REGULAÇÃO

Importância da análise de impacto regulatório e desafios de implementação

Parâmetros da AIR foram definidos em decreto e começam a valer em agências e no Ministério da Economia em abril

Análise de impacto regulatório
Webinar do JOTA abordou o tema “Análise do Impacto Regulatório – avanços e desafios da regulamentação”. Evento teve participação de Marcelo Guaranys, secretário-executivo do Ministério da Economia); Kélvia Albuquerque, diretora na Secretaria-Executiva do Ministério da Economia); Renato Porto, diretor de Relações Institucionais da ABRAFARMA e ex-diretor da Anvisa; Patrícia Pessoa Valente, doutora pela USP, LL.M pela LSE e pesquisadora do Insper; Vera Monteiro, professora da FGV Direito SP: e Felipe de Paula, sócio da XVV Advogados). Crédito: YouTube

O Brasil criou 5,8 milhões de normas no estoque regulatório desde a Constituição de 1988. São 166 mil normas em âmbito federal, 1,6 milhão de normas no nível estadual e outras 4 milhões nos municípios. “Imagine o que é investir em um país como esse e o que é, como cidadão, viver em um país como esse”, diz Kélvia Albuquerque, diretora na Secretaria-Executiva do Ministério da Economia. “O acervo regulatório é muito grande, então precisamos mudar a cultura.”

Além de o volume de normas ser gigantesco, os critérios para a criação de novas regras não seguem parâmetros objetivos. “Muitas vezes, o regulador, os servidores públicos, se suportam de um princípio que custa muito caro para o mercado: as decisões serem tomadas no princípio da precaução”, ressalta Renato Porto, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) e ex-diretor da Anvisa. “Só que por precaução se pode fazer muita coisa.”

Com o objetivo de trazer parâmetros às normas criadas por agência reguladoras, foi editado no fim de junho o decreto 10.411/2020. O decreto regulamenta a chamada análise de impacto regulatório (AIR), e complementa a Lei das Agências Reguladoras e a Lei da Liberdade Econômica. “O servidor vai sair da preocupação e entrar em um princípio muito melhor, que é o impacto de risco. Vamos sair de uma regulação pelo medo e vamos agir com base na análise de risco”, avalia Porto. “O empresário também tem risco, o consumidor também tem risco. E a AIR ajuda muito a fazer essa previsão.”

Segundo ele, é normal que um regulador tenha uma ambição para publicar uma norma. “É natural que o regulador tenha uma ambição de mudar um padrão da sociedade, de mudar um comportamento”, diz. “Só que essa naturalidade, e ter essa vontade, não pode passar para a vida real se não for muito bem calculada.”

O tema foi discutido nesta sexta-feira (24/7) em webinar do JOTA sobre “Análise do Impacto Regulatório – avanços e desafios da regulamentação”.

O decreto é mais um passo rumo à tomada de decisões com bases mais sólidas no poder público. “Avaliamos pouco tudo o que fazemos em diversos aspectos da política pública. Na hora de gastar, não gastamos da forma que traz um melhor resultado”, afirma Marcelo Guaranys, secretário-executivo do Ministério da Economia. “Da mesma forma na regulação. Criamos um excesso de regras todos os dias que atrapalham a vida do setor privado, do produtor, do trabalhador.”

Guaranys tem participação nesse processo desde o início. “Nos últimos quatro anos temos trabalhado bastante para melhorar a cultura da avaliação, tanto do gasto quanto da regulação”, lembra. “Nas agências reguladoras, fizemos um trabalho no período de Casa Civil, de 2016 a 2018, para que elas se homogeneizassem, para que adotassem um guia de referência para análise de impacto regulatório”, explica. “Os nossos órgãos reguladores não são só as agências. Tem Ibama, Contran, Receita Federal, CVM, que talvez não tenham a mesma cultura. Como fazer isso?”, questiona de forma retórica. “Começamos trabalhando na lei de agências reguladoras para poder homogeneizar e obrigar que as agências, de fato, tivessem que fazer uma análise de impacto regulatório, pensar antes de fazer regra, consultar a população”, diz.

