Anselmo Brito

Em 2009, após ser aprovado em concurso público para o cargo de auditor-substituto de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas deixamos São Luís, no Maranhão, e viemos morar em Maceió.
Após dois anos, no final de 2011, chegamos ao cargo de conselheiro, vaga pertencente constitucionalmente à clientela técnica dos auditores-substitutos e que deve ser indicada entre uma das três vagas a que tem direito o governador do Estado – sendo as outras duas, uma do Ministério Público Especial que atua junto às Cortes de Contas e a outra de livre escolha do chefe do Poder Executivo.
Alagoas é um estado "diferenciado". Mesmo correndo o risco da redundância, em matéria de administração pública, recursos públicos, patrimônio público e interesse público é "muito sui-generis". A ancestral prática clientelista e patrimonialista, para não aprofundarmos mais a questão, é fortemente estabelecida. Poderíamos arriscar que a administração pública, salvo raríssimas exceções, é um negócio familiar, “um verdadeiro arrimo de família” a longo prazo.
Essa característica, toda peculiar, começa mesmo pela nossa indicação e assunção ao cargo de conselheiro da Corte de Contas alagoana.
A fim de usurpar a vaga reservada pela Constituição Federal de 1988 e também pela Constituição Estadual de 1989 aos auditores-substitutos, a Assembleia Legislativa tentara mudar (e conseguira) a Constituição do Estado para que essa vaga fosse de indicação do Poder Legislativo, que tem direito a quatro indicações. Somadas às três do portfólio do Poder Executivo, totalizam o quadro em sete que, segundo a Constituição Federal, é o número de membros que devem possuir os Tribunais de Contas estaduais.
Mesmo os deputados estaduais tendo conseguido a mudança constitucional, reservando a vaga para o presidente da Assembleia Legislativa à época – a PEC até levara o seu nome – conseguimos, com muita perseverança, tenacidade e até um pouco de "sorte" - mais no Tribunal de Justiça do estado - e no Supremo Tribunal Federal (STF), neutralizar os efeitos deletérios da emenda, com a seguinte decisão, que em termos simplórios assim ficou assentada: - não poderia o Poder Legislativo estadual mudar as regras do jogo com este já iniciado. E assim garantimos, judicialmente, a nossa vaga técnica que já era garantida constitucionalmente.
No nosso dia-a-dia, notória é a incapacidade do Órgão de Contas estadual em dar vazão à quantidade de processos que aqui adentram. Nos últimos cinco anos, com uma média de cerca de 15 mil processos, não se consegue finalizar nem 10% dessa quantidade. Resta claro, assim, que não prestamos um bom serviço público, tendo-se, principalmente, em vista, o quanto custamos para a sociedade alagoana e quanto cada membro da Corte recebe para cumprir seu múnus constitucional.
Em pesquisa realizada para mestrado por funcionária do nosso gabinete, foi identificado que num período de doze anos (2001 a 2012) o Tribunal de Contas teve o seguinte “desempenho” quanto à apreciação das contas dos 102 prefeitos e de 1.224 prestações de contas:
<ol>
<li>em 10,46% desse total não há confirmação positiva nem negativa de que os prefeitos tenham prestado suas contas. 88,89% prestaram contas e 0,65%, de fato não prestaram</li>
<li>dos que prestaram contas, o Tribunal emitiu parecer prévio em apenas 29% dos casos, sendo que desse total, 88% pela aprovação das contas, 0,98% pela aprovação com ressalvas e apenas 2,04% pela reprovação.</li>
</ol>
Até a lista que a Corte de Contas deve enviar à Justiça Eleitoral, para que esta verifique a “idoneidade” do candidato para fins de elegibilidade, é acanhada e canhestra. De tão diminuta e insegura, reflete bem a atuação do Órgão no decorrer dos seus quase 70 anos.
O Tribunal de Contas do Estado nunca fez concurso público para a sua área finalista. Para não dizer que nunca fez qualquer tipo de concurso, em 2007 fez um para quatorze ou quinze vagas, sendo três para auditores-substitutos, sete para procuradores do Ministério Público que atuam junto à Corte de Contas, um para bibliotecário e três ou quatro para a área meio de informática. Para a sua atividade finalista, nunca o fez.
Dos "servidores" da Corte de Contas alagoana há alguns "estabilizados" e uma outra soma que não. Efetivos, pela falta de concurso público, fora os 14 ou 15 acima citados, não há mais nenhum.
Dentro daquelas peculiaridades antes referidas, uma, tenho certeza, assustará a quem tiver contato com este texto. O normal é, segundo posto em nosso ordenamento jurídico, a bem de garantir, dentro outros, a democracia e a República, o sistema de freios e contrapesos ter como uma de suas facetas a obrigação de que os gestores públicos (todos) prestem contas dos recursos públicos que estão em seu poder. Em Alagoas é diferente. E com relação às competências constitucionais do próprio Tribunal de Contas estadual também. O Poder Judiciário do Estado, somente a partir de 2011 é que começou a prestar contas à Corte de Contas estadual. A Assembleia Legislativa nunca prestou suas contas.
