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Lei de franquia e precedentes devem ser respeitados, dizem ministros do TST e STJ

Maria Cristina Peduzzi, do TST, e João Otávio Noronha, do STJ, participaram de evento na Casa JOTA sobre foro para disputas empresariais

Ministros João Otávio Noronha (STJ) e Maria Cristina Peduzzi (TST) | Foto: Paulo Negreiro

Ecoa no Supremo Tribunal Federal (STF), nos últimos meses, discussão sobre a natureza jurídica do contrato de franquia, após decisões da Justiça do Trabalho reconhecendo vínculo de emprego entre franqueadora e ex-franqueados.

Segundo as duas turmas do STF, em reclamações constitucionais movidas por franqueadoras, a relação é empresarial, não havendo relação empregatícia entre as partes, de acordo com precedentes vinculantes firmados pela corte. Com isso, as franqueadoras vêm obtendo a chancela de seus modelos de negócio pelo Supremo.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) também entrou no debate, já tendo afastado vínculo de emprego em pelo menos dez casos envolvendo o contrato de franquia. No entanto, alguns juízes e desembargadores resistem em observar a lei de franquia a referidas decisões dos tribunais superiores.

E mais: o tema ganhou maior repercussão porque, de acordo com a orientação jurisprudencial do STF, em sendo a disputa oriundo de contrato comercial, a Justiça do Trabalho sequer teria competência para analisar a questão, cabendo à justiça comum analisar a controvérsia.

Neste contexto, em evento promovido na Casa JOTA na quinta-feira (5/10), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha lembrou que a legislação teve um propósito claro de desvincular as relações de contrato de franchising do âmbito trabalhista.

“O legislador carimbou a relação entre franqueador e franqueado como algo puramente contratual. Infelizmente, nem tudo que o legislador faz, às vezes, é seguido, mas deveria ser”, afirmou o ministro

Ele também apontou para o fato de que quem contrata franquia sabe o que está sendo acordado e revelou preocupação com artifícios para descumprir o que está na lei. “Preocupa quando queremos fazer justiça social ao arrepio da ordem jurídica. A Justiça tem que projetar efeitos do seu decidir”, disse.

A ministra do TST Maria Cristina Peduzzi defendeu a missão da Justiça do Trabalho de atuar para equilibrar relações entre capital e trabalho. “Até como contrapeso às assimetrias de poder entre empregado e empregador, mas sabemos que o modo de prestar trabalho como empregado está em transformação e o TST tem sensibilidade e reconhece estas mudanças”, afirmou a magistrada.

Sobre as decisões do STF, Peduzzi lembrou que é preciso seguir as teses constitucionais firmadas pela suprema corte, mas que o uso do distinguishing (quando não se aplica precedente por entender que ele não se aplicaria ao caso concreto) tem sido exagerado: “É algo para ser usado em caráter excepcional, mas vem sendo usada ordinariamente para descumprir decisões do STF ou mesmo do TST, ou do STJ.”

Ela enxerga papel relevante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para lidar com esses conflitos: “Também no CNJ foi aprovada uma recomendação sobre o distinguishing que tem que ser extraordinário e justificado. Agora, o Judiciário precisa exercitar e positivar os instrumentos normativos do CNJ, praticar a observância dos precedentes estabelecidos.”

Felipe Recondo (JOTA), João Otávio Noronha (STJ), Maria Cristina Peduzzi (TST), Marcelo Mazzola (EMRJ) e Sidnei Amendoeira (ABF) | Foto: Paulo Negreiro

Na visão do diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising (ABF), que apoiou o evento, Sidnei Amendoeira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, a não observância da lei de 13.966/ 2019, que trata dessa relação empresarial, pode prejudicar o setor e inviabilizar parte da atividade.

“O que nos espanta é que nova lei, no artigo primeiro, deixou claro que a relação não é de consumo, não há vínculo empregatício entre franqueador e franqueado e nem entre o franqueador e o colaborador do franqueado”, afirmou Amendoeira na Casa JOTA.

“Neste contexto de decisões, nos preocupa o entendimento da Justiça de Trabalho ao dizer que é uma relação presumida fraudulenta e não ao contrário, que ela se presume correta porque ela cumpre todos os requisitos da norma jurídica e é, portanto, uma relação de natureza civil”, completou.

Dados apresentados pelo executivo da ABF mostram que hoje o Brasil tem cerca de três mil marcas franqueadoras, o que leva o país a ser o quarto maior em franquias no mundo, com 186 mil franqueados e gerando quase 3% do PIB.

