CASA JOTA

Appy admite que avanço da reforma da renda deve ficar para virada do ano

Na Casa JOTA, secretario Bernardo Appy diz que objetivo será justiça tributária, sem detalhar proposta que o governo enviará ao Congresso

Daniel Loria, Bernard Appy e Pablo Cesário

Uma reforma que traga mais eficiência e justiça ao sistema tributário brasileiro é o principal objetivo das discussões sobre alterar a tributação no país, tanto do consumo quanto da renda. Depois de o Congresso aprovar a mudança do sistema de tributação sobre o consumo, e, neste semana, o governo federal enviar propostas investimentos offshore e de fundos exclusivos, a expectativa agora é pelo novo modelo de tributação da renda. 

A proposta em debate no governo deve ser enviada ao Congresso em breve. E se espera que a discussão avance no final do ano ou começo de 2024, segundo afirmou o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

Ele participou de evento, nesta quarta-feira (30/8) na Casa JOTA, sobre a saúde financeira das empresas e reforma tributária da renda. O evento contou com o patrocínio da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

“Nesta segunda fase da reforma tributária, o governo focará na questão da renda, buscando uma tributação mais neutra e isonômica, que traga eficiência e justiça para o sistema tributário brasileiro”, afirmou Appy, acrescentando que é “bem claro” saber onde estão as distorções na tributação sobre a renda e que a reforma precisa ser boa tecnicamente, mas também viável em termos políticos.

O secretário destacou a importância de corrigir distorções no sistema brasileiro, citando como exemplo o projeto de lei das offshores, encaminhado na segunda-feira (28/8) ao Congresso, e a medida sobre fundos fechados ou exclusivos.

“Essas são medidas que vão corrigir injustiças ou distorções do sistema. Um investidor com R$ 10 mil aplicado em um fundo de renda fixa paga come cotas, imposto cobrado duas vezes no ano, mas alguém com um fundo igual, mas offshore, só é tributado quando sacar e vê seu patrimônio aumenta muito mais”, explica sobre esses fundos, voltados a investidores de maior renda. 

O presidente da Abrasca, Pablo Cesário, ponderou sobre a dificuldade de levar esse tipo de reforma adiante. “É importante, mas difícil de ser posta em prática porque apesar de a base de apoio ao governo ter aumentado, o tema é técnico e muitos no Congresso não entendem do assunto, conhecem pouco sobre modelos tributários”, afirmou.

Sobre esse ponto, Cesário citou pesquisa da Abrasca segundo a qual 67% dos parlamentares não sabem o que é Juros sobre Capital Próprio (JCP). “Defendemos dois pontos, a eficiência e a justiça que devem nortear a reforma tributária”, resumiu. 

O diretor de Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério, Daniel Loria, acrescentou também a importância que a reforma, além de buscar a isonomia, respeite a progressividade tributária, prevista na Constituição. “Do lado da eficiência falamos em neutralidade, ou seja, desenhamos impostos para que não distorçam o funcionamento da atividade econômica”, afirmou.

Um dos principais temas abordados no evento na Casa JOTA foi a possibilidade de mudanças, ou mesmo da extinção, do mecanismo da JCP, criado para que as empresas remunerem seus investidores, de forma alternativa aos dividendos.

“Quando o governo fala em revogar a dedutibilidade do JCP, ele está de olho em R$ 130 bilhões em aumento de arrecadação. É preciso lembrar que quando o mecanismo foi criado buscava a neutralidade, eficiência, em evitar empresas endividadas e deu resultado”, comentou Eduardo Maneira, sócio do Maneira Advogados, afirmando que é preciso avaliar se sua extinção não seria mais prejudicial.  

Os professores do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA-USP, Eduardo Flores, e da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Joelson Sampaio, fazem questionamentos semelhantes.

“Quando foi criado, o JCP não era visto como benefício, mas uma ferramenta que reequilibrou a estrutura de capital e cumpre este papel”, afirma Flores, lembrando que ele foi criado em 1995 para substituir o desconto da correção monetária na apuração do lucro real e, consequentemente, na base de cálculo de impostos. “É uma compensação e não um benefício.”

Joelson Sampaio lembrou a importância do JCP para que o capital das empresas seja otimizado e a saúde financeira melhorada. “Há evidências empíricas de seu benefício. Fizemos um estudo para avaliar o impacto do JCP nas empresas, e tem impacto positivo. Claro que pode melhorar, mas acabar como JCP não tem sentido”, pontuou Sampaio, lembrando que sua extinção poderia ter efeito na piora da saúde financeira. 

A coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, Vanessa Canado, acrescentou que em sua visão algumas mudanças carecem de um diagnóstico correto do problema, também mencionando a JCP.

“Sem o devido diagnostico, você mexe em um ponto e pode piorar outro. Os resultados indicam ser um bom instrumento. Merece ajuste, melhorias, mas não tem um problema em si”, afirma. 

No mesmo painel, Tiago Reis, fundador da Suno Research e analista de investimentos, lembrou o desenvolvimento do mercado de capitais desde que o JCP foi criado e passou a ser utilizado, também pelas companhias abertas, para remunerar acionistas.

“A bolsa brasileira, quando o JCP foi criado, tinha 50 mil investidores, hoje são quase 5 milhões. Foi um estimulo ao investimento, a partir do momento que protege o capital próprio, via acionistas, e evita que as empresas fiquem se endividando no mercado”, afirma Reis. Ele acrescentou que “muito se deve à solidez financeira do país ao mecanismo do JCP, com as empresas brasileiras pouco alavancadas”.

O evento na Casa JOTA também abordou a estratégia do governo de mandar de forma fatiada a reforma tributária ao Congresso ao invés de um projeto único. “Vejo que tem um risco de queimar capital político, pode ter um risco maior de desgaste toda hora algo novo para ser discutido”, afirmou Vanessa Canado.

“Eu não teria separado a discussão entre arrecadação e gasto. Toda semana uma nova tentativa de imposto para rico, pobre, consumidor, apostas… o que vai desgastando a relação com contribuinte, cidadão e parlamentares. O ideal seria um debate conjunto sobre as necessidades a serem custeadas e de onde vem o dinheiro”, acrescentou Tiago Reis.

O evento está disponível na integra no YouTube: