Coronavírus

Os impactos da Covid-19 em escritórios de advocacia: o que fazer?

Em compasso de espera, a grande dúvida é como agir ante o medo de uma recessão econômica

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Crédito: Pixabay

No ano passado, tive a oportunidade de publicar neste portal o artigo intitulado “6 dicas para quem pensa em abrir o próprio escritório”. Longe da prepotência em predizer a fórmula do sucesso, a intenção central do texto era expor algumas dificuldades enfrentadas e conselhos úteis aos que pensam em abrir seu próprio escritório, baseado em minhas próprias experiências.

Pois bem, passados dois anos desde que optei por abrir meu próprio escritório, me deparo com a situação mais delicada e desafiadora da minha carreira como empresário: a pandemia do Covid-19 (“Coronavírus”). Muito mais do que respostas, lido diariamente com dúvidas e incertezas relacionadas à condução do meu escritório de advocacia.

No intuito de compartilhar com os leitores algumas das situações descritas acima, passo a expor, em tópicos, os temas mais sensíveis e carentes de toda atenção possível, para que o Coronavírus seja uma fase de aprendizado, ao invés de ser a razão do encerramento da minha atividade jurídica corporativa.

1) Fluxo de Caixa – O fiel da balança

Falar em fluxo de caixa é algo essencial em um momento de lockdown da economia mundial. Seria utopia falar em reservas substanciais de caixa, principalmente após anos de recessão econômica e incerteza política no país.

No entanto, é dever de todo empreendedor buscar investir na qualidade e sobrevivência de seu escritório de advocacia. E o fluxo de caixa é um verdadeiro fiel da balança para que se garanta a continuidade de uma sociedade a longo prazo.

Pense que a advocacia, por si só, possui um fluxo de receitas bem volátil, com honorários contratuais e de êxito variando consideravelmente todos os meses. De outro ângulo, as despesas se mostram mais previsíveis, o que possibilita a criação de uma margem de segurança em relação aos lucros percebidos pela sociedade de advocacia.

Penso que a grande oportunidade é a destinação de um percentual do lucro para uma espécie de caixa de segurança (“gordura extra”).

Em condições normais de temperatura e pressão, vejo a possibilidade de destinação de algo em torno de 15% dos lucros para este fim, até que se atinja um caixa de segurança de, aproximadamente, 6 meses de despesas/custos, sem a entrada de qualquer capital na sociedade.

Evidentemente, esta é uma projeção quase utópica, sendo certo que a grande maioria dos advogados, especialmente pela dificuldade de se empreender do zero, não possui margem para tal. Nesse caso, existem outras medidas a serem adotadas para crises como a do Coronavírus, que serão analisadas a seguir.

2) Custos desnecessários x Gastos Essenciais. O relevante papel dos funcionários

A hora é de tomar decisões que visem estancar quaisquer prejuízos, porém, é preciso ter cuidado para que alguns destes cortes não se mostrem uma afobação desnecessária. Detalhar, isoladamente, todos os custos e despesas da sociedade é o primeiro dever de casa.

Alguns custos podem e devem ser reduzidos: internet (redução dos pacotes), serviços de assinaturas não-essenciais, papelaria, gastos pessoais dos sócios (se houver), renegociação do aluguel de salas e vagas de garagem, bem como das demandas rotineiras junto a fornecedores e prestadores de serviços, dentre outras coisas.

Um ponto especial merece atenção: os funcionários. Parto do princípio no qual o funcionário não é uma despesa para o escritório de advocacia, mas sim a matéria-prima essencial ao desenvolvimento e crescimento do negócio.

Quem vive a rotina de estar à frente de um escritório de advocacia, sabe a importância de todos os colaboradores para que o trabalho final seja entregue aos clientes com a maior qualidade possível.

Da equipe administrativa aos advogados, todos são importantes. Evidente que será um momento importante para que toda a equipe evite gastos desnecessários (sim, até uma impressão de papel, desnecessária, pode fazer a diferença). É preciso uma conscientização e espírito de grupo, caso contrário, a conta ficará insustentável para todos os envolvidos.

