CASA JOTA

Apesar da urgência, mercado de carbono pode demorar a sair do papel

Projeto no Senado tem resistência do agronegócio e ainda dependeria de transição. Setor financeiro defende seguir padrões globais

Beatriz Soares, do MIDC; Rafael Dubeux, da Fazenda, Larissa Fafá, analista do JOTA; e Vicente de Chiara, da Febraban | Foto: Paulo Negreiro

No cenário global, é urgente a busca por soluções para combater a crise climática e barrar o aumento da temperatura do planeta. Um dos instrumentos para esse esforço é o mercado de carbono, que no Brasil aguarda um normativo que dê segurança a emissores e compradores do ativo, estabeleça metas, critérios de negociação e também o tratamento tributário do mecanismo.

O tema está no centro do debate com o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei 412/2022. A proposta tem na relatoria a senadora Leila Barros (PDT/DF) e está na fase de debate do substitutivo e acolhimento de emendas, com contribuições da sociedade civil, das empresas e do mercado financeiro.

A criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) foi tema de encontro realizado na Casa JOTA, nesta sexta-feira (29/09). O painel foi patrocinado pelo Itaú e reúniu representantes do governo e de entidades do setor. 

A mediadora e analista de energia do JOTA Larissa Fafá reforçou a importância do tema para a economia como um todo, lembrando fala do vice-presidente da República. “O Geraldo Alckimin afirmou que o mercado de crédito de carbono pode adicionar 5% ao PIB brasileiro, caso o país regule este mercado, adicionando mais US$ 120 bilhões de dólares na economia”, comentou, acrescentando que os cinco milhões de créditos anuais gerados pelo Brasil no mercado voluntário representam menos de 1% do potencial do país, segundo a consultoria McKinsey. 

O relatório da senadora Leila Barros aguarda para ser votado na Comissão de Meio Ambiente da casa legislativa. A expectativa do governo é que haja avanços nos próximos meses no PL, segundo Rafael Dubeux, assessor especial do ministro da Fazenda. 

“Temos um prazo curto para reduzir as emissões e muitas iniciativas. Desde o começo do ano, o ministro Fernando Haddad pediu para coordenador um Plano de Transformação Ecológica, iniciado na Fazenda e que foi envolvendo outros ministérios, como Meio Ambiente, Agricultura, Energia, e sociedade civil. O mercado de carbono é parte da agenda do plano”, comentou Dubeux.

Rafael Dubeux, assessor especial da Fazenda | Foto: Paulo Negreiro

Ele destacou que a elaboração do projeto, que tem o apoio do Executivo, contou com a participação de pelo menos dez ministérios e da Advocacia Geral da União (AGU). “Estamos otimistas com a pauta no Congresso e deve ter avanço nos próximos meses”, disse. 

Desde que o projeto de lei começou a ser debatido no Congresso, diferentes setores da economia têm se movimentado em torno da proposta. Mais recentemente, a Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA) enviou uma série de emendas para análise da relatora. Somente a senadora Tereza Cristina (PP-MS) apresentou nove emendas, representando o setor.

A principal delas é a que propõe deixar de fora das obrigações do mercado regulado a produção primária agropecuária. Com isso, poderiam ainda participar do mercado voluntário com créditos de carbono offset, que guardam a possibilidade de venda de créditos às empresas poluentes.

O representante do Ministério da Fazenda criticou a proposta do agronegócio, mas disse que o governo está aberto ao diálogo. “Na discussão do grupo técnico, debatemos se teria recorte por setor ou horizontal. O consenso foi de que a melhor solução é horizontal, como está no projeto. Na nossa avaliação, o agro tende a ganhar em estar dentro do modelo. O governo busca ao máximo consenso, vamos dialogar”, afirmou Dubeux, acrescentando que a maior parte do agronegócio adota práticas sustentáveis, e só uma pequena parte que seria afetada. 

Beatriz Soares, coordenadora-geral de Finanças Verdes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio (MDIC), que participou ativamente das propostas do governo aoo PL 414/ 2022, rebateu as críticas de que faltaria no texto clareza sobre papéis dos diferentes atores para a efetividade do mercado de carbono.

“O texto diz que isto será regulamentado depois, o que consideramos mais adequado. Trata-se de uma lei programática que prevê três níveis de atuação: um Comitê Estratégico para metas e um plano de longo prazo; o Órgão Gestor, que vai operacionalizar o mercado e regular; e no terceiro nível, um Comitê Técnico Consultivo, onde ficam academias, sociedades que auxiliam a todos”, explicou.

