O número de médicos aumentou exponencialmente nos últimos anos no Brasil. Hoje, há cerca de meio milhão de profissionais — o dobro do que tinha no início do século, segundo o estudo Demografia Médica no Brasil. Mas, se agora a proporção de médicos em relação ao tamanho da população aumentou, há problemas sobre a qualidade da formação desses profissionais.
“O Brasil sofre um problema crônico de qualidade de ensino. Existe uma preocupação mais em formar profissionais de ensino superior do que fazer controle sobre a qualidade deles”, disse Giovanni Cerri, coordenador do Instituto de Radiologia, do Hospital das Clínicas da USP, que foi secretário de Saúde de São Paulo entre 2011 e 2013. Ele participou de discussão sobre o tema em evento da Casa JOTA em parceria com a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), nesta terça-feira (16/8).
Para ele, o quadro se agravou com o início, em 2015, da estratégia do Ministério da Saúde de incentivar a abertura de escolas médicas para lidar com a falta de profissionais em regiões remotas ou vulneráveis do país. “O problema é que isso não veio acompanhado de residências médicas, então, hoje, apenas metade dos que se formam tem acesso a essa etapa, que é um instrumento fundamental para a formação”, disse Cerri sobre a especialização. “Passamos a formar médicos com cursos fracos, em hospitais-escola deficientes”, completou.
Nesse sentido, para os especialistas, seria imprescindível haver avaliações durante a formação dos futuros profissionais, bem como a possibilidade de testes prévios para exercer a medicina. “Temos métricas e regulamentações, como as matrizes de competências do Ministério da Saúde, que deveriam ser seguidas por todas as escolas de medicina, mas não são”, disse o mastologista, Cesar Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira.
Segundo ele, em breve, será necessário haver testes de ingresso na profissão de medicina e avaliações seriadas, independentes, para atestar a qualidade dos cursos superiores e dos profissionais. Porém, propostas nesse sentido esbarrariam em projetos de lei sem votação pelo Congresso.
Em relação às avaliações, o neurocirurgião Reynaldo Brandt, do Hospital Israelita Albert Einstein e CEO da empresa de tecnologia em saúde Vortics, defendeu que sociedades médicas e setoriais tomem à frente da discussão e organizem modelos próprios. “Elas têm o poder de colocar ou não esses profissionais no mercado. Assim como aconteceu com os advogados, quando as faculdades de Direito se tonaram excessivas, é o que precisa haver com os formados em medicina”, disse ele.
Se soma aos desafios de melhorar a qualidade das formações a dificuldade de fazer com que os novos profissionais atendam áreas com menor cobertura de saúde – enquanto em grandes centros urbanos sobram médicos, eles estão em falta em muitas outras regiões. “Uma proposta é ter carreira médica, como existe no Judiciário. Isso certamente colocaria os médicos em locais onde eles não estão hoje, como acontece com promotores e juízes. Mas falta vontade política para esse tipo de mudança”, opinou Fernandes.
Além disso, o foco em número de médicos, sem que as estruturas dos equipamentos de saúde acompanhem, pode ter pouco resultado em melhorar os indicadores sanitários do país. Na perspectiva do oftamologista, Rubens Belfort, que foi presidente da Academia Nacional de Medicina até o ano passado, é preciso cuidado para dizer se o Brasil tem ou ou não número adequado de médicos. Essa matemática costuma ser empregada para diagnosticar a situação de acesso à saúde.
“Devemos levar em conta o restante da equipe médica, pois há falta de apoio de outras profissões. Quanto mais funções os médicos têm, mais são demandados sem haver necessidade efetiva”, afirmou Belfort. Somadas às deficiências em recursos humanos, pesam ainda outros problemas estruturais nos quais o sistema de saúde brasileiro está mergulhado. “Para ser eficiente, o conhecimento médico precisa ter estrutura. O caos dentro do sistema de saúde vai muito além da formação do médico”, disse.
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