Juliana Santoro Del Pesco

No artigo anterior tive a oportunidade de mostrar que advogados brasileiros com ou sem LLM podem ser elegíveis para prestar a prova do Bar Exam em diversas jurisdições nos Estados Unidos. No artigo de hoje, contarei um pouco sobre a estrutura do exame e como foi a minha experiência ao prestá-lo.
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Assim como o Exame da OAB, o Bar Exam nos Estados Unidos não é uma prova fácil. Até mesmos os estudantes nativos, os quais são chamados “JDs” (Juris Doctor), têm dificuldade com a prova e sofrem as mesmas inseguranças que os estudantes internacionais que decidem por enfrentar essa batalha. Porém, com estudo e preparação, é possível a aprovação na prova.
No passado, cada estado americano era responsável por não só pelo estabelecimento das regras de inscrição, elegibilidade e disciplina dos advogados, mas também pela criação da prova de ordem. Geralmente, nas provas organizadas por cada um dos estados o candidato deve demonstrar domínio tanto da legislação federal, quanto da estatual. Como é cediço, cada estado americano possui leis próprias no âmbito criminal, civil, processual e fiscal.
Nos últimos anos, houve uma tendência de se unificar a prova do Bar a fim de facilitar eventuais inscrições suplementares em Estados vizinhos e ampliar a mobilidade de advogados para atuar em outros Estados. Atualmente, trinta e cinco jurisdições americanas adotam a forma unificada de exame, o chamado Uniform Bar Exam (“UBE”)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Os estados que optaram por aderir ao UBE aplicam a mesma prova aos candidatos e apenas testam os candidatos em princípios gerais do common law e lei federal. Todavia, ainda há uma discricionariedade por parte de cada jurisdição para estabelecer a pontuação de aprovação e requisitos adicionais para obtenção da licença.
Note que atingir a pontuação máxima no UBE não irá garantir que o candidato possa ser inscrito em todas as jurisdições que adotam a referida prova. Há estados que admitem a transferência da pontuação para inscrição suplementar. Portanto, o Bar Exam continua sendo específico para atuação no estado de escolha com a possibilidade, dependendo das regras individuais de cada estado, de transferência de pontuação e inscrição suplementar.
O sistema, portanto, é bem diferente da atual estrutura do Exame da Ordem no Brasil. Embora a inscrição seja específica para um determinado estado, os estudantes que passam na OAB têm a opção de obter inscrição suplementar em outros estados da federação sem a necessidade de se submeter a mais um exame.
Para o restante dos estados que não adotaram o sistema de prova unificado nos Estados Unidos – como é o caso da Califórnia e da Pensilvânia, estado em que possuo licença – a prova obrigatoriamente irá incluir componentes de lei estadual. Em outras palavras, o candidato deve dominar os sistemas federal e estaduais para atingir a aprovação. Aqui vale ressaltar que durante a minha prova, tive que aprender dois sistemas de processo civil – o estadual e o federal -, o que para brasileiros soa um tanto quanto estranho ter regras diferentes de como o processo irá se desenrolar dependendo da corte em que a ação é distribuída. Imaginem só ter que memorizar diferentes prazos para apresentação de defesa, diferentes teses que podem ser objeto de preliminares e quais decisões são passíveis ou não de recursos em dois sistemas distintos!
Independentemente de a prova ser UBE ou não, os exames são bem parecidos em estrutura com apenas algumas modificações em relação à quantidade de questões escritas e os performance tests, que podem ser comparados à peça processual da segunda fase da OAB.
A prova do Bar Exam é oferecida duas vezes ao ano e ministrada ao longo de dois dias em dois dias, sempre nas últimas terça e quarta-feira dos meses de fevereiro e julho. Diferentemente na OAB, a prova do Bar Exam não possui uma estrutura de fases em que a aprovação na primeira fase dá ao candidato direito a fazer a segunda fase e, após isso, aprovação e inscrição. No exame americano as provas acontecem em dias seguidos e a aprovação se dá com a combinação das pontuações dos dois dias prova.
No primeiro dia de prova, sendo UBE ou não, o candidato será testado nas suas habilidades escritas. O examinador americano testa o candidato de duas formas: questões escritas e uma peça prática. As questões escritas, chamadas de essays ou MEE<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> para as provas UBE, o examinador apresenta um caso prático em que o candidato deve dar uma resposta de acordo com as leis e elementos/fatos do enunciado.
O jeito americano de escrever uma resposta é bem peculiar e objetivo. Somos treinados pelos cursos preparatórios a seguir uma estrutura de reposta para que as ideias não se percam e o candidato o atinja o maior número de pontos possível. A estrutura a ser observada é o conhecida “CRAC” – conclusão, regra (lei), aplicação e conclusão para concluir a resposta. Da leitura dos fatos, o candidato deve extrair uma conclusão breve e, em seguida, expor o que diz a lei em casos daquela natureza. O próximo passo é aplicar a lei aos fatos expostos no enunciado e, por fim, uma breve conclusão. Objetividade é uma regra a ser observada e, ainda, o examinador dará pontos extras pelo raciocínio jurídico do candidato. O famoso “encher linguiça” não é recomendado no Bar Exam, pois o examinador não lhe dará pontos a mais por demonstrar conhecimento extra em matéria não testada.
Na peça prática, chamada de performance test ou MPT<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> para as provas UBE, o candidato recebe um arquivo com uma tarefa solicitada por um sócio ou advogado sênior. No performance test o candidato deve analisar o livreto do caso prático que conterá além da tarefa, anotações do advogado que solicitou a tarefa, contratos, documentos, legislação, jurisprudência aplicável e instruções de formatação da peça. É um verdadeiro caso prático e, como o advogado do caso, provavelmente você deverá elaborar um memorando, uma carta, ou uma petição com os argumentos relevantes para uma motion. Aqui, não há a necessidade de conhecimento prévio da lei, visto que toda a legislação e casos são dados pelo examinador. Seguir as regras e a estrutura sugerida pelo examinador é essencial para o acúmulo de pontos.
O número de questões e peças práticas variam de acordo com o estado. Em Nova Iorque (e outras jurisdições UBE), por exemplo, serão exigidas duas peças práticas e seis questões. Na Califórnia, apenas uma peça prática e cinco questões. Quanto ao tempo, o candidato tem no total 6 horas para responder a prova escrita, divididas da seguinte forma: três horas na parte da manhã, pausa para almoço, e mais três horas no período da tarde. Algo curioso e diferente para nós brasileiros é que a prova pode ser escrita à mão ou digitada no seu próprio computador. Ressalto que a maioria dos candidatos optam por responder ao exame no computador.
No dia seguinte, o candidato deve estar preparado para mais um dia intenso de prova e responder a 200 questões de múltipla escolha em um período de seis horas (três horas no período da manhã, pausa para almoço, três horas no período da tarde). Uma curiosidade do exame de múltipla escola é que das 200 questões testadas, apenas 175 são consideradas para fins de nota/aprovação. As demais 25 questões incluídas na prova são perguntas que terão a performance testada pelo examinador para inclusão ou exclusão em futuros testes. São sete as matérias testadas no chamado MBE – Multistate Bar Exam<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>: Processo Civil Federal, Direitos Reais, Responsabilidade Civil, Direito Criminal e Processo Penal, Evidências, Direito Constitucional e Contratos e Vendas. Cada questão é acompanhada de quatro alternativas que são um tanto quanto traiçoeiras. O tempo é curto, o candidato deve calcular bem o tempo para conseguir responder todas as perguntas, são exatos 1 minuto e 48 segundos por questão. Na parte de múltipla escolha o método é o tradicional: caderno de perguntas e folha de respostas.
Ao contrário do sistema que estamos acostumados, no exame de ordem americano a pontuação não é contada somente com base na quantidade de questões respondidas corretamente. A pontuação final é calculada por uma fórmula um tanto quanto secreta e, através de sistema de pontuação escalonada, o examinador leva em consideração as performances em exames anteriores e o atual para corrigir injustiças entre provas passadas e futuras.
Após a conclusão das duas partes do exame só resta ao candidato esperar pelos resultados da aprovação que varia de acordo com cada Estado. Em geral, os resultados são divulgados em 2 ou 4 meses após a prova. Em seguida, dependendo da regra do estado, há uma investigação de caráter e idoneidade, necessidade de completar provas de ética e componente estadual e específico e, finalmente, a cerimônia de juramento.
Atualmente possuo licença para advogar no estado da Pensilvânia. O meu caminho para atingir este objetivo foi um tanto quanto longo, pois primeiro tive que concluir o LLM na University of Pennsylvania Law School para me tornar elegível para prestar a prova. Após quase um ano de mestrado, decidi por me preparar para o Bar de uma forma intensiva, assim como os JDs se preparam: em dois meses. Aqui nos Estados Unidos é muito comum que os estudantes de Direito se dediquem totalmente aos estudos para o Bar Exam logo após a graduação. Isso só é possível pois a maioria dos escritórios de advocacia nos Estados Unidos contratam os recém-formados para início apenas em setembro.
A rotina de estudos foi um tanto quanto intensa, já que para cumprir o programa preparatório os estudantes têm que cumprir uma média de 8-10 horas por dia, incluindo finais de semana. Todavia, existem outros tipos de programas que possibilitam a preparação em um período mais longo. Outro aspecto interessante é que diversos cursos preparatórios são oferecidos de forma on-line e on demand, o que permite maior flexibilidade na preparação.
Em relação à prova, o principal aspecto que me surpreendeu foi o tempo. Seja o tempo de prova, quanto o tempo concedido para responder todas as perguntas. Trata-se de uma maratona de dois dias seguidos, seis horas em cada um dos dias, de pura concentração e foco para alcançar a licença para advogar nos Estados Unidos. O segredo para conseguir terminar a prova com a leitura de todas as questões é treino, ainda mais se o inglês não é sua língua nativa. Vale ressaltar, ainda, que não há concessão de tempo extra para advogados estrangeiros que decidem prestar o Bar Exam.
Em resumo, prestar uma prova em um sistema jurídico completamente diferente do que estamos acostumados e em outra língua é extremamente desafiador. Porém, com dedicação e estudo, é algo que pode ser obtido. A boa notícia é que com a flexibilização dos requisitos acerca da elegibilidade do exame em diversos estados americanos, bem como a crescente internalização das carreiras jurídicas em geral, a profissão de advogado não precisa se limitar à apenas um país. Advogados interessados em expandir sua atuação e criar mais oportunidades podem buscar a qualificação internacional.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> http://www.ncbex.org/exams/ube/
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> http://www.ncbex.org/exams/mee/
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> http://www.ncbex.org/exams/mpt/
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> http://www.ncbex.org/exams/mbe/

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JOTA

Assim como o Exame da OAB, o Bar Exam nos Estados Unidos não é uma prova fácil

O Exame de Ordem americano

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