Complexo industrial de saúde

Gastar em saúde é inserir o Brasil na revolução tecnológica, diz secretário Gadelha

Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde discutiu parcerias com setor privado na Casa JOTA

Carlos Gadelha, Eduardo Calderari, Lígia Formenti, Hiran Gonçalves, Gustavo Sanmartin | Foto: Paulo Roberto de Negreiros

Um dos maiores desafios para desenvolvimento em saúde no Brasil é a dependência de tecnologia, produtos e equipamentos estrangeiros. Para lidar com esse e outros desafios, envolvendo os gargalos legais, tributários e financeiros, o governo federal criou o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde nesta semana. 

Em painel da Casa JOTA com patrocínio da Bayer, nesta quarta-feira (5/4), Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde, comentou sobre o retorno do Grupo e os esforços para fazer o país avançar no desenvolvimento de tecnologia para o setor.

Ele enfatizou a necessidade de gestores, investidores e a população reconhecerem o investimento na área como um potencial a curto e a longo prazos. 

“Saúde é desenvolvimento. Além de qualidade de vida, estamos falando de crescimento econômico e científico, pois a saúde é a área que mais gera pesquisa do Brasil. Gastar nessa área na verdade é fazer um investimento de entrada definitiva do país na quarta revolução industrial, a tecnológica”, defendeu o secretário.

“E os avanços não diminuem empregos pois não cuidamos das pessoas apenas com máquinas e algoritmos. A área da saúde emprega nove milhões de pessoas diretamente e tantas outras milhões indiretamente”, completou.

Um dos objetivos é incentivar a fabricação de medicamentos e insumos médicos no país por meio do fortalecimento da cooperação entre os setores público e privado. Criado inicialmente em 2008, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a iniciativa é retomada 15 anos depois com foco na produção nacional.

Nesse sentido, a pandemia da Covid-19 deixou evidente que a necessidade de importação de muitos itens essenciais atrasa e encarece o enfrentamento de doenças. Como perspectiva futura, está não só o fim da dependência de insumos médicos estrangeiros, mas também a possibilidade de transformar o Brasil em um forte exportador. 

A meta do Grupo é que 70% dos insumos necessários para a saúde da população sejam produzidos internamente até o fim do mandato do presidente Lula, de acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, ao anunciar a recriação do programa. Para que isso seja possível, os indicadores econômicos precisam atrair os investidores nacionais e estrangeiros.

Para o governo, juros mais baixos, reforma tributária e câmbio competitivo favoreceriam as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), que promovem a união do setor público com empresas para transferir tecnologia de medicamentos, vacinas e insumos.

“Precisamos de um arcabouço jurídico e regulatório muito bem estruturado para que o investidor queira investir no Brasil. O diálogo tem que ser amplo e todos têm que sentar à mesa para que as ações sejam executadas com excelência. São aprendizados que tivemos ao longo dos últimos anos e devemos olhar para isso para evitar que alguns erros se perpetuem”, comentou Eduardo Calderari, presidente-executivo da Interfarma.

O senador Hiran Gonçalves (PP-RR) também esteve presente no debate e comentou que há esforços do Congresso em prol do desenvolvimento de tecnologias em saúde, mas relembrou outro ponto: a concretização desses projetos envolve lidar com um país de dimensões continentais e um sistema de saúde igualmente grande, com recursos limitados. 

“Nós temos um desafio do tamanho do nosso país. Visitamos centros de inovação e pesquisa em outros países e aprendemos muito, mas quando começamos a colocar isso nos números da nossa realidade, vemos que temos o desafio de incorporar essas tecnologias com recurso limitado”, disse ele, que também defende que Brasil precisa estabelecer marcos adequados para a pesquisa científica e clínica para se parear a países desenvolvidos. 

As organizações Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) e Crônicos do Dia a Dia (CDD) representam uma das partes da população mais afetada pela falta de desenvolvimento em saúde e também pela demora na incorporação de medicamentos ao SUS: os pacientes que vivem com doenças crônicas, doenças raras e enfermidades degenerativas.

Gustavo Sanmartin, diretor-executivo das ONGs, chamou atenção não só para o que ainda é preciso desenvolver em termos de insumos e medicamentos, mas também para o fato de que muitas pesquisas já realizadas e bem sucedidas não são incorporadas ao SUS nem chegam a quem mais precisa. 

“Eu quero que as pessoas tenham acesso a seu tratamento. Temos pacientes que não são favorecidos pelo que já existe. Vamos trabalhar para organizar e baratear os processos? Não podemos discutir inovação e fechar os olhos para o que não está funcionando”, pediu. 

Quero ser o paciente que celebra a retomada do Complexo Industrial da Saúde mas que também celebra que, enquanto ele se desenvolve, já tenho acesso à saúde”, disse Sanmartin. 

No caso de doenças raras, por exemplo, a incorporação de novos medicamentos pelo SUS faz com que muitos pacientes busquem a Justiça para ter acesso ao tratamento. 

Assim, o governo frequentemente precisa comprar o medicamento por um preço mais alto do que pagaria caso negociasse maior quantidade e recorrência de compra com o fornecedor. Além disso, com as dificuldades na incorporação,  investidores também perdem o interesse em desenvolver e negociar os medicamentos. 

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich reforçou que a garantia de medicamentos no SUS passa por uma complexa equação sobre prioridades e financiamento da saúde, que o Brasil precisaria resolver.

“A minha preocupação é que nossas políticas e propostas sejam realistas, não românticas. Não podemos nos propor a entregar benefícios impossíveis de serem entregues. É a gestão que define essas prioridades, tendo em vista como gastar melhor o dinheiro para que a sociedade como um todo se beneficie”, comentou sobre os desafios da incorporação.

Calderari, da Interfarma, afirmou que estabelecer parcerias a administração pública também é um anseio do setor farmacêutico. “Estamos falando de desenvolvimento nacional, mas temos que lembrar do paciente, que é o ente mais importante disso. O que isso tudo gera de benefício pra ele: mais acesso, ampliação do que é ofertado? Se nas últimas décadas tivemos um salto de longevidade da população, foi graças à inovação, ao saneamento básico, às vacinas e aos remédios. O governo tem uma missão extremamente importante e tem o setor farmacêutico à disposição para que possamos trabalhar juntos nessas melhorias”. 

Para Gadelha, a atenção precisa ser conjuntoa “Há um verdadeiro esforço que temos que fazer: articulação de política pública, diálogo com órgãos de controle e não depender de atitudes individuais e isoladas. Precisamos fortalecer um ambiente de estabilidade institucional para o investidor público e privado”, disse. 

O evento está disponível na íntegra no YouTube: