
A discussão em torno da implantação de um piso da enfermagem no Brasil não vem de hoje. Ela foi inicialmente travada em âmbito estadual, mas uma série de empecilhos afastou a possibilidade dos avanços pretendidos pelos profissionais de saúde. Agora, em nível federal, o debate voltou à agenda política e se tornou novamente objeto de controvérsias no país.
Apesar das dificuldades encontradas pelos Poderes para a aprovação de um mínimo para os profissionais do setor de enfermagem, Shirley Morales, presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), afirmou não ser possível realizar essa discussão na esfera estadual. A dirigente da entidade explicou, durante webinar promovido pela Casa JOTA, que o debate inicialmente feito nos estados não rendeu frutos, devido às discrepâncias entre os entes e a necessidade de criação de um guarda-chuva que abrangesse não apenas o setor público, como também o privado.
Após uma ampla articulação, a Lei 14.434/2022 foi aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), para instituir um piso salarial nacional a enfermeiros, técnicos e auxiliares. Pelo texto, os primeiros receberiam um salário de, no mínimo, R$ 4.750,00. Técnicos e auxiliares de enfermagem passariam a receber, pelo menos, 70% e 50% do valor, respectivamente.
A redação sofreu críticas em razão da falta de definição das fontes de financiamento, o que culminou em uma liminar assinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), para suspender os efeitos da lei. A decisão foi referendada pela maioria da Corte Constitucional na última quinta-feira (15/9).
Segundo Morales, a federalização do debate também foi importante para trazer ao palco a União e as operadoras de saúde, “porque, se tem dois que estão ficando meio de fora dessa situação, desse debate, são justamente os que são mais fortalecidos nessa relação, que são as operadoras de planos privados, que lucraram muito com toda essa pandemia e a União, que desde 2016 com a EC 95 [teto de gastos] promove um desfinanciamento do Sistema Único de Saúde”. Morales também defendeu que propostas como a desoneração da folha só poderiam ser discutidas em conjunto com esses dois atores, o que só aconteceria caso o debate fosse em nível nacional.
Piso da enfermagem gera um ‘peso morto’
Em sua explanação no webinar, Cristiano Oliveira, professor associado do programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), criticou a criação de um piso salarial nacional para profissionais da enfermagem. Para o economista, o mercado está longe de apresentar uma falha aguda que mereça uma regulação nesse sentido. Com 380 mil estabelecimentos comerciais e 2,5 milhões de enfermeiros, é pulverizado e competitivo, segundo explica.
“Precisamos valorizar qualquer profissão. Salário não é uma questão de merecimento, não é uma questão de eu gosto mais de um grupo, eu gosto menos de outro grupo. Salário é um preço, é um preço na economia. E você interferir num preço determinado no mercado competitivo vai gerar problemas, vai gerar distorções de todos os tipos.” Uma delas, de acordo com Oliveira, seria a perda de bem-estar geral, o que no jargão econômico leva o nome de “peso morto”. Isso aconteceria graças aos caminhos que a sociedade teria de arranjar para custear os valores do piso, bem como às distorções de preços causadas pela interferência.
A fala do economista foi criticada por Shirley Morales, da FNE, e Antônio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). Para Britto, a hora discutir a viabilidade ou não de um projeto como piso da enfermagem já passou. A lei está aprovada. O momento atual é de reunir os representantes dos setores para achar um solução para o problema que está posto.
“É muito importante que a sociedade também caminhe para resolver os problemas em vez de simplesmente aguardar, por maior legitimidade que tenham, que os parlamentares resolvam por nós”, afirmou Britto. “Absoluta impossibilidade de operacionalizar a lei da forma como está e absoluto otimismo de que a gente pode, sentando e conversando dentro do Congresso, encontrar essas fontes e resolver esse problema.”