Rumos do Brasil

Jorge Messias diz que AGU prepara norma sobre desinformação e plano contra racismo

Ministro foi o primeiro entrevistado da série Rumos do Brasil, parceria do JOTA com o XVV Advogados e o YouTube

AGU desinformação
O advogado-geral da União, Jorge Messias / Crédito: Britto Jr

O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, defendeu a atuação da pasta no combate à desinformação e adiantou que irá submeter uma proposta de portaria sobre o tema à consulta pública. Também afirmou que irá revisar a posição da União em ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute racismo institucional.

Nesta terça-feira (21/3), ele foi o primeiro entrevistado do ciclo de encontros Rumos do Brasil, realizado pelo JOTA em parceria com o XVV Advogados e patrocínio do YouTube.

“Quando se fala de democracia, o tema de desinformação é chave porque ela corrói a confiança da população nas instituições”, disse Messias. No início do ano, a AGU anunciou a criação de uma nova estrutura nesse sentido, a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia.

“Desde a transição, nós tínhamos o diagnóstico de que os dados mostravam a necessidade de ter uma institucionalidade em favor da democracia. Tivemos uma eleição com protagonismo do discurso de ódio e das fake news. Não poderíamos nos conformar com esse estado de coisas inconstitucional”, comentou.

Messias disse que, em um prazo de cerca de dez dias, irá encaminhar para consulta pública a minuta de uma portaria gestada internamente para atuar no tema. Segundo ele, foram consultados especialistas e representantes de diferentes setores para compor o texto. “Para o nosso governo, o diálogo é método de gestão”, afirmou.

Na época em que foi anunciada, a Procuradoria foi alvo de críticas de que ela poderia gerar riscos de cerceamento da liberdade de expressão. Messias descartou a possibilidade. “Ao criar a Procuradoria na AGU, o que colocamos para debate público é a necessidade de ter uma unidade vocacionada para esse tema. Mas os marcos serão definidos por meio do debate público”, afirmou.

“Muitas vezes, a defesa da liberdade de expressão coloca em xeque a própria democracia, quando se defendeu ataques antidemocráticos, por exemplo. E a AGU não tem poder de polícia, há o Poder Judiciário”, completou.

Entre as funções desta nova área está a de “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Além disso, terá a responsabilidade de representar e defender a União em matéria eleitoral.

Ao comentar o combate às fake news, ele defendeu que uma potencial legislação nasça do debate no Congresso Nacional, a partir do projeto de lei que está em discussão sob relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Também deu destaque à necessidade de autorregulação feita pelas próprias plataformas, que se somaria às sanções do Estado.

“Quando as plataformas entenderem o próprio papel, teremos êxito”, enfatizou, pontuando ainda a necessidade de equilíbrio entre as normas e a livre manifestação. “A produção de conteúdo é muito dinâmica, seria uma insanidade interromper esse processo criativo”, disse.

O professor Mateus Silveira, professor de Direito para concursos públicos – que faz parte da rede de criadores de conteúdo contemplados pelo Fundo Vozes Negras, do YouTube – apontou para a necessidade de se pensar em uma regulamentação sobre desinformação que não traga consequências negativas ao conteúdo legítimo.

“As plataforma são negócios. A depender das limitações e regulações, pode ser mais fácil para elas limitar a produção de conteúdos, o que pode impactar as novas vozes, os novos criadores de conteúdo. Precisamos ter também liberdade para fazer críticas”, disse.

Messias destacou a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nessa seara como um exemplo a ser seguido em uma eventual regulamentação sobre o tema – durante as eleições, a Justiça Eleitoral tomou decisões rápidas ordenando a retirada de conteúdos do ar, por exemplo.

O AGU também defendeu que a Justiça encontre novos modelos de atuação para lidar com a questão. “Poderíamos pensar em ritos diferenciados para que o Judiciário possa ter uma atuação mais célere nesses temas. Pode ser um bom caminho para essa discussão”, disse.

Em relação aos posicionamentos da União no STF, Messias disse que as prioridades são alterar o direcionamento em processos ambientais e também naqueles envolvendo povos indígenas e racismo.

Enquanto já houve essa atualização em diferentes ações envolvendo o meio ambiente, ele adiantou que prepara um plano a ser apresentado no âmbito da ADPF 973, que trata de racismo institucional pelo Estado, sobretudo o praticado pelas forças de segurança.

“Não podemos admitir o estado de coisas inconstitucional com a população negra nesse país e a necropolítica do Estado. Não podemos admitir isso nem mais um dia. Por isso, estamos em diálogo com os Ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos para apresentar um plano ao STF”, afirmou.

Sobre este tema, Beto Vasconcelos, sócio do XVV Advogados, lembra ainda de como a legislação atual e as políticas públicas em outras áreas podem acabar penalizando a população negra. “Nossa população carcerária é majoritariamente negra, pobre e periférica. Muitos estudiosos conferem a responsabilidade à atual política sobre combate às drogas”, afirma.

Além da nova Procuradoria para lidar com desinformação e combater ações antidemocráticas, a AGU passou a ter também uma unidade dedicada à pauta ambiental e climática. “Criamos a Procuradoria de Defesa do Clima com a necessidade de melhorar a governança da casa no tema”, comentou.

Faz parte dessa atuação o parecer, divulgado nesta semana, que revisa o entendimento da gestão federal anterior sobre prescrição de multas ambientais, que levava à prescrição de cerca de 184 mil multas, com impacto estimado em R$ 29 bilhões.

“Além do valor financeiro, o que importa nessa ação é o valor público, de que vamos defender o meio ambiente”, disse Messias. Na visão dele, a prescrição de sanções, inclusive para reincidentes, seria ilegal e também transmitiria confiança para os infratores de que não existiriam consequências por danos ao meio ambiente.

O ministro também comentou que, embora a AGU não deva tomar a frente de reformas, como tributárias e trabalhistas, a pasta acompanha a gestação de propostas de olho em evitar contestações na Justiça.

“Do ponto de vista da melhoria do ambiente de negócios, é necessário que haja estabilidade nas relações jurídicas. Na seara trabalhista, temos uma diretriz clara de abrir uma ampla frente de diálogo para discutir quais são os pontos da última reforma anterior que merecem reflexão”, disse.

Assista à entrevista completa:

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