/transporte-de-carga-da-folego-as-empresas-aereas-na-pandemia-27042021">que já teve aumento na pandemia, impactando outras frentes da economia</a>. Portanto, como o Orçamento do ano passado já previa a alíquota, ela foi mantida e os vetos incluíram o que foi proposto para 2021 e 2022. Depois da mudança, não foram redigidos complementos para esse período. E o que era para ser um alívio para o setor se tornou pesadelo. 
Observando os gastos que as empresas empenharam em leasing em 2020, é possível ter uma ideia dos impactos que o IRRF de 15% teria nas contas delas. O caso da Gol é explicativo. A frota da empresa "é 100% composta por aeronaves de médio porte financiadas via arrendamentos operacionais", sem intenção de compra. 
Ela tinha passivo a ser pago no ano por arrendamentos calculados em R$ 1,32 bilhão. Com o imposto, essa dívida da Gol, desconsiderados créditos ou outras particularidades, subiria para R$ 1,97 bilhão. Se tivesse sido mantida a alíquota de 3%, ficaria em R$ 1,36 bilhão. Outros impactos já estariam previstos nos anos seguintes, já que o passivo não circulante de arrendamentos está em R$ 6,27 bilhões. 
O foco está nas empresas porque são elas que arcam com eventuais tributações em seus países a esse tipo de acordo. “É prática que o aumento de impostos seja repassado para quem contrata nesse tipo de contrato, que costuma abranger variação nessa linha para que a arrendadora não tenha o risco”, explica Adriana Simões, focada em questões contratuais de Direito Aeronáutico e sócia do escritório Mattos Filho, em São Paulo. 
Incluir essa questão faz parte das previsões de segurança para as arrendatárias estrangeiras atuarem no Brasil, já que eventuais problemas podem acarretar desde inadimplência e necessidade de devolução a apreensão de aeronaves em caso de suspeita de fraude ou sonegação fiscal. 
"Na ótica do setor, o ideal seria a manutenção da isenção, mas uma eventual gradação que seja confiável poderia permitir alguma segurança jurídica, inclusive para investidores. O pior cenário é acontecer o que se tornou", avalia Thais Strozzi Carvalho, especialista em Direito Público e presidente da Comissão de Direito Aeronáutico, Aeroportuário e Aeroespacial da OAB do Distrito Federal. Nesse aspecto, o contexto de crise torna a situação mais urgente, já que os resultados deste ano devem impactar a retomada no pós-pandemia.
Diante da incerteza, o governo federal se vê pressionado a editar nova MP estabelecendo a isenção neste ano – se ela for publicada ainda em junho, a votação pelo Congresso poderia acontecer em até quatro meses. O benefício é defendido no âmbito do Ministério da Infraestrutura e estaria em análise também pelo Ministério da Economia. É aguardado ainda parecer sobre os impactos orçamentários do eventual benefício. 
Analisando o Orçamento deste ano, no anexo em que são demonstradas as expectativas de arrecadação da Receita Federal são mencionados os vetos presidenciais na Lei 14.002 como tendo impactado a previsão orçamentária. Não fica claro se houve inclusão da arrecadação pela regra geral ou se apenas se desconsiderou o que seria recolhido com as alíquotas escalonadas. 
A segunda opção não é improvável caso o governo tenha considerado de antemão que a isenção retornaria. Nessa hipótese, não seria esperada contrapartida de aumento arrecadatório para cobrir a lacuna deixada; do contrário, a MP precisaria vir acompanhada de alguma alternativa, seguindo a Lei de Responsabilidade Fiscal. 
Desde que o leasing se tornou opção majoritária, a cobrança desse tipo de imposto agora seria uma novidade no Brasil, daí o fato de ser indesejado para as empresas aéreas. "A utilização dessa estrutura veio aumentando muito, embora ela tenha começado nos anos 1970 nos Estados Unidos. Ela é essencial para o mercado por garantir um investimento mais espaçado, sem a demanda de compra imediata", diz Roberta Andreoli, especializada em Direito Aeronáutico e Regulatório, sócia do escritório Fenelon Advogados, em Brasília. 
Para as companhias que oferecem as aeronaves, com os impostos, a situação não se alteraria diretamente. De modo geral, elas pagam impostos nos países em que estão baseadas, como qualquer empresa. Em alguns casos, há benefícios específicos que tornam o mercado atraente, caso tradicional da Irlanda, mas também Singapura, Hong Kong e certas regiões da China. 
Também há a possibilidade de acordos bilaterais para impedir a bitributação, entre outras questões. Em outra via, para evitar que não houvesse tributação em ambas as jurisdições, se fala na cobrança do IRRF quando o país em que a empresa de leasing está baseada tem baixa taxação. Isso foi considerado pelo governo da Noruega ao discutir o orçamento deste ano, estabelecendo o imposto no caso de empresas desse tipo de mercado.

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JOTA

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