Incentivo à aviação

Reforma tributária e PLP 16/2021: o que está em jogo para o combustível de aviação

Propostas de alteração na cobrança de ICMS poderiam reduzir embates entre estados na diminuição de tributos

ICMS combustível aviação
Crédito: Pexels

Tão logo o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) em Comissão Mista do Congresso foi apresentado, deixou de figurar como potencial primeira opção de reforma tributária. O foco era a substituição de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Perdeu relevância enquanto era lido, no início de maio.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), extinguiu o colegiado por estouro de prazo – as discussões deveriam ter se encerrado há um ano e meio. Entretanto, no capítulo que trata de como o novo imposto funcionaria de forma diferenciada para os combustíveis, há uma indicação do caminho que pode ser percorrido em revisões tributárias específicas para o setor enquanto não há previsão de uma reforma ampla.

No caso dos combustíveis, recaem o PIS e Cofins, de ordem federal, além do ICMS, cobrado pelos estados. No primeiro caso, a contribuição é cobrada diretamente do produtor na refinaria ou do importador, com alíquotas relativas à quantidade de produto – aqui, se paga por litro, independentemente do valor dele. Já o imposto estadual é pago a partir do preço, geralmente em esquema da substituição. Isso significa que o valor pago por produtores ou importadores é calculado previamente, com a presunção de qual seria o preço final ao consumidor – incluindo, portanto, o que seria gerado em impostos ao longo da cadeia. 

Na proposta, se defende que haveria mais eficiência se a cobrança do novo imposto ocorresse nas etapas em que há maior concentração econômica – mitigando sonegação fiscal na ordem de R$ 14 bilhões ao ano contra estados e União. Por isso, propõe a possibilidade de cobrança monofásica direto no refinador ou importador. Se instituída a cobrança monofásica, a ideia é que as operações seguintes, como distribuição e venda na bomba, não passariam crédito do imposto pago no início da cadeia, como acontece hoje. 

O relatório diz atender às “particularidades e às demandas uníssonas do setor”. De fato, essa tem sido uma questão recorrente. “Ela é importante para melhorar o sistema de negócios, porque torna o imposto devido mais transparente. Em última instância, minaria a sonegação fiscal, que acontece muito por conta dessa pulverização do sistema, em que é difícil inclusive fiscalizar”, afirma Valéria Amoroso Lima, diretora executiva de downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás. Além disso, o texto também fala que as alíquotas do imposto, que seriam definidas em lei complementar posteriormente, seriam fixadas por quantidade de produto e também passariam a ser uniformes em todo o país. 

Ainda que esse relatório caia por terra e ganhe força uma reforma fatiada no Congresso, esses pontos são endereçados também em outro projeto. Enviado pelo governo federal à Câmara dos Deputados em fevereiro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 16/2021 traz para o centro das negociações uma revisão no ICMS dos combustíveis. Basicamente, as alíquotas seriam unificadas em todo o país e pagas no refino ou importação.

O projeto também determina que o valor será cobrado sobre o litro do combustível. Para defini-lo, caberia decisão do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne secretários da Fazenda de todos os estados. “A presente proposição não ocasiona renúncia de receitas tributárias dos estados e do Distrito Federal, que mantêm plena autonomia para fixar as alíquotas do imposto em montantes que garantam a manutenção dos patamares de arrecadação”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao justificar a proposição. 

Ao defender o projeto a apoiadores no Palácio da Alvorada, em fala reproduzida por canais bolsonaristas em meados de maio, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que “não vê chances” de o projeto ser aprovado. “O Congresso lá dificilmente tem convergência das coisas. É natural, a vida toda foi assim. Entramos com um projeto lá, pedi urgência, e acho que vou ser derrotado”, disse Bolsonaro, afirmando que recorreria então ao Supremo Tribunal Federal (STF). 

O texto foi apensado ao PLP 11/2021, que, desde novembro, está em discussão na Comissão de Finanças e Tributação, em que o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) é o relator. Depois, precisa passar pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) antes de ir a Plenário. 

A perspectiva otimista é que, de fato, a mudança promoveria simplificação do sistema e maior previsibilidade para a cobrança de impostos. “A uniformização retiraria problemas como a dificuldade de recompor valores pagos no início da cadeia quando o valor ao consumidor é menor do que o havia sido presumido. Isso traria segurança e está alinhado aos princípios da reforma tributária”, diz João Paulo Muntada Cavinatto, sócio líder de tributos indiretos e comércio exterior do BMA Advogados. Por outro lado, há o entendimento de que, na prática, a cobrança na refinaria já acontece no regime de substituição e uma eventual alteração desse modelo também não reduziria preços. 

