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Deborah Duprat avalia que país precisa de democracia militante

‘Temos que nos valer das ferramentas das constituições modernas para contenção aos ataques à democracia’, diz

Deborah Duprat
Deborah Duprat: “Nunca estivemos mais ameaçados em termos de democracia”. Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

O alemão Karl Loewenstein, um dos expoentes do constitucionalismo, criou em 1937 o conceito de “democracia militante”. Em sua visão, é preciso investigar e, se necessário, restringir direitos de grupos que ameaçam a democracia. Durante o segundo debate da série “Democracia e Constituição: Voz e Letra”, a subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprat citou uma frase de Loewenstein: “a maior virtude da democracia é também o seu maior vício, sua maior fragilidade, que é a tolerância. A democracia tolera tanto, que tolera a chegada ao poder de alguém, ou de um partido, que diz que vai destruir a democracia”.

Para Duprat – que durante a carreira se notabilizou por uma ampla defesa dos direitos humanos –, o Brasil passa por um momento em que a democracia militante se faz necessária. “Estamos de tal forma, que temos que nos valer das ferramentas que as constituições modernas desde o pós-guerra estabeleceram como contenção aos ataques contra a democracia”, afirma.

“Uma [ferramenta] são os crimes de responsabilidade, e a outra, que é mais comum principalmente na Europa, é extinção de partidos que veiculam discursos contra a democracia”, explica. “Acredito que é preciso coragem das instituições para acionar essa democracia militante”.

A subprocuradora-geral aposentada enxerga características próprias do populismo atual em relação a movimentos correlatos anteriores. “O populismo contemporâneo, ancorado nas redes sociais, é diferente dos populistas mais antigos, que se valiam das estruturas do Estado para os seus projetos”, destaca. “O populismo contemporâneo é contra o Estado, que surge em um momento de fragilidade do Estado, que não atende mais determinadas demandas”, diz. “Você junta um encolhimento do estado de bem estar social e um Estado corrompido, que está uma balbúrdia na educação”, avalia. “Isso cria um caldo na sociedade de antipatia com o Estado”.

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Duprat vê um desvirtuamento do eixo central da democracia com essa desvalorização do Estado. “Quem tem contato com as novas gerações sabe desse sentimento de que não é preciso o Estado, que é preferível ser uma empresa”, diz.

“A noção de empresa, que está no caldo do neoliberalismo e surge muito com esses líderes antipopulares, de que você tem que ser um empreendedor, e não depender do Estado, é um discurso que acaba com o principal ethos da democracia, que é a igualdade. A empresa tem uma relação com o seu próximo de concorrência, jamais de igualdade. Se cada um se transforma em uma empresa, e todo mundo quer ser um empresário de si, nem que seja com uma bicicleta com uma caixinha nas costas, você perde o ethos central da democracia”

A avaliação de Duprat é de que hoje há uma série de ameaças à democracia: “as ameaças à democracia estão em todos os lugares. Estão no populismo contra o Estado, estão em uma política econômica também contra o Estado, e no sentimento que foi construído contra o Estado”. Para Duprat “nunca estivemos mais ameaçados em termos de democracia”.

Pandemia e revalorização do Estado

Deborah Duprat entende que a pandemia trouxe uma valorização do papel do Estado. “A pandemia talvez seja uma brecha, porque ela desorganiza todas essas ideias, em uma hora em que o Estado tem que se fazer tão presente, com seu sistema de saúde e na regulação da vida econômica”, explica.

A paralisação do comércio, indústria e de prestadores de serviços, avalia, também serviu de teste para o modelo de mercado atual. “Tudo parou de funcionar e mostra a falência de um mercado que só opera em condições muito ideais”.

Duprat espera que a pandemia tenha trazido uma reflexão à sociedade. “Sem Estado, todas as desigualdades tendem a aumentar e direitos a não se realizarem”, lembra. “A pandemia só fez tornar muito visível nossa desigualdade, potencializada pelo desmonte da nossa administração federal”, ressalta. “É uma possibilidade de nos entendermos melhor enquanto sociedade”.

O projeto “Democracia e Constituição: Voz e Letra” é baseado em um discurso de Ulisses Guimarães. Neste ciclo, serão ouvidos atores dos Três Poderes, da academia e da sociedade civil para aprofundar o debate, tão importante à previsibilidade institucional do país, missão primordial do JOTA. O primeiro debate foi com o professor Steven Levitsky, do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Harvard, coautor de “Como as Democracias morrem”.