“O conceito da hipossuficiência dos trabalhadores, que é da relação de vínculo empregatício e não vínculo comercial, tem sido usado no debate envolvendo acordos entre legítimos empresários hipersuficientes e franqueadoras, o que é um erro. O empreendedor tem condições de avaliar adequadamente as condições contratuais e é dada toda a transparência no modelo de contrato adotado”, comentou Amendoeira.

Na visão de Marcelo Mazzola, professor da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, o que o STF tem feito é validar a livre iniciativa e a livre concorrência. Ele também criticou o uso excessivo do distinguishing. “Não pode ser um recurso para afastar o precedente fixado pelo Supremo, ignorando suas sinalizações. Há uma resistência institucional de alguns membros da justiça do trabalho em observar a precedência de decisões do STF”, criticou o especialista.

“Precedente é para ser cumprido, mas como os do STF não citam especificamente o setor de franquia, alguns julgadores ignoram”, concluiu.

Competência jurisdicional

O conflito de competência para julgar disputas decorrentes de relações comerciais firmadas por duas pessoas jurídicas, particularmente em ações que visam a nulidade do legítimo contrato de franquia firmado e reconhecimento de vínculo empregatício, também foi objeto de debate no evento.

O ministro Noronha apontou que “o próprio STF tem sinalizado que se tem contrato de franquia é assim que deve ser tratado; não é da competência da Justiça do trabalho”.

Já a ministra Peduzzi destacou que vê semelhanças do caso em debate, do rompimento entre franqueador e franqueada, com outros precedentes do próprio STF em referência a contratos de transporte autônomo de carga e o trabalho associado de médicos e dentistas, por exemplo.

Na visão do professor Mazzola, uma possibilidade seria o STF editar teses mais específicasou vinculantes para o setor. “A corte poderia dizer claramente o que é competência da Justiça comum e só depois, se houve algum vício ou fraude no contrato, a Justiça do Trabalho poderia ser acionada. Em segundo momento”, comentou Mazzola.

Sidnei Amendoeira, da ABF, apresentou um contraponto: “Uma decisão do STF, uma tese vinculante para franquia, seria perfeito, mas sei que não é necessário porque a lei é clara e bem escrita. O óbvio não precisaria ser dito. É desnecessário ter precedentes vinculantes específicos para cada segmento, desnecessário quando já se tem uma lei clara”, afirmou o representante do setor de franquia.

Arbitragem

Também entrou no foco da conversa o uso da arbitragem como método apropriado de resolução de conflitos envolvendo contratos de franquia. Isso porque, no ano passado, o STJ decidiu, em incidente de conflito de competência, pela prioridade da Justiça do Trabalho para analisar conflitos em detrimento do juízo arbitral.

No entanto, segundo o ministro Noronha, essa decisão foi dada antes dos precedentes do STF e do TST sobre a matéria. E ponderou: “o fundamento da decisão do STJ foi que, se for descaracterizado o contrato, restou relação de emprego. E quem fala disto é a Justiça do Trabalho”.

“O STF foi além e disse que não quer entrar na discussão, se tem contrato de franquia é assim que deve ser tratado. STF disse no fundo para parar com as desconsiderações. Se não há relação de emprego, não é da Justiça do Trabalho”, completou.

Além disso, a ministra Peduzzi explicou que, após a reforma trabalhista, existe a possibilidade de que a resolução de conflitos se dê por meio de alternativas extrajudiciais como a arbitragem no caso de atores hipersuficientes. Esse seria o caso da relação empresarial de franchising.

Ministra Maria Cristina Peduzzi, do TST | Foto: Paulo Negreiro

“Sobre a definição jurídica de hipossuficiente, a reforma trabalhista, no artigo 444 da CLT, permite para algumas finalidades o uso da arbitragem. Temos que valorizar a autonomia individual destes empregados com maior poder de discernimento, tem critérios na lei para isto”, afirmou.

O caso ainda pode ter novos capítulos no Judiciário, mas o caminho traçado pelo STF tem ido no sentido de reconhecer novas formas de relações empresariais, que não se restringiriam ao modelo de vínculo empregatício, privilegiando a livre iniciativa e liberdade negocial e contratual.

Com isso, a atuação da Justiça Trabalhista se direcionaria aos litígios com repercussão social, envolvendo hipossuficientes em relações não empresariais. Em contrapartida, as disputas empresariais teriam como foro apropriado a Justiça comum ou a arbitragem, se assim convencionarem as partes.

Assista ao painel na íntegra: