'Polêmico' e 'garantista'

Ao inaugurar transmissões ao vivo do STF, Marco Aurélio atraiu a opinião pública

Ministro criou a TV Justiça, dando acesso às decisões do tribunal e inaugurando fase de interlocução com audiência externa

Marco Aurélio
Ministro Marco Aurélio Mello em sessão em 2018 / Crédito: Nelson Jr/ STF

Prestes a se aposentar do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello tem, nas últimas semanas, falado à imprensa e feito espécie de balanço sobre os 31 anos no tribunal. Nessa reta final, continua ganhando manchetes por conta do posicionamento divergente – como ao se posicionar contra a maioria no julgamento que acabou confirmando suspeição do ex-juiz Sergio Moro em casos envolvendo o ex-presidente Lula.

Assim, ele encerra a trajetória do mesmo modo como a percorreu no período: recebendo atenção da mídia, se manifestando fora dos autos e usando a imprensa como veículo para se posicionar frente à opinião pública. Analisando o comportamento e o legado de Marco Aurélio no período, o JOTA, em parceria com o Insper, realiza uma série de webinars desde a última semana. Nesta segunda-feira (28/6), foi destrinchada a conduta pública dele.


Durante o tempo em que ocupou a vaga, a cobertura jornalística sobre ele foi centrada sobretudo nos votos vencidos e em seu perfil de decisão, conforme analisa Fabiana Luci, professora de sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). “O agir individual do ministro é o principal propulsor da cobertura. Os adjetivos mais frequentes sobre ele são ‘garantista’ e ‘polêmico’. O segundo leva tanto à valoração negativa quanto sobre um comportamento avant-garde“, disse ela, em referência ao que seriam decisões à frente do tempo.

“O ministro é descrito como sendo muito receptivo à opinião pública. É sempre ressaltada como uma característica dele falar fora dos autos, se identificando, e se pronunciar sobre políticas do Executivo ou decisões de outras instâncias do Judiciário”, apontou a professora, a partir do que foi publicado sobre ele na Folha de S.Paulo desde a chegada ao STF.

Além de repercutir as decisões dele, a imprensa também era interlocutora e divulgadora de Marco Aurélio enquanto ministro. “Por meio de falas públicas e até nos jornais, ele envia mensagens aos colegas. Ao mesmo tempo, dá transparência para legitimar decisões do tribunal, mantendo domínio sobre a narrativa; dialoga com Legislativo e Executivo; e zela pela própria reputação. Ele assume protagonismo como comunicador”, afirmou Ivar Hartmann, professor do Insper.

Mudou o controle sobre a narrativa e a própria imagem a transformação da comunicação desde a posse de Marco Aurélio, no início da década de 1990, até hoje. “Quando ele entrou, alguns jornalistas decidiam o que circularia sobre o tribunal. Hoje, temos milhões de pessoas nas redes sociais tomando essas decisões”, disse o professor. Desse modo, vazamentos repercutem mais rapidamente e com menos filtros e novos grupos demográficos têm acesso aos julgamentos.

Nessa linha, um dos marcos da atuação do ministro foi a criação da TV Justiça, em 2002, transmitindo ao vivo o plenário do STF. “Estamos na sociedade do conhecimento. Se eu tivesse que dar um título ao Marco Aurélio é de homem que aumentou o Brasil. Fez com que o Supremo conhecesse a si mesmo pelo espelho da TV Justiça e que o Brasil entendesse como é feita a Justiça. Considerou que todos os brasileiros poderiam conhecer os ministros”, disse o advogado Joaquim Falcão, membro da Academia Brasileira de Letras.