Reforma tributária

O atual sistema tributário brasileiro é racista, dizem especialistas

Evento do JOTA reuniu líderes do Black Tax Matters, grupo que busca incluir profissionais negros na área tributária

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Crédito: Tania Rego/Agência Brasil

No Brasil, cerca de 52,5 milhões de pessoas vivem na pobreza. Embora pretos e pardos representem 56,10% de toda a população brasileira, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2019, a última divulgada pelo IBGE,  72,7% das 52,5 milhões de pessoas que vivem com menos de R$ 420 per capita por mês se autodeclaram como pretas ou pardas.

Diante do cenário do país, Beatriz Soares, analista de Contencioso Tributário no Grupo Heineken no Brasil, avalia que nosso sistema tributário atual é racista e contribui para promover a desigualdade racial. “Na tributação sobre o consumo não existe progressividade, então não considera a renda de cada pessoa, é apenas uma tributação comum para todas as classes, por isso existe um impacto muito maior para pessoas negras”, explica.

Henrique Rodrigues, ativista social e analista tributário na Ambev, também avalia que o atual sistema tributário é “regressivo e prejudica a maior parte da população, já que a maior parte da sua carga tributária está efetivamente no consumo”. De acordo com ele, “precisamos de uma reforma que realmente priorize a redução da desigualdade, dando capacidade para o Estado trabalhar com qualidade e eficiência”. 

A “Tributação e Diversidade Racial” foi tema do webinar realizado, nesta sexta-feira (26/2), pelo JOTA. Os convidados são líderes do “Black Tax Matters”, grupo que busca a inclusão de profissionais negros na área tributária e contábil, especialmente em posições de liderança.

Rodrigues acrescenta que o sistema tributário deve pensar nas 27,2 milhões de mulheres pretas que estão abaixo da linha da pobreza e como isso afeta a renda delas. “É necessário pensar como a carga tributária do país está distribuída e como afeta as pessoas que estão na base da pirâmide. Então, algumas medidas em discussão no sistema tributário são sim eficientes, como a construção do IVA.”

O IVA é o imposto sobre valor agregado que incide ao longo da cadeia produtiva de bens e serviços, na qual o governo recolhe uma parcela do montante que foi acrescentado em cada etapa. O modelo é utilizado como base em parte das propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso.

Luciana Reis, sócia na RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial, explica que a motivação do Black Tax Matters, uma alusão ao Black Lives Matters, é impulsionar vidas negras do ambiente corporativo. Para, dessa forma, ajudá-las a chegar no nível de liderança. 

Reis afirma que a iniciativa funciona em quatro pilares fundamentais: a mentoria, o recrutamento, as parcerias e a geração de conteúdo. Ela também explica que isso é importante porque “as empresas contratam com alguns vieses inconscientes, currículos específicos que a população negra não tem acesso”.

Nesse sentido, Herman Fonseca, coordenador de Planejamento Tributário na Camil Alimentos, afirma que “apesar da formação ainda ser uma barreira, atualmente as empresas também estão olhando o perfil, a história e o engajamento das pessoas”.

Fonseca narra que muitas vezes, quando diz que trabalha numa multinacional do setor alimentício, a primeira pergunta recebida é em qual fábrica ele é empregado.

“A pessoa não consegue me enxergar numa posição estratégica, muito menos como gestor, que é o que eu sou. E isso é algo que conseguimos combater com representatividade”, explica.

Soares acredita que, em tese, o Black Tax Matters não deveria existir. “Mas ele existe porque o racismo estrutural existe e tentamos combatê-lo com uma ação afirmativa”, defende. Ela explica que os requisitos para a candidatura de vagas de emprego acabam agindo como um filtro que elimina boa parte das pessoas negras, “então, você tem que olhar para a história, carreira e caminhada de cada um para ver se realmente faz sentido”.

Assim, Rodrigues complementa que “a representatividade não é só uma questão de pessoas pretas. Quando não se tem diversidade dentro da empresa, deixa-se de adquirir conhecimento de pessoas que pensam com ideias diferentes”.

Luiz Henrique Dutra, analista tributário senior (Planning & Compliance) na iFood, explica que dentro dos órgãos públicos, as cadeiras costumam ser especificamente técnicas. “No final, as vagas acabam transformando o ambiente em predominantemente branco e existem diversos vieses por trás disso”, conclui.

Por fim, Dutra defende que “se não for via instrumentos afirmativos, fica difícil igualar a corrida para que as pessoas possam criar sua carreira com seu próprio engajamento”.