Em maio deste ano, o governo federal editou um decreto, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ministério da Economia, que estabeleceu as bases para a criação do aguardado mercado regulado de carbono no Brasil, 13 anos depois da implementação da Política Nacional sobre Mudanças do Clima, que já previa o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE).
Apesar de o ato ter sido encarado com o primeiro passo para a implementação da regulação do mercado de carbono, especialistas e membros do governo avaliaram na manhã desta segunda-feira (13/6), durante um evento realizado pela Casa JOTA com patrocínio do Itaú, em Brasília, que a regulamentação do setor por meio de um projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional é fundamental para garantir as diretrizes e fortalecer a segurança jurídica dos participantes, impulsionando também a agenda ambiental brasileira.
O decreto do governo federal teve como objetivo dar diretrizes ao mercado, com base na exportação de créditos para países e empresas que precisam compensar as emissões para cumprir compromissos de neutralidade de carbono. O texto define nove setores para planos de redução de gases de efeito estufa, entre eles a indústria transporte público, mineração, agropecuária e serviços de saúde.
Paralelamente à atuação do Poder Executivo, tramita no Congresso Nacional o PL 528/2021, que quer regulamentar esse novo mercado de carbono. O texto, da relatoria da presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputada Carla Zambelli (PL-SP), é considerado crucial pelo setor para o Brasil dar entrada efetivamente a esse mercado, ainda que precise de ajustes durante a tramitação no parlamento.
Debate na Casa JOTA
Na avaliação do secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, Alexandre Ywata, o decreto editado pelo governo federal serviu de modelo para os primeiros passos para a criação de um mercado de carbono “sólido e transparente”.
“A ideia do decreto não é substituir o projeto de lei, e sim antecipar discussões que já estão acontecendo quando o texto for aprovado e sancionado, garantindo o funcionamento do mercado de carbono”, ressalvou o secretário da equipe econômica.
Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), também destacou os termos do decreto editado pelo governo federal ao dizer que a sustentabilidade é o principal ponto de discussão hoje, tanto para as empresas quanto para os governos.
Seu discurso durante o evento, no entanto, também frisou que os próximos passos são necessários com a aprovação do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono.
“O Brasil só tem a ganhar com o mercado de carbono, que valoriza nossa matriz limpa e todo o potencial. Não há nada que seja ruim para isso”, afirmou, ao dizer que os próprios regulados hoje demandam a aprovação do texto. “Há uma harmonia que existe entre as melhores práticas para chegar a uma proposta que o setor discutiu.”
O consultor do Banco Mundial Guido Penido, que participou das discussões envolvendo o projeto de lei, avaliou que a edição do decreto foi uma sinalização positiva do governo em relação ao mercado de carbono.
Por outro lado, ele também concordou que há pontos fundamentais ainda em aberto, como os planos setoriais e o cumprimento das metas, principalmente em relação ao enforcement no caso de descumprimentos.
“Para alinhar o arcabouço regulatório com as práticas internacionais, como a própria adesão à OCDE, precisamos de uma regulamentação incisiva do mercado de carbono no Brasil”, considerou Penido no evento.
Potencial Brasileiro
Ao citar que o Brasil tem um “potencial energético muito grande”, Guido Penido disse durante a manhã que a agenda do carbono traz diversas oportunidades para o país, com interseção em todos os setores da economia, principalmente em relação a outros competidores internacionais.
“Resta saber aproveitar, comunicar e tangibilizar essas oportunidades no cenário internacional”, alertou o consultor do Banco Mundial.
A avaliação de Marina Grossi foi semelhante, principalmente ao destacar o potencial que o mercado pode vir a ter no país. “Se o Brasil é ofertante de crédito de carbono, precisa mostrar que dá para entrar no jogo”, disse.
O início da regulamentação deste mercado pelo Brasil, segundo a presidente do CEBDS, é uma sinalização aos organismos internacionais de que o país começou seu processo. “É um mercado que a gente está construindo no Brasil, segundo o desejo do governo e dos próprios entes regulados.”
“As questões ambientais estão nos riscos sistêmicos dos negócios das empresas. Se a gente tivesse um mercado de carbono em curso, teríamos elementos para dizer que a economia está direcionada”, complementou Grossi.
Calendário e desafios
Os debatedores reconheceram que o calendário do Legislativo deste ano, a ser afetado pelas eleições e frente às pautas prioritárias dos deputados e senadores, como as discussões envolvendo o setor elétrico, pode impactar a análise do texto ainda este ano.
Alexandre Ywata afirmou que o Ministério da Economia tem trabalhado junto à deputada relatora para endereçar as principais discussões no âmbito da regulamentação por meio do projeto de lei.
“O texto que chegamos até o momento foi o mais próximo de uma média ponderada entre as nossas convicções e as do próprio setor produtivo, mas ainda há pontos que podem ser melhorados”, ponderou o secretário, sem especificá-los.
Do ponto de vista dos regulados, Marina Grossi avalia que já existe um arcabouço que todos os players concordaram, com respeito à soberania e um sistema gradual. A proposta do Congresso, disse, nunca agradará a todos, mas considerou que é importante aproveitar o timing.
Ela acredita que existe vontade política para aprovar a regulamentação do mercado do carbono. “O ritmo não pode parar. Há momentos de explosão, depois de arrefecimento”, relembrou.
Independentemente do resultado das eleições presidenciais deste ano, Grossi disse que há consenso entre os partidos políticos sobre a importância da matéria para a economia brasileira.
“Seria um ganho enorme se o Executivo conseguisse aprovar o PL, já que os setores regulados estão alinhados. Com isso, conseguimos fazer com que o decreto seja sinérgico ao PL”, declarou Guido Penido.
Mercado voluntário
Os participantes do evento promovido pela Casa JOTA destacaram que, paralelamente ao mercado regulado de carbono, há um mercado voluntário, que movimentou US$ 1 bilhão de dólares em 2021 em todo o mundo – frente a US$ 800 bilhões do mercado regulado.
Esse mercado permite que empresas voluntariamente decidam reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Apesar da diferença entre a magnitude dos valores movimentados, Marina Grossi avaliou que os dois mercados podem conviver juntos.
No mesmo sentido, Guido Penido afirmou que há uma simbiose entre os dois mercados. “Do ponto de vista do mercado regulado, o voluntário pode ajudar, trazendo flexibilizações”.