Sob essa perspectiva, também é uma obrigação do sócio-gestor saber que o discurso de controle de gastos trará uma maior responsabilidade quando o mercado reaquecer. Não espere que os funcionários trabalhem empenhados quando virem seus gestores, por exemplo, tirando férias no final do ano, ostentando viagens caras e luxuosas. O momento é de austeridade geral.

Finalmente, também se espera dos funcionários proatividade e comprometimento, principalmente levando-se em consideração os desafios de se tocar uma sociedade em modalidade de home office. Os bons funcionários serão premiados, porém, os menos dedicados exporão a desnecessidade da continuidade de seus serviços para a sociedade.

3) Criatividade – Algo além da Advocacia

Em tempos de crise, mais do que nunca, o fator criatividade ganha destaque em contraponto à uma depressão comportamental econômica. Destaco a busca por informações e notícias não vinculadas exclusivamente à prática jurídica. Existem fatores na economia que podem levar ao desenvolvimento de novas teses, úteis aos seus clientes.

Nesse cenário, ganham destaque três áreas relevantes: (i) o Societário, onde contratos precisarão ser renegociados, em decorrência da teoria da imprevisibilidade; (ii) o Contencioso Cível e Trabalhista, em razão das negociações que excedam a composição amigável; e (iii) o Tributário, sendo esta uma área de relevante oportunidade para que empresários reduzam o pagamento de tributos, privilegiando a manutenção de funcionários, por exemplo.

Por fim, tenho visto muitos escritórios produzindo conteúdos relevantes nas mídias sociais, o que vejo como natural e importante. Porém, fica a dica para que esse fluxo não seja demasiado, evitando saturar os clientes e parceiros, em um momento em que todos estão à flor da pele.

4) O carinho e a preocupação com os clientes existentes

Em um cenário onde os novos negócios entraram em compasso de espera, é preciso valorizar os clientes que já são fiéis à sua sociedade. E essa demonstração, quase sempre, vai além da venda de novos e onerosos serviços.

Vejo nessa pandemia uma oportunidade para um diálogo mais calmo e aprofundado com cada cliente, mostrando preocupação com sua saúde e de seus familiares, bem como se disponibilizando a realizar consultas sobre eventuais dúvidas jurídicas que possam surgir, em decorrência desse verdadeiro caos.

Essa abordagem, quando sincera e desprovida de interesses meramente lucrativos, pode ser uma oportunidade de aprofundar a relação de confiança e lealdade entre clientes e advogados.

5) A linha no fim do horizonte

O último elemento em destaque é a virada de chave que se avizinha. É certo que esse lockdown tem prazo de validade, e não acho interessante entrar no mérito de quando isso ocorrerá. Logo, é dever de todos os escritórios que já se preparem para a retomada do fluxo regular da economia.

É preciso identificar, no portifólio de clientes já existentes, possíveis renegociações e litígios que possam surgir, em decorrência da pandemia. De outro ângulo, será vital a captação de novos clientes que possam se beneficiar de teses e aconselhamentos aplicáveis ao período subsequente ao lockdown.

Em resumo, o período de quarentena deve ser encarado como uma oportunidade de deixar “a casa em ordem”, para que, quando retomada a atividade econômica, seu escritório esteja em condições de focar, essencialmente, no atendimento dos antigos e novos clientes.

Conclusão

É evidente que as dicas e aconselhamentos acima são apenas algumas das muitas dificuldades que o advogado enfrentará nesse momento único para a sociedade civil, em geral. Soma-se a isso o desafio de gerenciar, em paralelo, as relações pessoais e financeiras familiares, que merecem igual atenção.

O que se pretende, com cada um dos elementos levantados no presente artigo, é levar os gestores e advogados a uma reflexão profunda de sua atividade, para que seja possível atravessar essa tempestade. O desafio, por sinal, não é exclusivo de nossa área, mas de todo o mercado.

A quarentena terá seu fim, mas os ensinamentos sobre essa pandemia ficarão enraizados por muito tempo, podendo ser um divisor na maneira como negócios eram geridos até aqui, e como eles passarão a ser geridos daqui em diante. A advocacia, naturalmente, não fugirá desta reflexão.