
A Câmara dos Deputados aprovou PEC que prevê anistia a partidos políticos que descumpriram a exigência de lançar pelo menos 30% de candidatas mulheres, além de distribuir proporção equivalente de recursos de campanha de acordo com o número de candidatas e de negros.
Enquanto a discussão era iniciada em plenário, na noite de quarta-feira (30/3), a CASA JOTA recebeu evento para discutir o que está em disputa na PEC para a representação feminina na política. O painel foi organizado pelo comitê de mulheres do Sergio Bermudes Advogados, com patrocínio do escritório. A transmissão será no YouTube do JOTA.
A PEC 18/2021, de autoria do senador Carlos Fávero (PSD-MT), foi aprovada na Câmara com alterações propostas pela relatora, a deputada Margarete Coelho (PP-PI). Agora, a proposta vai para promulgação.
Ficou estabelecido que a Justiça Eleitoral não poderá aplicar sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não respeitaram as cotas mínimas de gênero e raça em eleições passadas.
“Há algo muito errado no nosso arcabouço jurídico, que impede a ascensão de mulheres. Falamos sobre a necessidade de uma mudança de cultura na sociedade, mas precisamos pensar também nesse arcabouço, que não está catalisando mudança”, disse Maria Claudia Bucchianeri, ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na CASA JOTA.
“Essa PEC é um exemplo disso; ela pode cristalizar essa situação, em vez de promover mudanças”, completou Bucchianeri. Ela entende que ajustes feitos na Câmara promoveram “redução de danos” em relação ao texto aprovado no Senado, ainda que não tenha sido capaz de retirar a anistia.
O texto também fixou que no mínimo 30% dos recursos do fundo de financiamento de campanha e da parcela do fundo partidário com esse fim sejam investidos em candidaturas de mulheres, podendo ser mais conforme a proporção delas. Esse patamar também será seguido para repartir o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão.
“Constitucionalizar a cota, com a obrigação de que seja proporcional ao número de candidatas, foi o grande ganho, porque foi com esse financiamento que tivemos avanços”, diz a deputada Margarete Coelho. Ela afirma que, embora os partidos que descumpriram as regras no passado se vejam livres de punições agora, o mais adequado seria falar em uma prorrogação para o uso de recursos.
“A PEC reconhece que muitos partidos tiveram dificuldades para gastar durante a pandemia, porque não houve eventos presenciais. Essa verba não será devolvida pelos partidos, poderá ser gasta agora, inclusive em pré-campanhas femininas”, pontua.
Na versão aprovada pelo Senado, havia a previsão de que a verba que não fosse utilizada em campanhas femininas poderia ser acumulada para eleições seguintes. O dispositivo foi suprimido na Câmara. Foi mantida a obrigação de que se destine no mínimo 5% dos recursos do fundo partidário a programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.
“Estamos vivenciando uma proposta de legislação que vai na contramão de qualquer política afirmativa para mudar essa situação de desigualdade. O Congresso Nacional editou uma PEC sem qualquer necessidade e que, com uma canetada, pode colocar a perder tudo o que avançamos nos últimos anos”, avaliou a procuradora regional da República Raquel Branquinho. Ela entende que os dispositivos seriam inconstitucionais.
O piso de candidaturas de mulheres e patamar proporcional para a distribuição da verba eleitoral para as campanhas delas foi introduzido pelo TSE em 2018. Porém, o descumprimento das regras para fomentar as campanhas de mulheres, como o uso de candidatas laranja para desviar verbas para homens, gerou investigações e processos contra legendas pela Justiça Eleitoral.
“Não temos reserva de cadeiras no Congresso, mas apenas direito de participar. É uma vergonha que tenhamos propostas para retirar o nosso direito. Estamos sempre lutando contra retrocesso”, afirmou Nildete Santana de Oliveira, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB do Distrito Federal.
Nas eleições de 2018, as mulheres ocuparam 13% das vagas do Senado e 15% da Câmara – no caso da segunda, o aumento foi de 51%. Apesar do avanço, o patamar está longe do patamar considerado razoável, a partir de 30%.
“Uma mulher no Congresso nem sempre consegue representar a si mesma, quanto mais 52% da população. A situação é pior para as negras, pois a sociedade faz com que elas tenham menos chances de participar”, adicionou Nildete Santana de Oliveira.
Com a aprovação da PEC, obrigações já estabelecidas pelo TSE e na legislação eleitoral passam a ser texto Constitucional, mais difícil de ser alterado. “Se o objetivo é fazer uma PEC sobre a questão, então queremos paridade nas vagas. As emendas à Constituição não podem virar brincadeira e ser usadas sempre”, disse advogada Elena Laudau, consultora do Sergio Bermudes.
Ainda, na perspectiva dela, a anistia incentivaria partidos a descumprir as regras. “Qual é sentido de cumprir se, daqui a três anos, se faz outra PEC para anistiar novamente?”, questionou.