Arbitragem

A importância da arbitragem e da mediação de conflitos para o pós-pandemia

Na Casa JOTA, Gilmar Mendes, Luís Felipe Salomão e Selma Lemes debateram a relação entre arbitragem e Judiciário

Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Selma Lemes, professora, advogada e conselheira da Câmara Ciesp/Fiesp, e o ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

A pandemia da Covid-19 tem o potencial de aumentar expressivamente as demandas judiciais que chegarão aos tribunais do país. Esse cenário preocupa os operadores do Direito brasileiro, que já enfrentam uma litigiosidade endêmica no país.

A saída para este problema que se avizinha pode estar na ampliação do uso de procedimentos extrajudiciais, com arbitragem, mediação e conciliação, na hora da resolução dos conflitos.

Esse diagnóstico foi sedimentado em webinar realizado nesta sexta-feira (25/9) pelo JOTA e a Paper Excellence, que contou com a participação do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), do ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e da professora, advogada e conselheira da Câmara Ciesp/Fiesp Selma Lemes. O tema tratado foi “’Arbitragem e Judiciário – Um balanço dos 25 anos de convivência”.

Para o ministro Gilmar Mendes, no pós-pandemia, o Poder Judiciário enfrentará, entre outras questões, a recuperação das empresas e problemas relacionados ao não cumprimento de obrigações assumidas. Ainda não se sabe, disse o magistrado, qual será o impacto judicial dessas demandas.

“Certamente, boa parte das soluções estará associada ao modelo mais flexível de soluções de controvérsia. Nesse sentido, vem um apelo para arbitragem, mediação e conciliação”, afirmou Mendes, acrescentando que no retorno à normalidade é importante dar continuidade ao trabalho de arbitragem para reduzir “o tempo para a solução definitiva das demandas”.

O magistrado citou como exemplo que o próprio Supremo Tribunal Federal, na gestão do ex-presidente Dias Toffoli, instituiu o Centro de Mediação e Conciliação, com o objetivo de buscar soluções consensuais nos processos em andamento na Corte.

“É preciso fazer um esforço no Brasil para que as soluções sejam de fato definitivas. E que a gente tenha de pano de fundo o caso, que tem sido pouco verbalizado, sobre a solução acordada dos passivos ligados ao sistema bancário, que inicialmente nós não sabíamos como seria resolvido. Acabou-se encontrando uma solução mediada, de acordo, que pacificou em grande estilo a temática”.

O ministro do STJ Luís Felipe Salomão também demonstrou preocupação com o volume de demandas no sistema Judiciário no pós-pandemia. Para o magistrado, é preciso que se estimulem os debates acerca das “maneiras para achatar e diminuir essa curva de crescimento, com soluções extrajudiciais”.

Salomão, contudo, levantou um questionamento anterior à pandemia da Covid-19, que diz respeito às ações anulatórias ingressadas no Judiciário que questionam resoluções definidas por arbitragem.

“Isso precisa ser medido, estudado, e adequadamente enfrentado por parte do Judiciário”, disse o ministro. 

24 anos de Lei da Arbitragem

Selma Lemes, advogada, professora de arbitragem e conselheira da Câmara Fiesp/Ciesp, começou lembrando que a Lei da Arbitragem, quando surgiu em 1996, trouxe conceitos inovadores e princípios jurídicos.

Esses entendimentos sedimentaram com segurança o uso dessa modalidade para a resolução de conflitos. Foi responsável também por “erigir o Brasil a um status internacional impensável antes da legislação”.

Para Lemes, a aplicação da lei, na perspectiva do âmbito privado, pode ser dividida em três fases: “a primeira foi a de conscientização, de transmitir o que era novo, no que consistiam aqueles conceitos e como aplicá-los. Foi todo um trabalho de esclarecimento”, afirmou.

Em seguida, continuou Lemes, houve o desenvolvimento da arbitragem efetivamente. “Foi quando a sociedade, principalmente a parte empresarial, entendeu sua importância”. Em 2015, com a reforma na legislação, foi possível inserir esclarecimentos formados pela jurisprudência brasileira.

“Agora, chegamos na época atual, que é um grande desafio: conseguir manter o avanço que já foi conquistado até agora, aperfeiçoar o uso do recurso e garantir que o Judiciário fique do nosso lado”, concluiu.

No entendimento de Salomão, do STJ, neste período de 24 anos o que se observou foi uma “explosão” e uma “conscientização” sobre o uso do instrumento de arbitragem. “Foi um momento único para os juristas brasileiros com esse câmbio de mentalidade, institucionalizando essas soluções”, disse.

Segundo o magistrado, seu entendimento é o de que a “arbitragem não cresce às custa do mau funcionamento do Judiciário. Ao contrário, nós apoiamos a arbitragem e as soluções extrajudiciais porque elas são avanços da civilização e auxiliam a Justiça”.

Mendes, do STF, desenhou um cenário sobre a litigiosidade do sistema Judiciário para a defender o desenvolvimento das soluções extrajudiciais nos conflitos. “O Brasil é judicial-dependente. São, em média, 100 milhões de processos em tramitação atualmente. Precisamos recomeçar com as iniciativas de modernização”, afirmou.

Os debatedores concordaram que é possível expandir a utilização do formato de arbitragem e conciliação para diversas áreas, como por exemplo, na Justiça do Trabalho e em questões envolvendo conflitos tributários.

Lemes é co-autora do Projeto de Lei 4.468/2020, que institui a Arbitragem Especial Tributária. O texto foi apresentado pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), no início de setembro. Em suma, o PL define que a arbitragem especial tributária pode ser usado para resolver conflitos que não envolvam crédito tributário constituído.

“O projeto tem especificidades interessantes, traz, por exemplo, a figura do árbitro desempatador. É um recurso dentro da arbitragem. É algo simples, mas que pode representar um avanço muito grande para o Brasil e para as empresas”, disse Lemes.