Pode ser pior – e é! A Assembleia Legislativa aprova as contas do chefe do Poder Executivo sem o obrigatório e constitucional parecer prévio que deve emitir o Tribunal de Contas do Estado. E a situação fica mais estrambótica porque a Assembleia Legislativa processa, julga e aprova as suas próprias contas. Noutras palavras, as competências constitucionais da Corte de Contas alagoana, aqui, nestas paragens, são mero adorno e não pensem que o Tribunal se esforça muito para vê-las respeitadas. A razão estará mais abaixo referida.
Das decisões do Tribunal de Contas que aplicam sanções e que são de sua responsabilidade executar, fora o pagamento que se dá espontaneamente, nunca se instaurou, verdadeiramente, qualquer tipo de procedimento para que elas fossem executadas – apesar de serem títulos extrajudiciais e executáveis.
Outro fato que merece relevo e que aqui faço sem qualquer juízo de valor, mesmo porque é uma simples constatação, é que, com a exceção, pelo menos até agora, do autor deste texto, todos os demais membros da Corte de Contas alagoana possuem vínculos familiares-político-partidários. Dos sete conselheiros que normalmente deveriam funcionar na Corte, hoje somos apenas cinco. Há uma vaga não preenchida que é objeto de disputa judicial entre o Governador do Estado e o Ministério Público que atua junto ao Tribunal. Há também um conselheiro que foi afastado, por no mínimo um ano, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por feitura e uso de documento, em tese, falso.
Doutro turno, além de algumas ações locais por improbidade, há conselheiros, que devido à prerrogativa do cargo, respondem procedimentos no STJ, resultado de operações da Polícia Federal com os sugestivos nomes de “Operação Taturana”, realizada na Assembleia Estadual (desvio de cerca de R$ 300 milhões) e “Operação Rodoleiro”, realizada no próprio Tribunal de Contas (desvio de aproximadamente R$ 100 milhões).
Outra particularidade, que torna especialmente interessante ser conselheiro da clientela técnica no Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, é, pelo menos em nosso caso, precisarmos de uma certa dose de segurança para a necessária proteção contra alguns pares, dado, que, às vezes, o interesse público é totalmente ladeado e, grassa na Corte, outros tipos de interesse.
A segurança nos é dirigida, já há algum tempo, pelo Conselho Estadual de Segurança – CONSEG. Atualmente três policiais fazem a nossa segurança diariamente, mas teve época em que eram seis, dentre eles dois oficiais de alta patente que zelavam por nossa integridade física nas sessões plenárias do Tribunal.
Tudo isso porque em certa época, o presidente da Corte ameaçou usar a Assessoria Militar do Tribunal de Contas para nos retirar à força de sessão. O titular da assessoria, um capitão da Polícia Militar de Alagoas, que hoje é major, alardeava que se essa ordem fosse dada, iria cumpri-la sem pestanejar, pouco interessando se era absurdamente ilegal.
O intuito da segurança foi o de aplacar o ânimo de pelo menos dois dos conselheiros à época, embora, duvidemos que por desforço próprio fossem capazes de atentar contra a nossa integridade. Situação outra que de fato tememos é a questão do pessoal ligado àqueles, pois a maioria não tem rosto, o que pode facilitar a perpetração de quaisquer indignidades.
Como não temos compromisso com o erro, com qualquer outro interesse que não seja o público, com os “arrumadinhos”, com o fechar os olhos para o que se apresenta estranho, é bem natural que mesmo dentro da instituição, possa sofrer, de algum modo, revezes. Parece algo surreal, mas não é. O Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, órgão público quase septuagenário, tem disso.
Pode surgir e é inegável que surja a pergunta: - Então, o que tem de bom?
Não sei se chega a ser uma resposta e se for, não sei se é a correta, mas como alento, posso falar, o futuro, isso podemos ter de bom com todas as esperanças alvissareiras. O que de certo modo conforta, embora sendo o Tribunal de Contas estipendiado por recursos de cada um de nós do povo, cidadãos, ainda ficamos muito intranquilos com quaisquer justificativas para que, no atual estado das coisas, ainda se encontre situações como estas em Órgão que deveria, de há muito, estar na vanguarda.
É essa nossa realidade, vicissitudes e agruras no braço técnico do sistema de controle externo do Estado de Alagoas.

anselmobrito

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

As vicissitudes e as agruras no TCE de Alagoas

Um conselheiro técnico num Tribunal de Contas político

Quer patrocinar nossa cobertura permanente sobre a formação de profissionais do Direito? Mande um e-mail para contato@jota.info.