A coordenadora informou, também, que não há definição ainda da estrutura jurídica do Órgão Gestor, mas que poderia ser uma secretaria ligada a um ministério, uma autarquia ou mesmo uma organização privada. “Estamos avaliando, esperamos que saia rápida a decisão, mas depende de como o PL irá caminhar no Congresso”, afirmou. 

Mercado de carbono no setor financeiro

No evento, também se discutiu as preocupações do mercado financeiro em relação à necessária credibilidade do mercado de carbono em discussão e como incentivar o seu desenvolvimento.

“Estamos prontos e maduros para ter uma regulação. O Brasil não pode ficar fora deste mercado que afetará aspectos financeiros, mercantis e comerciais das empresas. Credibilidade e sustentabilidade têm que andar junto”, comentou Vicente de Chiara, diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). 

Ele afirmou que os incentivos para o mercado de carbono não passariam somente pelas responsabilidades tributárias, mas no adequado fomento com apoio de diferentes mecanismos. “Para ter a geração de crédito de carbono é preciso investir, com recursos conseguidos nos bancos ou no mercado de capitais, com a emissão de debêntures, por exemplo. Como são recursos de longo prazo, de maior risco, só com muita segurança para atrair investidores”, explicou Chiara.

O representante da Febraban deu como exemplo a tributação reduzida para 15% do rendimento auferido nos Crédito de Descarbonização (CBIO), instrumentos adotados pela RenovaBio como ferramenta atingir a meta de descarbonização e negociados na B3. “O crédito de carbono, na nossa visão, deveria ter pelo menos o mesmo tratamento do CBIO”, completou. 

Outras demandas seriam que o mercado de crédito de carbono esteja alinhado ao que já é praticado globalmente. “É importante que o mercado tenha credibilidade, e quanto mais próximos do modelo internacional melhor. Se o crédito de carbono gerado no Brasil, mesmo certificado, não for reconhecido lá fora, o exportador pode sofrer penalidades, o que encarecerá seu produto”, avaliou Chiara. 

Aline Ferreira, coordenadora do Grupo de Trabalho de Mercado de Carbono da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), tem uma visão semelhante. “O projeto está adequado ao que se espera. Temos a preocupação com sustentabilidade, credibilidade e incentivos corretos, lembrando que isto permitirá nos inserirmos em um mercado internacional que já existe”, pontuou.  

O texto que está no Senado confere à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o papel de regulamentação dos créditos de carbono. Aline Ferreira lembrou há uma atenção prioritário ao custo de observância, que recai diretamente sobre os regulados em razão do cumprimento das obrigações que lhes são dirigidas.

“Queremos fazer algo compatível com o que ocorre no mercado internacional, com um formato adequado, liquidez e custo de observância que não inviabilize a intermediação do ativo”, comentou. 

Apesar dos esforços do governo e da articulação no Congresso para acelerar a tramitação do PL 412/ 2022, a entrada em operação do mercado de carbono ocorreria apenas após alguns anos. “Após aprovado, leva pelo menos um ano para regulamentar e dois para as companhias se adaptarem”, explicou Beatriz Soares, do MIDC. Assim, ele poderia ser colocado em prática já bem próximo às metas do Acordo de Paris, em 2030. 

Beatriz Soares, coordenadora-geral de Finanças Verdes do MIDC | Foto: Paulo Negreiro

Rafael Dubeux, da Fazenda, acrescentou que embora a criação de um mercado de carbono regulado seja essencial, o governo trabalha em outras frentes para atingir suas metas de descarbonização.

“O mercado de carbono não é o único mecanismo para atingir a meta, queríamos implantar mais rápido, mas não é viável. Sabemos que a maior parte das emissões no Brasul é fruto do desmatamento na Amazônia, e o governo vem atuando fortemente nisso. Em oito meses, mudou a curva e reduziu em 48% na taxa do desmatamento”, afirmou. 

Além disso, outros projetos nessa linha seriam as bases de integração do Plano Safra para um plano de baixo carbono. E, na área de energia, a expansão de políticas para matrizes renováveis solar e eólica, além do uso de biodiesel. “São várias soluções que colaborar para atingirmos a meta de descarbonização”, resumiu. 

Assista ao painel na íntegra: