WEBINAR DO JOTA

CADE deve lidar com remodelo de mercado da crise e avanço da tecnologia

Vinicius Marques, ex-presidente do CADE, avalia que decisões serão moduladas “para situações específicas”

cade infração à concorrência
Fachada da sede do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Crédito: Cade

A produção industrial teve queda de 27,2% em abril na comparação com o mesmo período do ano passado e o volume de serviços recuou 17,2% nessa mesma base. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e refletem o impacto do coronavírus na economia. Algumas empresas fecharam e outras buscam formas de seguir ativas. Para quem sobreviveu neste período, a fusão com outras companhias pode ser a saída para manter-se funcionando.

“Acho que uma onda de fusões deve aparecer de players estratégicos em virtude dessa crise”, prevê Barbara Rosenberg, sócia concorrencial do BMA Advogados.

Já Sergio Costa Ravagnani, conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa da Econômica (CADE), tem a impressão de que os grandes problemas da crise ainda não chegaram ao CADE. “Considerar os efeitos da crise e os efeitos dela para o futuro, isso vai precisar ser levado em conta. O contexto vai se impor em algum momento”, avalia Vinicius Marques de Carvalho, ex-presidente do CADE.

As declarações foram feitas durante webinar do JOTA nesta sexta-feira (19/6), cujo tema foi: “Defesa da concorrência em tempos de crise e no pós-pandemia – objetivos e ferramentas”. A mediação foi de Guilherme Pimenta, repórter do JOTA em Brasília, e de Ana Paula Martinez, sócia da área concorrencial do Levy & Salomão Advogados.

No fim de maio, o CADE aprovou um acordo que permite a atuação conjunta de um grupo de empresas concorrentes nas áreas de alimentos e bebidas. “A necessidade de uma orientação caso a caso tem que ser muito bem demonstrada, muito bem fundamentada, tem que ter uma correlação muito grande com a pandemia”, explica o conselheiro Sergio Costa Ravagnani. “Tem que ser um risco muito grande de desabastecimento de insumos essenciais.”

Vinicius Marques de Carvalho, que foi presidente do CADE, frisa que as empresas que deixarem clara a realização de movimentos de adaptação têm mais chances de êxito no conselho. “Do ponto de vista substancial, é natural que as empresas em um momento como esse reajam por meio de mecanismos de contenção ou de adaptação a esse futuro”, diz. “As políticas de defesa da concorrência tendem, de maneira geral, a ver os mecanismos de adaptação, em relação ao futuro, de maneira mais positiva do que elas veem os mecanismos de contenção e de defesa que muitas vezes as empresas fazem.”

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Para a advogada Barbara Rosenberg, do BMA Advogados, a crise “nos obriga a olhar diferente e revisitar regras e critérios para que a gente avalie qual é a estrutura de mercado mais apropriada”. Em sua percepção, haverá uma revisão de determinados mercados. “A crise provoca uma reanálise. Mercados que historicamente eram definidos de uma maneira vão ser alterados por essa crise”, diz.

No entanto, não vê como necessária uma mudança de comportamento do CADE. “Não gosto muito da ideia de que o CADE vai ter que flexibilizar critérios e permitir operações que não seriam permitidas em outro contexto simplesmente por causa da crise”, defende. “Em paralelo, existem outros elementos. Não é a mesma coisa se a gente analisa a possibilidade de compra de uma empresa em um setor que teve ajuda governamental em relação a outro setor que não teve ajuda.”

A crise do coronavírus pode trazer mudança de postura não em casos específicos, mas no funcionamento geral de análises de concorrência. “É natural que quando temos uma grande crise como a de hoje alguma visão sistêmica tente se estabelecer”, destaca Carvalho. “A gente pode ter no médio e no longo prazo tensões maiores sobre a política de defesa de concorrência, mas o fato é que ela [tendência] não se estabeleceu ainda.”

Assista ao novo episódio do podcast Sem Precedentes sobre coesão do STF ao manter inquérito das fake news:

Possíveis mudanças na lei com o objetivo de readequar as análises precisam ser muito discutidas, defende o conselheiro Sergio Costa Ravagnani. “A necessidade de criação de jurisprudência sempre traz uma previsibilidade, só que ela tem que estar atenta às transformações, porque isso afeta o bem estar do consumidor, as condições de entrada, a eficiência dos negócios”, lembra. Segundo Ravagnani, novas necessidades ou tendências de consumo podem surgir a partir desses novos mercados, de tal forma que produtos que antes não tinham substitutos passem a ter. “Aí, você tem outra definição de mercado relevante”, destaca.

“Não é uma coisa que vamos resolver do dia para a noite, mas com certeza os exemplos serão acelerados, o que demandará uma análise do CADE em relação ao uso intensivo da tecnologia”, pondera Ravagnani.

Por falar em tecnologia, a advogada Ana Paula Martinez, mediadora do webinar, entende que esse fator trará os principais desafios futuros do CADE. “Um ponto em comum que a gente consegue extrair dessas diferentes transformações é permitido pela tecnologia”, diz. “Hoje a gente pede comida pelo aplicativo, a gente assiste aula online, e a questão é como o antitruste vai lidar com essa revolução que ocorreu em poucos meses.”

Webinars

A conversa sobre o CADE faz parte da série de webinars diários que o JOTA está realizando para discutir os efeitos da pandemia na política, na economia e nas instituições. Todos os dias, tomadores de decisão e especialistas são convidados a refletir sobre algum aspecto da crise.

Entre os convidados, já participaram do webinar estão o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o apresentador e empresário Luciano Huck, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, o presidente do STF, Dias Toffoli, o ministro Gilmar Mendes, o ministro Luís Roberto Barroso, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), a presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Fausto Pinato (PP-SP), o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa; além de representantes de instituições como a Frente Nacional de Prefeitos, a Confederação Nacional das Indústrias e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho.

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