Para Guaranys, o decreto vai dar as bases para que todos implementem a análise de impacto regulatório. Os primeiros a aderirem ao modelo em abril serão as agências reguladoras e o próprio Ministério da Economia. A regra começa a valer para os outros reguladores em outubro de 2021.

“A análise de impacto regulatório é o fio condutor do processo regulatório de qualidade. Não é uma bala de prata, mas pode nos ajudar a colocar o processo regulatório numa trilha de mais qualidade de acordo com parâmetros internacionais”, afirma Kélvia Albuquerque, diretora na Secretaria-Executiva do Ministério da Economia.

Ela considera fundamental que os órgãos e entidades tomem para si a responsabilidade para ter os processos estabelecidos de forma sistemática. “O maior desafio da análise de impacto regulatório de maneira sistemática na administração não é a questão de aprender métodos e técnicas, é a estruturação da governança adequada”, destaca. “Para que a gente possa ter sucesso, precisamos começar a nos preparar já. Precisamos ler o decreto, procurar um material de apoio, procurar um guia, isso tudo está disponível na internet.”

Impacto no setor privado

A mudança na análise de impacto regulatório também vai exigir adaptações por parte do setor privado. “A gente não deve mais admitir uma postura do setor privado que fique restrita a uma posição cômoda para simplesmente se opor a uma decisão ou a uma norma regulatória no momento da judicialização”, defende Patrícia Pessoa Valente, doutora pela USP, LL.M pela LSE e pesquisadora do Insper.

“Não adianta cobrar do Estado que se capacite, que implemente, que faça uma governança interna para fazer uma análise de impacto de qualidade, pensando em uma regulação responsiva, se o setor privado se coloca ainda em uma posição bastante cômoda”, diz. “Pedimos que a regulação seja pensada em função do regulado, então também temos que nos fazer ouvir nesse caminho decisório, que é a análise de impacto regulatório.”

A professora Vera Monteiro destaca que a AIR traz um alinhamento com o que diz a Constituição, especificamente o inciso LIV do artigo 5º: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

“Estamos falando aqui que o princípio do devido processo legal se aplica perfeitamente aos atos normativos”, afirma Monteiro. “Portanto, decorre do devido processo legal o direito de os interessados conhecerem a fundamentação dos atos normativos produzidos e de se manifestarem.”

Ela explica que o movimento vai trazer impacto na forma como advogados costumam lidar com casos envolvendo regulações. “Sempre foi muito comum uma estratégia dos advogados de questionar a validade das normas inclusive pela falta de procedimento”, lembra. “Agora vai ter que ser diferente, o advogado vai ter que se envolver no procedimento normativo. Ele vai ter que mudar sua estratégia. Não é mais uma estratégia de pura e simples nulidade.”

Possíveis ajustes

O advogado Felipe de Paula, sócio da XVV Advogados, avalia como discutíveis os fatos de haver muitas exceções e de os decretos terem ficado de fora quanto à exigência de análise de impacto regulatório.

“A administração pública não está equiparada em todos seus órgãos e entidades para produzir impacto regulatório”, pontua. “Então faz sentido que a gente ganhe musculatura para no médio prazo, por exemplo, colocar todos os decretos sobre um eventual AIR, ou os decretos relevantes”.

No entanto, ele avalia que há um desequilíbrio quanto às exigências existentes nas agências reguladoras e no Poder Executivo. “A gente criou uma assimetria que talvez tenha muito pouca razoabilidade e justificativa”, diz. “Talvez a gente pudesse incentivar de uma maneira mais simples que toda população conhecesse os motivos e as razões de porquê são emitidos decretos. Que se coloque no site do Palácio do Planalto a justificativa para os decretos relevantes.”