Outra questão é a cobrança por litro. “Ao cobrar desse modo, além de não ser condizente com o funcionamento do ICMS, que é por receita, há um desestímulo à redução de preços quando o mercado pressiona o custo do produto para baixo”, avalia Jules Queiroz, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público. O entendimento é que a  mudança para taxação por volume vendido tende a não acompanhar flutuações no preço de mercado do combustível – isso reduziria a arrecadação esperada em momentos de alta do dólar, por exemplo.

Combustível de aviação e ICMS

A ideia das propostas de lei é que cada tipo de combustível tenha fixada uma alíquota distinta. No caso do querosene de aviação (QAV), principal meio energético para voos regulares, há outras camadas que tornam a discussão ainda mais complexa. Assim como acontece com outros combustíveis, o ICMS para o QAV apresenta diferenças de alíquotas entre estados também com o objetivo de atrair mais voos para um ou outro mercado. “A questão é que isso acaba moldando a malha viária brasileira para onde há mais benefícios, prejudicando o desenvolvimento de estados“, diz Queiroz. 

O mais novo capítulo dessa competição tributária se deu no Rio de Janeiro. No início de maio, a Assembleia Legislativa do estado aprovou redução da alíquota de 12% para 7% até o fim de 2035 para empresas que se dispuserem a operar em hub, sistema de conexão internacional de voos, ou em aeroportos do interior. Na aprovação, não foi apresentado estudo de impacto tributário. O governador Cláudio Castro (PSC) sancionou a lei no prazo máximo, em 25 de maio.

A diminuição da alíquota base de 25% para o produto já havia sido reduzida em 2019 no Rio de Janeiro. Naquele momento, ela variava de acordo com a quantidade de assentos disponibilizados pelas companhias aéreas: de 7% para as empresas com mais de 90 mil assentos semanais a 10% para aquelas com 12 mil a 40 mil assentos semanais. 

Também em 2019, São Paulo tomou iniciativa semelhante, reduzindo para 12% a alíquota de ICMS. Como contrapartida, exigiu a oferta de 490 novos voos semanais para 21 estados e 38 aeroportos, além da criação de seis novos destinos dentro de São Paulo. Esse tipo de posicionamento começou a ser adotado por diferentes estados em 2013, quando Distrito Federal e Ceará reduziram taxas para atrair voos. 

Durante a pandemia, os descontos se generalizaram para incentivar a manutenção de rotas durante o caos sanitário. No sistema Tracking, desenvolvido pelo JOTA para monitorar as principais medidas adotadas pelos gestores estaduais no período, foram encontradas medidas de incentivo fiscal ao combustível aéreo em pelo menos nove estados.

A adoção começou em julho do ano passado, quando o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne secretários estaduais, aprovou acordo que permite medidas de alívio tributário ao setor. Pelo combinado, a carga tributária incidente para o QAV ficou em 3% na região Norte; 7% no Centro-Oeste, Nordeste e Sul, bem como nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Distrito Federal; e 10% no estado de São Paulo.

Cada ente poderia dar benefícios extras também. Um dos destaques foi a política que começou a valer neste ano no Rio Grande do Sul, em que a alíquota deve ficar entre 4% e 7,5%. Já Minas Gerais anistiou créditos tributários do ICMS devido pelo descumprimento de recolhimento em 2020, se comprovada que a falta de pagamento se deu devido aos impactos da pandemia.

A estimativa das empresas é que uma redução de alíquota de 25% pela metade cortaria em igual proporção o custo do combustível para as aéreas que operam no Brasil. “O principal entrave para reduzir custos e ampliar a aviação comercial é a existência do ICMS, principalmente porque ele cobrado apenas internamente e não para voos internacionais. Gostaríamos de ter o mesmo modelo de tributação como acontece em outros países, para não haver essa questão”, diz Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear). Para voos internacionais, o ICMS não é cobrado pelo retorno, porque há o entendimento de que a aeronave será abastecida fora do país.

Em se tratando de benefícios para o setor, o governo federal vinha prometendo, desde o ano passado, zerar o PIS/Cofins do querosene de aviação em decreto – o produto já tem 75% de desconto, por isso pesa menos do que o ICMS. Em março, por meio de um decreto e uma medida provisória, isentou o imposto sobre a comercialização e a importação do óleo diesel por dois meses. Mas, até agora, não retornou ao assunto do combustível de aviação.

O cálculo da secretaria de Aviação Civil é de que isso geraria uma redução de R$ 250 milhões em arrecadação, considerando redução de R$ 0,07 por litro em 2019. “Entendemos que R$ 250 milhões não é excessivo, considerando a importância estratégica do setor”, afirmou ao JOTA o secretário da pasta, Ronei Glanzmann. Por enquanto, o maior foco do governo tem sido em pressionar pela redução do ICMS pelos estados.