Paulo Eduardo Alves da Silva

O Conselho Nacional de Justiça acaba de publicar a <a style="color: #ff0000;" href="http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/904f097f215cf19a2838166729516b79.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">13a edição do relatório “Justiça em Números”</a>, elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciais (DPJ) com base nos dados disponibilizados pelos tribunais. Dentre os já tradicionais aperfeiçoamentos a cada edição, esta traz uma reorganização do relatório por temas - e não mais por ramos da Justiça - e uma ferramenta interativa de análise dos dados e elaboração de gráficos disponibilizada ao público.
A publicação do Justiça em Números é, todo ano, motivo de celebração e preocupação. Celebração porque é mais um passo na sistematização de informações sobre a Justiça brasileira, cada vez menos dependente dos “achismos” de ocasião, geralmente imprecisos e oportunos. E também porque a série “Justiça em Números” é fruto de um trabalho primoroso do DPJ, único do seu tipo no país.
A preocupação surge do conteúdo dos dados apresentados. Mas não somente. De modo geral, o Judiciário continua caro, congestionado e os processos demoram – sem que isso, vale dizer, possa ser imputado exclusivamente a juízes e servidores, cuja produtividade aumenta a cada ano: na média, juízes encerram (“baixam”) sete processos por dia. O Judiciário brasileiro custa 1,4% do PIB - o que está bem acima da média de países civilizados -, o congestionamento chega aos 73% e a morosidade continua grande, senão crescente em alguns casos. O processo de execução, cuja solução efetiva não depende exclusivamente do Judiciário (v. IPEA, <a style="color: #ff0000;" href="http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/887/1/livro_custounitario.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Custo Unitário da Execução Fiscal, 2010</a>), continua o maior gargalo: quatro anos e seis meses, em média. A conciliação, e a obrigatoriedade indireta da audiência do art. 334 do CPC, parece que ainda não “pegou” como se esperava: correspondem a 11,9% de sentenças homologatórias de acordo. Já o grau de informatização retrata uma nova era na jurisdição: mais de 70% dos processos novos são eletrônicos, percentual crescente a cada ano.
O funcionamento e a quantidade de produção dos tribunais continua preocupante, sem dúvida, mas não creio que isso seja o mais temeroso. O nível e a qualidade da justiça que oferecem ao país também exigem nossa atenção. Felizmente, o conhecimento nesse quesito também avança. As edições recentes do “Justiça em Números” passaram a trazer dados sobre o perfil dos litígios, o que permite saber que tipo de conflitos chega ao Judiciário. Na Justiça estadual, são casos relativos a obrigações e contratos (3,83%), responsabilidade do fornecedor/dano moral (3,46%) e divida ativa (2,27%); na Justiça federal, benefícios/auxílio-doença (1,21%) e dívida ativa (0,96%) e no Trabalho, rescisão/verbas rescisórias (11,51%). Inesperado é o volume de processos na Justiça eleitoral: sobre candidaturas (2,85%) e sobre cargos (1,96%). Essas médias variam conforme o tribunal, o estado, o grau e a espécie de Justiça e o <a style="color: #ff0000;" href="http://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&amp;host=QVS%40neodimio03&amp;anonymous=true&amp;sheet=shResumoDespFT" target="_blank" rel="noopener noreferrer">recurso interativo</a> criado nesta edição é um prato cheio para analistas e curiosos.
Por que isso preocupa? Algumas razões. O Judiciário é um poder que não define a própria pauta; ele julga o que lhe é submetido. O congestionamento, a morosidade e a despesa, por exemplo, dependem da demanda da sociedade, mais até do que de um funcionamento eficiente. Em 2015, a demanda retraiu, mas passou a aumentar em 2016, contrariamente ao esperado. Além do volume, importa a natureza da demanda. Se chegam ao Judiciário muitos litígios relativos a obrigações e contratos, como é o caso, há um sinal de que as trocas econômicas e o mercado de modo geral não vão bem. Se chegam muitos processos criminais, é sinal que a segurança pública não vai bem; se esses processos são predominantemente de tráfico de drogas, há uma questão social ainda mais complexa que precisa ser melhor compreendida. Se há muitos processos eleitorais, é sinal que nosso processo político, bastante enfermo, tenta melhorar sua aparência pela via da judicialização. Se há muitos processos trabalhistas, provavelmente é porque patrão e empregado não conseguem resolver satisfatoriamente os inescapáveis conflitos da relação capital-trabalho.
Dados sobre o perfil da litigância ampliam nossa visão sobre os resultados de justiça para além da eficiência da Justiça. Sob os problemas estruturais e de funcionamento do Judiciário, esconde-se um problema mais delicado, o de um nível mínimo de coesão social – a que servem, aliás, o que a teoria identifica como os escopos jurisdicionais da justiça e paz social.
Através dos dados sobre o perfil dos litígios, o DPJ/CNJ nos oferece um conjunto de novas possibilidades para pensar o acesso à justiça no Brasil e, assim, avançar algo nesse nosso atravancado processo civilizatório. Isso é para celebrarmos.

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JOTA

Estreia da coluna da Rede de Pesquisa Empírica em Direito (REED)

O “Justiça em números 2017” e um passo além da eficiência

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